BERROS, INSULTOS, INVASÕES DE CAMPO, AGRESSÕES NA BANCADA
Na entrevista ao treinador do Aparecida, José Oliveira, que publicamos na anterior edição, um dos temas que sobressai é o comportamento dos pais nos jogos de futebol dos próprios filhos. Aquele técnico chamava a atenção para o incremento do fenómeno em Portugal, que prejudica o futebol e acima de tudo as crianças. Tal como aquele técnico, todos os outros que fomos entrevistar sobre este tema primam pelo mesmo diapasão e dizem que há muito a fazer nesse campo. Todas as semanas a Associação de Futebol do Porto (AFP) publica os resultados disciplinares e as camadas jovens surgem com inúmeras ocorrências. Curiosamente, os mais “vezeiros” estão bem identificados na tabela que publicamos em anexo.
Impropérios, berros escabrosos, invasões de campo, pancadaria entre pais, insultos de pais aos próprios filhos quando estes erram numa jogada, ameaças aos jogadores adversários, há de tudo um pouco em muitos jogos distritais de equipas jovens.
No último relatório de Maio, a AFP divulgou uma listagem onde, por exemplo, Rio Ave, Pedras Rubras e Associação Desportiva de Lousada foram punidos em motivo do respetivo público “agir sem maneiras em jogos com crianças de 9 e 10 anos”. No cômputo geral o Lousada está nos dez primeiros da época. O clube com mais castigos aplicados por mau comportamento nas bancadas na formação, foi o Leixões.
“Há comportamentos deploráveis, situações de bradar aos céus, afirma o gestor da página Pais e Clubes, no Facebook, que foi criada em 2019 por um pai (anónimo) que se cansou de ver comportamentos incorretos de pais e encarregados de educação e público em geral. Em declarações a O Louzadense, afirmou: “vi e vejo tanta coisa deprimente nos recintos desportivos de formação que decidi «fazer qualquer coisa». E saiu esta página”.
É de Vila Nova de Gaia, foi diretor de escalões de formação durante 10 anos e teve dois filhos a jogar e gosta de acompanhar jogos de formação. Naquela página faz “tratamento estatístico da informação que sai nas circulares da AFPorto com os castigos”.
Diz que já viu de tudo, nomeadamente “um puto de 11 anos virar-se para a bancada com o dedo na boca e um adulto (que devia saber que um miúdo de 11 anos é isso mesmo) a querer entrar em campo durante o jogo para o «educar» (palavra do próprio)”.
Também já presenciou invasões de campo em equipas de menos de 8 anos. “Espanta-me que, em jogos de miúdos, os frequentadores de bancada sejam piores que os que estão em campo. É frequente quando acontece uma falta mais ou menos dura, os miúdos em campo já se levantaram e cumprimentaram e os idiotas das bancadas ainda estão a vociferar com o árbitro, ou pior, com o atleta”, afirma.
“Desde que comecei com os meus filhos em 2011, vejo isto a piorar. E esse degradar de ambiente nas bancadas começa, cada vez mais, a entrar no campo. Hoje, miúdos de 9 e 10 anos já insultam árbitros e os pais ainda reforçam. Os clubes, que vivem de mensalidades, apesar de não terem muitas ferramentas para lidar com o tema, encolhem os ombros e culpam a sociedade. E, depois, os próprios exemplos dos grandes clubes que têm visibilidade são miseráveis”.
Este observador tem “uma ideia geral de que os clubes da zona do Vale do Sousa não são tão problemáticos nesta matéria como certos clubes da área metropolitana do Porto” mas considera que é um fenómeno que está a expandir-se.
INSULTOS RACISTAS DÃO MULTA
Os castigos são aplicados ao abrigo do artigo 156 do Regulamento de Disciplina, que se refere ao comportamento incorreto do público. Diz o artigo que “o Clube cujos sócios ou simpatizantes mantenham antes, durante ou após a realização de jogo, um comportamento socialmente reputado incorreto, designadamente o arremesso de objetos para o terreno de jogo, ou que pratiquem atos não previstos nos números anteriores que perturbem ou ameacem perturbar a ordem e a disciplina, é punido com multa de € 400 a € 1000. E em caso de reincidência, os limites da pena são agravados para o dobro”.

O autor da referida página do Facebook acrescenta que também segue o resultado dos processos da Autoridade para a Prevenção e Combate à Violência no Desporto, mas lamenta que “infelizmente, os processos não são públicos, apenas as sentenças”.
Quando lhe perguntamos quais foram os casos mais flagrantes a que assistiu, enumerou vários, mas destaca um que está publicado na sua página:
“na passada semana (23 de maio), […] um adepto de 54 anos, residente em Lamego, foi condenado ao pagamento de coima no valor de 1000€ e 12 meses de proibição de entrar em recintos desportivos, por insultos racistas a um jovem jogador. O incidente ocorreu no jogo entre o Sport Clube Tarouca e o Grupo Desportivo de Oliveira de Frades, no Estádio Municipal de Tarouca, referente à 11.ª jornada da Taça Ouro sub 14, competição organizada pela Associação de Futebol de Viseu.”
Numa breve auscultação a diretores, coordenadores de camadas jovens e treinadores, do concelho de Lousada, percebe-se que a questão preocupa. Todos dizem que é preciso colocar o dedo na ferida, ou seja, intervir.
O dirigente do Lodares, César Marques, declara que “por vezes, os pais vivem os jogos dos filhos com uma intensidade fora do normal. Isso prejudica a prestação deles em campo e complica o trabalho do treinador, uma vez que ficam divididos entre as indicações dos pais na bancada e aquelas que o treinador pede”. Ressalva que “nos escalões mais novos, raramente há excessos”, mas sublinha que “nos escalões de futebol de 11, principalmente quando há dérbis, é frequente acontecer confusões na bancada”.
No caso do presidente do Romariz, Agostinho Cunha, referindo-se ao seu clube, entende que o comportamento dos pais tem sido exemplar. Revela que “apenas houve um caso de comportamento impróprio junto dos adeptos na bancada, que foi de imediato resolvido”.
Pronunciando-se “de uma forma geral, no futebol juvenil os pais deviam interiorizar que os seus filhos devem praticar a modalidade sem pressões, mas com alegria, aprender os valores que os devem acompanhar para a vida, como amizade, respeito e partilha”. O que nem sempre acontece.
Outro aspeto que destaca “é que os pais devem acompanhar os atletas não só nos escalões pequenos, mas nos escalões mais velhos dos 15 aos 18 anos, onde precisam de apoio e incutir-lhes o sentido de responsabilidade, compromisso e respeito, com o apoio dos mesmos aos atletas e na bancada, só desta forma conseguimos o bem estar no futebol”, conclui Agostinho Cunha.

FILHOS OBRIGADOS A JOGAR
Um especialista lousadense em formação é Paulo Ribeiro. Para este técnico “hoje em dia, os pais olham para o futuro dos filhos e querem que eles joguem futebol, sem que muitas vezes os filhos gostem da modalidade”.
A seu ver, isso deve-se à “ânsia de ter filhos como futuros «Cristianos Ronaldos», e muitas das vezes não respeitam os clubes, diretores e treinadores”. Explica que “alguns pais querem que os filhos joguem futebol, pela possibilidade se forem jogadores de topo, terem uma vida financeira elevada e também acontece que alguns pais querem que os filhos sejam aquilo que eles não conseguiram ser no futebol”. Em suma, Paulo Ribeiro diz que “tudo isto acontece porque o futebol é um fenómeno antroposocialtotal”.
O coordenador do futebol jovem do Aparecida FC, Carlos Gomes, diz que há problemas de proteção no que toca ao comportamento dos pais em relação aos filhos futebolistas. ”Os adultos deviam ter um papel de apoio constante, mesmo quando as coisas não estão bem, mas o que se vê, frequentemente, é o contrário, com os pais a maltratarem os árbitros e os treinadores quando não colocam os filhos a jogar o tempo que eles pretendem e depois, a parte pior, após dos jogos ainda vão discutir com os responsáveis do clube sobre a razão do filho ter jogado menos tempo que os outros”.

Outro fator perturbador nos jogos de futebol das camadas jovens “é o facto dos pais estarem sempre a querer intervir no jogo, dando indicações constantes para dentro de campo, confundindo os próprios filhos e os colegas de equipa. Mostrando um total desrespeito pelo trabalho desenvolvido pelo treinador”.
Em duas situações Carlos Gomes viu cenas “perturbadoras para os jovens atletas que muitas vezes, apenas se querem divertir a jogar futebol, e de um momento para o outro, as situações descontrolam-se”: “num jogo, os pais da outra equipa começaram a discutir com os pais da nossa equipa e de tal forma, que até começaram a agredir-se mutuamente. Atenção que este episódio decorreu enquanto decorria o jogo dos seus filhos. Episódio lamentável que não dá exemplo de civismo e comportamento para os mais novos”.
Numa outra situação “um atleta perdeu e também falhou um penalty, o que pode acontecer a qualquer um. Mas a atitude de pedido de satisfações por aquele resultado, e ainda por cima um pai a dizer que o filho não presta para nada e que o culpa daquele resultado é algo que nos tem de colocar a refletir e tomar medidas, porque parece que no futebol vale tudo”, lamenta o técnico aparecidense.
DEIXEM OS MIÚDOS JOGAR À BOLA

O antigo treinador de camadas jovens da ADL, Valter Miranda é muito direto: “a formação está a tornar-se cada vez mais num mundo de interesses e obsessão. Hoje em dia a maioria dos pais, avós, padrinhos, irmãos mais velhos querem que o miúdo mais novo seja um Messi ou um Ronaldo. Querem exigir do miúdo de 9, 10 ou 11 anos o mesmo que se espera de um de 20 anos. Deixem os miúdos jogarem e serem felizes pois eles só querem jogar a bola”.
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