O orçamento municipal é mais do que um exercício técnico de previsão de receitas e despesas. É, acima de tudo, um documento político que revela prioridades, opções estratégicas e a visão de futuro para o concelho. Em Lousada, onde o novo presidente da câmara afirmou querer ser disruptivo, o orçamento assume um papel ainda mais determinante: é nele que se mede a distância entre o discurso e a prática.
Apesar da dimensão global do orçamento e da forte aposta no investimento público, a análise detalhada levanta questões legítimas quanto ao grau de transparência, sustentabilidade e modernização da gestão municipal.
Transparência: quando os números não contam toda a história
A informação orçamental continua excessivamente técnica e pouco acessível ao cidadão comum. Publicar documentos extensos não é sinónimo de transparência. Por exemplo, a rubrica de Outros com um valor considerável e que permite uma infinidade de leituras.
Falta uma explicação clara das opções tomadas, dos critérios de priorização e dos resultados esperados com cada investimento relevante.
A ausência de uma leitura regular e pública da execução orçamental fragiliza o escrutínio democrático. Sem comparação entre o que foi prometido e o que foi efectivamente executado, o orçamento transforma-se num acto formal, distante da realidade dos munícipes.
Sustentabilidade financeira: investir hoje sem comprometer amanhã
A aposta em grandes projectos é frequentemente apresentada como sinal de ambição e dinamismo. No entanto, raramente é explicado o impacto futuro dessas decisões: custos de manutenção, encargos permanentes e pressão sobre a despesa corrente.
Um orçamento sustentável exige mais do que equilíbrio no papel. Exige uma visão plurianual clara, identificação de riscos financeiros e a garantia de que o crescimento da despesa fixa não limita a capacidade de resposta futura do município.
O aumento da despesa com pessoal: investimento estratégico ou inércia estrutural?
Um dos pontos mais sensíveis do orçamento é o acréscimo da despesa com pessoal. Este aumento pode ter várias justificações: actualizações remuneratórias obrigatórias, progressões de carreira, reforço de serviços operacionais, transferência de competências do Estado ou contratação de novos técnicos especializados.
Contudo, aquilo que falta é uma explicação política clara. Quantos trabalhadores estão a ser contratados? Em que áreas? Para responder a que necessidades concretas? Trata-se de um reforço temporário ou de um aumento estrutural da máquina municipal?
Num contexto de afirmação de disrupção, o risco é evidente: se o crescimento da despesa com pessoal não estiver associado a ganhos claros de eficiência e qualidade do serviço, o município ficará com custos fixos mais elevados e menor margem de manobra futura.
Digitalização e transformação digital: a oportunidade que não pode ser desperdiçada
É precisamente aqui que a transformação digital deveria assumir um papel central no orçamento. Um executivo verdadeiramente disruptivo utilizaria a tecnologia para repensar processos, reduzir burocracia e libertar recursos humanos para funções de maior valor acrescentado.
A digitalização integral dos processos administrativos, a criação de uma plataforma única do munícipe, a automatização de tarefas repetitivas e a gestão baseada em dados permitiriam melhorar o atendimento, reduzir tempos de resposta e conter, a médio prazo, o crescimento da despesa com pessoal.
Mais do que investir em software ou equipamentos, importa investir na requalificação dos trabalhadores, adaptando competências e funções a uma administração local mais moderna, ágil e orientada para resultados. Sem esta ligação entre tecnologia e organização, a digitalização corre o risco de ser meramente decorativa.
Participação dos cidadãos: uma promessa ainda por cumprir
Apesar da existência de mecanismos como o orçamento participativo, a participação dos munícipes continua a ter um peso reduzido no conjunto das decisões orçamentais. A discussão pública ocorre, unicamente, em contexto de assembleia municipal e na lógica de partidos, quando as opções já estão fechadas, limitando o envolvimento dos cidadãos a um papel simbólico.
Uma governação verdadeiramente inovadora exigiria processos de participação mais profundos, informados e antecipados, capazes de envolver a comunidade na definição das prioridades estratégicas do concelho.
Um orçamento em encruzilhada
Em síntese, o orçamento municipal de Lousada encontra-se numa encruzilhada. Pode continuar a ser um documento tecnicamente correcto, mas politicamente previsível, ou pode assumir-se como um verdadeiro instrumento de mudança.
Se a disrupção anunciada quiser ser mais do que retórica, teria de se traduzir em transparência radical, sustentabilidade financeira, modernização administrativa e responsabilização pelos resultados. Num tempo de recursos limitados e exigência crescente dos cidadãos, o orçamento deve responder de forma clara a três perguntas essenciais: de onde vem o dinheiro, como é gasto e que futuro constrói para Lousada. Enquanto essas respostas não forem plenamente claras, o debate orçamental continuará incompleto.
Ricardo Luís
(Contabilista e Consultor de Empresas)













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