Natural de Lustosa, Lousada, Filipe Barbosa é doutorado em gestão e administração escolar e diretor pedagógico do Colégio Nossa Senhora de Lourdes, no Porto. Integra também o Conselho de Educação do Porto e é membro fundador da associação Arco-Maior.
O Louzadense esteve à conversa com o professor para conhecer a realidade do colégio que dirige e a sua visão sobre o ensino, particularmente em Lousada, uma vez que é membro da Assembleia Municipal, estando no seu terceiro mandato.
Como é que chegou a diretor pedagógico do Colégio Nossa Senhora de Lourdes?
Quando acabei o curso, ainda trabalhei algum tempo em Lustosa, numa substituição e depois no bairro S. João de Deus, uma escola complicada. Em 2001, surgiu o convite para trabalhar no colégio. Aceitei e, passado pouco tempo, integrei a direção. Há sete anos, convidaram-me para ficar como diretor pedagógico, até hoje.
Que diferenças existem no colégio relativamente ao ensino público?
Eu acho que há algumas diferenças. Acusa-se o privado de muitas coisas que, na maior parte das vezes, não correspondem à verdade. Há colégios que têm uma ancestralidade, uma marca, uma identidade e é o caso do Nossa Senhora de Lourdes. O fundador da Congregação das Irmãs do Amor de Deus, um espanhol, decidiu criar um colégio para formar as meninas e centrou o projeto educativo no amor. O projeto das Irmãs consiste em educar no amor, com amor e para o amor. Nós acreditamos que, quando os jovens se sentem amados e acolhidos, aprendem mais e melhor.
Procuramos que esta seja uma marca. As irmãs têm colégios em 18 países do mundo e em todos pretendemos vincar isso. Os estudos atuais nas neurociências provam essa intuição de um padre há 150 anos. A primeira coisa, quando os alunos entram, é fazer com que se sintam bem. Nós chamamos educadores a todos os funcionários. Acreditamos que todos têm um papel fundamental.
Atualmente o colégio é misto?
A escola nasceu para educar meninas, mas já é misto desde há muito tempo. Apesar de ser uma escola católica, não pedimos certificados de batismo. A própria Zita Seabra conta que foi expulsa da escola por pertencer ao Partido Comunista e foi aceite no Colégio da Nossa Senhora de Lourdes.
Qual é o feedback dos alunos depois de completarem o 9.º ano, contactarem com outros jovens e conhecerem outras realidades?
Sou uma pessoa suspeita para falar sendo diretor pedagógico. Temos um observatório e durante algum tempo acompanhamos os alunos para saber como foi a transição do básico para o secundário. Para perceber aquelas que para eles são as fragilidades e potencialidades. Eles são perspicazes e assertivos nas críticas, muitas delas construtivas e que nos ajudaram a melhorar.
Comecei a organizar o Caminho de S. Tiago com os alunos e depois com os pais. Levamos 200 jovens e tempos de limitar as inscrições a antigos alunos. Alguns, que já estão na faculdade, pedem para virem connosco, para serem monitores e estarem à frente dos grupos.
Temos outras atividades como a atividade ecuménica no Sul de França, na qual gostam de participar. Esta ligação com os antigos alunos mostra que o colégio lhes diz alguma coisa.
Eles gostam de regressar. Durante a pandemia por exemplo, não permitimos a entrada de antigos alunos que vinham ao colégio.
Qual é a expectativa dos pais quando colocam os filhos no colégio?
Eu repito insistentemente que temos dois pilares no nosso projeto: identidade e qualidade. Os pais procuram os dois, procuram muita qualidade na educação porque somos uma escola. A vertente académica é importante, mas não é em termos de resultados finais, pois produzir resultados é fácil, o difícil é fazer com que os resultados correspondam às aprendizagens. Por isso, a primeira preocupação é académica, fazer com que os alunos aprendam, mas aprendam numa educação integral.
Somos uma escola católica. Há pais que, se tivermos qualidade académica, mas não tivermos a identidade católica, não nos procuram. E o contrário também acontece.
Têm neste momento 756 alunos do ensino básico. Há alguma razão para não avançarem com o secundário?
Não temos espaço. Primeiro, não faz sentido abrir só uma área. Teríamos de abrir duas ou três áreas. Para a de ciências e tecnologias precisaríamos de laboratórios e não temos espaço para oferecer a qualidade que isso exige.
Vivemos recentemente a experiência do ensino à distância. O que acha que ganhamos com esta questão?
Nós temos de ver nas dificuldades oportunidades. A primeira oportunidade é que se deu um salto brutal em termos de comunicação informatizada, que foi uma mais-valia, quer na relação entre professores, alguns um bocadinho mais info-excluídos, até por opção, quer até na comunicação com os alunos.
Trouxe ferramentas que devem ser aproveitadas e trouxe para a ordem do dia um modelo de aprendizagem, que não é novo, baseado em projetos, problemas ou em perguntas… Não é recente. Basta lembrarmo-nos da área de projeto, da área-escola… O que está a ser trazido para Portugal é baseado em experiências nas escolas de Barcelona. Várias escolas católicas tiveram a oportunidade de lá estar e nós estivemos lá, participamos em vários seminários, e é uma coisa bem estruturada. Com a pandemia, percebemos que faz sentido que algumas horas de aprendizagem sejam dedicadas a essa metodologia.
Quando se diz que há uma única e melhor forma de ensinar é errado. Nem o ensino escolástico é o mais indicado para todos, mas há alunos que se sentem mais confortáveis com ele. Não temos de destruir o modelo antigo para construir um novo. Não concordo. Temos de introduzir mudanças. Mas também acho que há certas competências, as soft skils, como falar em público, investigar, trabalhar em grupo, que a metodologia mais tradicional não ajuda a desenvolver.
A pandemia, com a questão do ensino à distância, fez-nos pensar de forma diferente… Não imagino o professor a falar 60 minutos em frente ao ecrã. Quem pensou no ensino à distância, teve de pensar o ensino de outra forma.
O Arco Maior é um projeto que tem a capacidade de motivar jovens “perdidos”, que não se identificam com a escola. Fale-nos um pouco dele.
O Arco Maior é um projeto que está muito ligado à Universidade Católica e particularmente ao professor Joaquim Azevedo. Arco Maior porque é por onde podem passar todos. A ideia é que a escola, com um modelo tradicional e com problemas a montante, acaba por produzir exclusão. Mesmo que digamos que não há grande absentismo, a escola produz muita exclusão. Nas zonas urbanas e suburbanas ainda mais.
Se os alunos têm de estar na escola até aos 18 anos e se eles se autoexcluem da escola ou a escola arranjava formas de os pôr fora, tem de haver escolas que os recebam. Ou se arranja uma coisa diferente para que aprendam, ou eles vão ficar permanentemente excluídos. Há estudos que provam que estes alunos terão um custo grande para a sociedade. Provavelmente serão os primeiros a ficarem desempregados… É importante que se olhe para a prevenção e não para a remediação.
O projeto é reconhecido pelo ME, que assinou um protocolo para 5 anos, e é acarinhado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, pela Misericórdia do Porto, pela Fundação Manuel da Mota, que são também fundadoras e apoiam monetariamente e com instalações. O Arco Maior só acolhe alunos enviados pelas CPCJ, pelo tribunal ou que já estão fora da escolaridade, mas não têm o 6.º ou 9.º ano. É uma escola de última oportunidade. Os alunos podem ser de fora dos concelhos. Temos 4 polos, um deles em Gaia. Temos alunos de Matosinhos, Valongo e outros concelhos. É a resposta possível e desmontar a questão da exclusão.
Caracteriza-se pela firmeza temperada com ternura. Ser firme, mas ao mesmo tempo compreender o contexto. É complexo. As nossas escolas são “não lugares” (as escolas eram até todas iguais, no passado), não têm identidade. Os alunos não se sentiam identificados com o espaço. O Arco Maior funciona em espaços familiares, às vezes até em casas. São os alunos que cozinham. Simultaneamente, aprendem a cozinhar e cozinham para os colegas. Têm assembleias democráticas, onde as decisões são tomadas por eles. Não garante um sucesso de 100%, mas tem uma alta taxa de sucesso. Há muitos casos de sucesso. É um trabalho de reinvenção diária.
Os professores têm certas características? Têm formação?
Há uma formação e um perfil de professor. Determinado perfil terá 100% de insucesso num projeto do Arco Maior e isto não é censurável. É um projeto diferente, que exige uma abordagem diferente.
Tem conhecimento de outros projetos semelhantes?
Há uma escola em Matosinhos de segunda oportunidade. Há muitos pedidos para que o projeto Arco Maior possa ser replicado em vários lugares, mas não sabermos como, porque não basta replicar o projeto, temos de atender às circunstâncias.
Faz também parte da Assembleia Municipal pelo PSD. Qual a sua opinião sobre a educação em Lousada?
Já fiz várias intervenções na Assembleia Municipal sobre educação em Lousada. Há alguns problemas que continuam a ser difíceis de resolver. A rede escolar não tem sido bem pensada, falta pensamento estratégico e uma articulação entre a oferta do privado e estatal. Por exemplo, no caso dos centros sociais, que também têm pré-escola.
Temos o programa Dicas…
Tem sido feito um trabalho bom de algumas décadas na resolução aparente de um problema do Tâmega e Sousa, que era o abandono escolar e o trabalho infantil. Conseguimos resolvê-los aparentemente, pois conseguimos fazer com que os alunos vão à escola. Mas depois, se olharmos para os números, a taxa do sucesso no secundário poderia ser melhor… Mas também não há recursos para que os projetos vão adiante… É como se fizéssemos bem o diagnóstico, mas depois não temos meios para aplicar a terapêutica.
O Dicas resulta de um trabalho diário na escola, que identifica dificuldades, encaminha… Quando são graves, até conseguimos dar seguimento, porque passam para outros departamentos como a Segurança Social ou o Ministério da Saúde. Mas algumas dificuldades têm a ver com a família, pois o maior preditor para o sucesso tem a ver com a facilidade com que se aprende a ler nos dois primeiros anos de escolaridade, com a escolaridade dos pais e a forma como olham para a escola. Identificamos isso, mas nem sempre se desenvolvem os mecanismos para passar adiante. Qual a terapêutica que aplicamos para que um preditor acabe não se concretizar? acho que isso tem falhado.
A Câmara tem feito um esforço na contratação de psicólogos…
É verdade, que passa além do que é rácio do Ministério da Educação e que tem feito esse trabalho e está à frente de outros municípios. Mas eu tenho 756 alunos e três psicólogos e não tenho os problemas que Lousada terá.
Em termos de ensino profissional, a autarquia tem investido em equipamentos, tal como os agrupamentos. O que pensa desta realidade?
Já ouvimos esse discurso como refrão há 24 anos. Pertenço há quase 12 anos à Assembleia Municipal, ouço um discurso, mas no terreno, pouca aplicabilidade.
Muitas vezes, falta coragem política. São necessárias decisões políticas de envolvimento efetivo de outros parceiros para criar respostas diferentes. Não vejo o espírito da lei 75 de 2008 sobre os conselhos gerais nas escolas, onde há muito pouca participação de empresas, que eu conheça. Não estou a ver uma preocupação efetiva de ter figuras nos conselhos gerais ligadas ao mundo empresarial para fazer uma verdadeira parceria com a câmara e a escola. Podemos começar por aí.
Depois, é preciso pensar fora da caixa, envolver instituições, empresas, associações, para dar respostas aos problemas concretos. Essas respostas às vezes não podem ser dadas unicamente pela comunidade nas escolas, professores e direções. Tem de ser a Câmara Municipal a tentar responder e há municípios que o fazem.
A Câmara dá uma resposta ao ensino profissional? Nos jornais, o problema está resolvido há muitos anos, na boca dos responsáveis parece que sim, mas no terreno acontece o que acontece em todos os outros lugares. É possível fazer diferente, mais e melhor.
Um grande profissional.
E tenho muito bos recordos.
Saudações dende Pontevedra.