Lousada, capital do automobilismo
Como tudo começou
Aproveitando a passagem do Rally de Portugal por Lousada, com uma super especial no mítico circuito europeu da Costilha, o nosso jornal quis destacar um grande Lousadense: José Carlos Bessa Machado, um dos fundadores do Clube Automóvel de Lousada (CAL) e atualmente o Provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lousada.
José Carlos Bessa Machado, de 75 anos, é natural de Macieira. Na infância, era considerado um “traquinas”: na verdade, era um explorador da natureza, que vivia entre a escola e o monte, à solta nos campos.
Da infância, guarda boas memórias, sobretudo pela “solidariedade e camaradagem”. “Não havia competição entre colegas, o que era muito bom”, recorda.
Concluída a escola primária em Macieira, continuou os estudos, até terminar o curso de engenheiro técnico agrário. No percurso académico, passou pelo liceu em Lousada, o antigo colégio Eça de Queirós, e depois estudou na Escola Agrícola de Coimbra. Foi funcionário público durante um ano, tendo posteriormente ingressado numa empresa de agroquímica.
Interpôs-se no seu percurso de vida o serviço militar: “Fiz a tropa aqui e a comissão em Moçambique”, conta.
Dos tempos idos, relembra Lousada como sendo uma “terra muito familiar”, onde toda a gente se conhecia. Salienta, contudo, os desníveis sociais e dá um exemplo: “À Assembleia Lousadense, só tinham acesso determinadas pessoas, tidos os fidalgos da terra. Eu via-os através das janelas, na altura durante as Festas Grandes”. “Resíduos do feudalismo”, afirma, o que permitia aos grandes proprietários de quintas não trabalharem e viverem da renda dos caseiros.
Bessa Machado relembra alguns nomes sonantes da sociedade e do comércio lousadense, como a Casa Valinhas: “Era uma casa imponente. A ideia é de que eu achava nessa altura que havia casas que atravessavam os tempos e mantinham-se para sempre . Havia também alguns edifícios que eu achava que eram indestrutíveis, mas, como tudo na vida, esta é feita de mudança, e acabou por mudar tudo”.
Pista da Costilha entra na vida de Bessa Machado por “acidente”
Desde os 17 anos ligado ao voluntariado, formou um clube na sua terra, quando ainda estudava em Coimbra. Regressado a Macieira, esteve ligado ao hóquei em campo, ajudou a fundar a Associação Industrial, até que, em 1978, foi desafiado por Jaime Moura para assumir a presidência da Associação de Cultura Musical de Lousada, sucedendo, assim, a Jaime Moura, que estivera dois anos à frente da Associação. “Tentei sacudir essa responsabilidade, mas ele cobrou-me. Resultado: acabei por aceitar”, diz.
Quando iniciou funções, percebeu que a Associação se resumia praticamente à banda de música e, por isso, ambicionava algo mais, pois “era importante que fosse cada vez mais uma associação e menos uma banda, que, na ocasião, estava entregue ao Paulo Cunha. Os primeiros passos a dar destinaram-se a conseguir suporte financeiro para voos mais altos. O que não era fácil, como o mesmo conta: “A banda dava um prejuízo de trezentos contos por ano e isso era incomportável”. A solução foi dinamizar atividades: bailes, corridas… tudo servia para encaixar dinheiro. “Fiz provas de tiros ao prato, provas de perícia”, recorda. Não é de estranhar que, na posição de presidente, com a única função de angariar dinheiro, quisesse “passar a pasta”. A dificuldade foi encontrar alguém que o substituísse prescindindo da sua presença: “Ainda entrou o Paulo Magalhães de Lodares e, posteriormente, o meu primo Jorge Bessa, mas exigiram que eu ficasse como angariador de dinheiro com as atividades”. Até que um dia surgiu uma ideia. Bessa Machado conta-nos como tudo sucedeu: foi à Gatel levar o carro para fazer uma pequena reparação e o eletricista sugeriu-lhe que se “metesse” no motocrosse. “Se quer ganhar dinheiro, meta-se é no motocrosse. Eu sou de Guilhufe e lá fizeram um salão paroquial à custa das provas do motocrosse”: foram estas as palavras que abriram a estrada de Bessa Machada para os desportos motorizados.

Convencido de que seria uma forma de angariar dinheiro, procurou um local para fazer uma pista de motocrosse: “dei uma volta à vila a espreitar e cheguei aqui. Esta mata antigamente tinha muitas árvores, que tinham ardido e tinham-nas cortado. A mata estava limpa e via-se aqui o terreno acidentado. Eu pensei: ‘está aqui o local certo para a pista de motocrosse”. Note-se que não percebia nada do assunto, pois a única experiência que tinha vivido fora uma prova de motocrosse, em 1975, mas como assistente. Recorda que, na altura, tinha sido o Paulo Cunha quem o “agarrou”: “Fizeram numa pista improvisada por detrás do Senhor dos Aflitos e deu-se ali uma prova num dia de chuva”.
Mas voltemos à Pista da Costilha. Deslumbrado com o espaço, que lhe parecia ótimo para o desporto motorizado, foi imediatamente falar com Jaime Moura. Estava na altura de lhe exigir a contrapartida por lhe ter sucedido na presidência da ACML. “Foi assim que arrancamos com o motocrosse. Fizemos aqui durante três anos provas de motocross, e passamos a ser uma secção da ACML. Com essas provas, financiávamos a Associação, sendo o prejuízo assumido pela secção”, explica.

Foto: Livro “Costilha Paixão de Gerações” Edição CM Lousada
Sucesso logo na primeira prova
Para fazerem a pista, contaram com a ajuda de alguém experiente: Rodrigo Ribeiro, que participava em competições. “Disse-nos que estava aqui um local espetacular para a pista”, refere. O passo seguinte foi convencer os proprietários a cederem os terrenos. Para tal, contaram com intermediários: “Quem se dava bem com a D. Eugénia da Costilha era o casal Lousada, a Lúcia Lousada e o Bernado. Pedimos-lhes falar com ela, para ver se nos cedia o terreno. No primeiro ano, cederam-no gratuitamente”. Depois, foi pôr mãos à obra. No caso, foi mais mãos na máquina, a dos Cunhas. Assim nasceu a pista do motocrosse. Inscritos na federação, começaram a “dar gás”. “Só nos atribuíram uma prova extra campeonato. Demos uns prémios para aliciar os pilotos e, logo no primeiro ano, foi uma enchente, para aí quatro a cinco mil pessoas”, afirma. Rodrigo Ribeiro, que atraiu muita gente por ser de Penafiel. Trouxemos o Fernando Neves que era o campeão nacional . “Foi ele, Rodrigo Ribeiro, que ganhou a prova nesse ano”, recorda. Apesar do improviso, foi uma aposta ganha: “O Jaime trouxe uma camioneta da Famo e era tudo feito lá em cima. Não havia mais nada, absolutamente nada”, garante.

Foto: Livro “Costilha Paixão de Gerações” – Edição CM Lousada
Do nada, passaram a ter um “barraco de madeira”. Nos anos seguintes, já entraram nas provas do campeonato. A ascensão e o reconhecimento não se fizeram tardar: “Rapidamente a pista foi considerada a melhor do país e nós a melhor organização. E estivemos assim três anos”. Sabedores da pretensão de Portugal em candidatar-se ao Europeu de Motocrosse, começaram as diligências para receberem as provas, o que não foi fácil: “Eu próprio telefonei ao presidente para vir cá. Estive à espera dele no Arcada e ele não apareceu”. Souberam depois que tinha passado por Águeda e “lá se vendeu”. Foi um balde de água fria e a euforia deu lugar à desmotivação.
Então, para dinamizar o espaço, iniciaram-se as provas internacionais: “Fui a Vigo e lá recrutei dez pilotos espanhóis. Por acaso, no meio, apareceu um piloto muito bom e esse animava as provas e de que maneira! Foram tempos interessantes”, diz, saudoso. O único senão foi o facto de os pilotos de motocrosse começarem a cobrar um prémio de presença: “Chegavam a uma determinada altura e pediam dez contos. Viam muito público e, por isso, aumentavam o valor, se não, não corriam”. Foi assim até ao dia em que a organização se fartou “dessa chantagem”, depois de assistir a uma prova de autocrosse em Abrantes, onde os pilotos pagavam para correr! Foi então que se deu a grande mudança: trocaram as duas rodas por quatro.
O início do autocrosse
Regressados a Lousada, era necessário construir uma nova pista e enfrentar uma série de imposições legais. O que parecia mais vantajoso tornou-se, na verdade, uma carga de trabalhos: “Nos automóveis, era um pouco mais complicado, porque percebemos que era preciso ter uma secção de motorismo organizada com alvará do Automóvel Clube de Portugal. Era preciso ter uma comissão desportiva, onde estivessem, pelo menos, duas pessoas com licença de comissário desportivo”. Surgiu, assim, a necessidade de recorrer a duas pessoas externas para a Comissão desportiva de Secção: Carlos Navega e Rodrigo Vasconcelos e Soares Gomes, que estavam ligados aos clubes do Porto. Surgiu assim a Secção de Motorismo da Associação de Cultura Musical de Lousada. Um clube dentro da Associação.
Quanto ao traçado da nova pista, depois de muito estudo, observação e levantamentos topográficos e diálogos com proprietários, foi possível desenhar a nova pista no local da antiga de motocrosse.
Enquanto decorriam as obras na Pista da Costilha, realizou-se a primeira prova em Penafiel, em parceria com a Secção Automóvel do Futebol Clube de Penafiel, com o alvará deste clube. Decorria o ano de 1984, quando teve lugar a primeira prova na Costilha, com “uma grande enchente”. Mais uma vez, foi tudo improvisado: “a vedação com paus, lonas e com rede”, “o barraco de madeira, que foi aumentando e onde estava a cronometragem e os comissários…” Foi uma evolução que rapidamente os conduziu ao patamar de “melhor organizador nacional de autocrosse”. Realizavam-se duas provas por ano a contar para o campeonato e também para a Taça.

Foto: Livro “Costilha Paixão de Gerações” – Edição CM Lousada
Seguiu-se mais uma deslocação internacional, desta vez a França, para entrar no autocrosse europeu. De Bordéus, vieram com a decisão de concorrer à organização de provas nesse âmbito. Nova saída, agora até à capital, Lisboa, para falar com César Torres, que “não gostava do autocrosse”, assegura Bessa Machado. Contudo, a aposta em mais um campeonato europeu de autocrosse era prestigiante e ele apoiou o projeto. Considerados aptos para organizar essas provas, estrearam-se então no Campeonato Europeu. “Nessa altura, já havia aqui mais condições, inclusive foi alterado o traçado da pista, sendo mais ou menos este traçado”, afirma.
Desporto automóvel coloca Lousada no mapa
Se, no início, Bessa Machado tinha de explicar na capital onde ficava Lousada, após as primeiras provas de autocrosse, Lousada começou a aparecer na televisão e o nome do concelho tornou-se uma referência no desporto automóvel. Para termos ideia da dimensão dos acontecimentos, deixa um facto: “Só para lhe dar uma ideia, na primeira vez que vieram aqui, trouxeram oitenta pessoas para fazer a transmissão. Estiveram aqui cinco dias instalados”.
O desafio tinha, por isso, subido e a estrutura era ainda “muito debilitada”. A somar a essas dificuldades, tinham de pagar renda do terreno. Apesar de tudo, o Autocrosse Europeu foi um sucesso e a organização passou a ser uma referência, sobretudo pela forma como tratava os pilotos: “Os comissários que estiveram aqui diziam que nunca tinham visto nada assim, pois dávamos muito apoio aos pilotos, porque percebemos que lá fora ninguém lhes ligava, não eram tidos como importantes e aqui para nós eram muito importantes. Até lhes fazíamos uma festa à noite”, lembra.
Adepto de grandes desafios, Jaime Moura virou-se para o rallycross. Embora inicialmente dissuadido, por ser “demasiado profissional e os pilotos demasiado exigentes”, pôs pés ao caminho, juntamente com Bessa Machado, e viajou até à Bélgica. O resultado foi a decisão de candidatura ao Europeu de Rallycross, o que implicou reformular a pista, pela necessidade de asfalto e terra. “Entretanto, eu desenhei o traçado de RallyCross. Deu uma trabalheira enorme construir a pista, envolveu muito dinheiro, mas tivemos o contributo de muito boa gente de Lousada e de muitos outros de fora do concelho”, refere.
Novamente apoiados por César Torres, foram a Paris convidar pilotos para a prova de candidatura. “Tivemos de oferecer dinheiro, foi complicado”, refere. Julho de 1990 foi o mês da prova. O dia de calor e praia afastou os adeptos. O resultado foram cerca de oito mil contos de prejuízo. Apesar disso, “foi uma prova interessante”. Pelo menos, conseguiram atingir o objetivo: a pista foi aprovada e, em 1991, foi palco do Europeu de Rallycross. “Esse foi um grande momento”, considera. Foi uma grande enchente, que deixou a organização satisfeita.
A Pista da Costilha entrou definitivamente na agenda dos media no que diz respeito ao desporto automóvel. Bessa Machado relembra mais um momento de sucesso: “Tivemos a sorte de conseguir que nos arranjassem um resumo de provas de rallycross com momentos altos e fizemo-los chegar à televisão”. Saudoso, lembra um pormenor: “Aquele prédio estava em construção, estava toda a gente pendurada, e eu, que estava aqui em baixo, só tinha receio que houvesse algum problema, mas felizmente não houve”.
Primeiro ralicrosse europeu -14.400 espectadores pagantes, lá dentro estariam 25.000

Foto: Livro “Costilha Paixão de Gerações” – Edição CM Lousada
Entretanto, a questão da compra do terreno da pista apresentou-se com mais acuidade: ou compravam o terreno ou acabavam-se as corridas. O preço eram 16 000 contos, na altura muito dinheiro. O dinheiro apareceu: a ideia foi juntar 16 pessoas e, “a mil contos cada um, resolver o problema”. Embora tivessem faltado três ou quatro pessoas, o venda concretizou-se. Mesmo assim, o negócio ainda teve de passar pelo tribunal.
O automobilismo em Lousada assumiu definitivamente um grande profissionalismo, atraindo pilotos apoiados por marcas de automóveis, com carros “muito desenvolvidos”. A mediatização passou a ser muito maior pelas transmissões no Eurosport, que exibia um programa semanal sobre automobilismo. “Havia provas de quinze em quinze dias. Passamos a ter muita projeção nacional e internacional. Lousada passou a ser reconhecida, deixando de ser ali ao lado de Penafiel”, diz.
Jaime Moura, o eterno parceiro
O trabalho de parceria com Jaime Moura correu sempre “muito bem”. Do amigo, recorda um homem a quem a parte administrativa e técnica nada interessava: “Desde cedo, ficou bem demarcado que tudo o que era organização técnica, teórica, desportiva, era comigo. Ele não queria saber de regulamentos, nada disso”, recorda.
O nascimento do CAL – Clube automóvel de Lousada
A rutura com a ACML deu-se em 1987. Bessa Machado explica como tudo aconteceu: “A direção que entrou fez alguns comentários poucos abonatórios à secção de motorismo”. Depois de reuniões e tomadas de decisão, no final do ano, “entregamos tudo o que dizia respeito à secção”. Assim formaram o CAL – Clube Automóvel de Lousada, e isso foi em agosto 1987. Jaime Moura assumiu a presidência, Bessa Machado seguiu como número dois e Bernardo Lousada foi o terceiro elemento. Quarenta foram os sócios que se juntaram.

Bessa Machado assumiu as funções de diretor de prova. No fundo, “tudo o que era organização interna, postos, comissários, pista, licenciamentos e regulamentos”, esclarece.
Já o “Jaime era um todo-o-terreno”: “se era preciso retificar a pista, ele fazia tudo, virava-se para as máquinas e fazia. O Jaime tratava de tudo o que envolvia pessoal, limpezas e preparação da pista”.
O mítico Rally de Portugal
Uma conversa informal durante uma prova do Europeu de Autocrosse com o secretário geral do ACP, Nuno Vilarinho, e a Federação Portuguesa levantou a possibilidade de se realizar no local uma especial no Rally de Portugal. A aceitação de mais este desafio foi imediata. Montar uma especial do Rally de Portugal não parecia fácil naquela pista, mas Bessa Machado tinha a solução: “Ponho dois carros lado a lado e depois trocam”. Precisou, no entanto, de dar uma volta a pé à pista para mostrar o plano in loco a Jaime moura. Convencido, o amigo acompanhou-o a Lisboa, a fim de exibirem o plano. César Torres rendeu-se às ideias dos lousadenses: “bestial” foi a palavra que usou para as caracterizar. Assim se concretizou em Lousada a primeira super especial do Campeonato do Mundo. Foi no dia 7 de março de 1991: “Nunca aconteceu nada igual”, afirma. O dia está bem vivo na sua memória, especialmente porque não estavam a contar com a chegada do público tão em cima da hora. Com apenas uma bilheteira, a correria para fazer as pessoas entrarem foi notória. Mas não conseguiram evitar o inesperado: com os carros já em prova, as pessoas forçaram a entrada e levaram as barreiras à sua frente. O maior prejuízo foram as centenas que entraram sem pagar. Valeu a lição. No ano seguinte, “pusemos pessoas do lado de fora a vender bilhetes e ninguém tinha necessidade de ir às bilheteiras”, explica.
Jornal noticia cem mil pessoas no Europeu de Rallycross em Lousada
Apesar de tudo, a bilheteirado Rally de Portugal não bateu o primeiro Europeu do Rallycross, “aquele que teve mais público pagante”. Bessa Machado deixa-nos uma curiosidade: “Nesse domingo, pagaram 14400 pessoas. Como de costume, os jornalistas chegaram junto de mim e perguntaram quantas pessoas aqui estavam. Eu disse que ainda não tinha os números. E ele disse cem mil. Cá para mim pensei: ‘nem sabes o que estás a dizer’. Mesmo assim, disse-lhe que talvez. Na segunda-feira, o título desse jornal nacional era ‘Cem mil em Lousada’”.
Apesar de rotatividade de circuitos ser já comum noutros países, em Portugal só Lousada tinha condições ímpares para a este tipo de provas, pelo que o sucesso era grande. As provas europeias tiveram muita importância, essencialmente devido à exposição mediática na Eurosport. Mas, a partir de 2000, este canal deixou de efetuar as transmissões, o que acarretou uma diminuição da visibilidade deste desporto, prejudicando pilotos e organizações. “Foram dois anos a patinar”, descreve.
A força que o CAL tinha no Rallicrosse vinha muito da ERA Associação Europeia de Ralicrosse que começou a enfraquecer, devido ao falecimento de alguns dos membros desta associação. Em Portugal, a morte de César Torres, com quem os elementos do CAL tinham uma relação privilegiada, também contribuiu para o declínio das relações com a FPAK (Federação Portuguesa de Automóveis e karting). Após a sua morte, “fui chamado pelo Matos Chaves, que fez uma afirmação deselegante. Disse-nos o seguinte: ‘eu não me importo com quanto é que vocês davam ao César Torres, mas, a partir de agora, vão ter de fazer uma proposta sobre o quanto querem pagar para terem o Rally de Portugal em Lousada’”. Bessa Machado esclareceu que César Torres nunca lhes tinha pedido nada e que, portanto, nunca pagaram nada. Mesmo assim, mostrou-se disponível para fazer uma oferta, querendo apenas saber quem eram os outros concorrentes, mas a identidade não foi revelada: Bessa Machado ainda argumentou: “Mas ele sabe quem nós somos e com isso estamos em desvantagem”. Mais tarde, percebeu que nunca teriam possibilidades de competir, pois o outro concorrente era Baltar: “Estava por trás o filho do Matos Chaves. Estava tudo feito”. Assim mudou a relação entre o CAL e a FPAK.
O abandono do CAL
Corria o ano de 2003 quando, perdido o entusiasmo, as tarefas começaram a ser um “frete” e não um prazer. Nessa altura, comunicou a Jaime Moura a intenção de se afastar dos automóveis em 2004.
O início do milénio ficou marcado por mais um revés para Lousada: Montalegre conseguiu roubar-lhe o Europeu: “Houve uma pressão para Montalegre, dado que havia um piloto de lá que influenciou em Lisboa no sentido de fazer a alternância, uma prova em Montalegre e outra em Lousada”. Havia a garantia da parte de Luís Pinto Freitas, candidato à presidência da FPAK, de que Lousada manteria as provas: “Veio aqui a Lousada pedir o apoio ao clube e comprometeu-se a não haver alternância, ficando a prova sempre em Lousada, mas, mal foi eleito, entregou a prova a Montalegre. Outras influências, outros pesos, outras vontades”, desabafa.
Pessoalmente, Bessa Machado considera que o CAL deveria ter tomado uma posição radical: não organizar mais provas federadas. E explica porquê: “Porque a prova que era mais determinante, o Rallycross, era de certo modo o sustento principal em termos financeiros, muito mais que o Rally de Portugal, mesmo em termos de espetáculo”, considera.
Lousada já chegava lá fora
“Sabe o que é estar na suécia, e a gente lá dizer que Lousada é a melhor coisa do mundo?” Esta pergunta traduz bem aquilo que Lousada era na altura: uma referência nacional e internacional. Bessa Machado afirma que esta projeção da Terra foi consequência, primeiro, da tentativa de ajudar a ACML e, depois, do amor desinteressado ao desporto automóvel. Apesar de tudo, reconhece que a associação de Jaime Moura ao desporto automóvel em Lousada foi politizada, mas “a verdade é uma: não havia mais ninguém para o substituir”. E garante: “Ele nunca esteve aqui enquanto político de uma cor, ele esteve sempre como político de nada. Mas a verdade é que nunca a autarquia tirou o partido devido daquilo que foram os automóveis”, lamenta. E acrescenta: “Eu acho que se a autarquia tem sabido trabalhar em parceria com o CAL desde bem cedo, o benefício para o concelho tinha sido bem maior”, garante.
A velha questão da pista
Apesar da aproximação tardia da Câmara ao CAL, “nunca foi um aproveitamento estruturante do nome de Lousada no mercado automóvel”. E lembra a velha questão da pista: “Pensar seriamente no futuro, na criação de uma pista, de um equipamento que fosse para os automóveis e que até servisse para outras coisas, mas já com dimensão para poder ser uma alternativa ao Montalegre”, refere.
A questão da pista não tem sido uma prioridade e Bessa Machado alerta para o seu fim a qualquer momento: “Os donos desta estrutura nem sempre têm sido bem tratados, vamos ser realistas, muitas vezes são ignorados”, alerta. Por essa razão, “de um dia para o outro, podem-se chatear e dizer que acabou”.
Recorde-se que, antes de Jaime Moura falecer, um dos sonhos era encontrar uma alternativa para este circuito: “Eu comprometi-me a ajudá-lo. Ainda fiz algumas sugestões, mas, entretanto, a doença antecipou-se. Agora não me cabe a mim cuidar do futuro, porque eu já pertenço ao passado”.
Bessa Machado, evocando o amigo, recorda as suas preocupações: “Dois dias antes do Jaime Moura morrer, falamos do passado e do presente e do que seria o futuro do CAL. Ele estava preocupado, e eu disse-lhe aquilo que no fundo revela o meu sentimento: independentemente do que aconteça ao CAL, tudo na vida nasce, cresce, vive e morre e, independentemente do que acontecesse ao clube, aquilo com que ele deveria estar preocupado no momento era sentir-se orgulhoso por aquilo que fizemos, que não metesse na cabeça, que não levasse com ele essa dúvida do que seria o futuro do CAL”.
Onze anos após o seu desaparecimento, as saudades apertam. Recorda um homem de ação, bastante “invulgar”: “Porque ele não perdia tempo a estudar como se havia de fazer, ele fazia. Há coisas que nós tomávamos a decisão de fazer e, enquanto conversávamos, ele já tinha o rascunho e mandava fazer. Não perdia muito tempo”.
Automobilismo: a marca de Lousada
Sobre a possibilidade já falada de Lustosa para a construção da pista, Bessa Machado entende que é preciso tomar decisões: “Ou se quer e tem de se encontrar onde e como, ou não se quer. Mas isso tudo depende em que é que se quer apostar. São opções políticas concelhias”.
A posta no automobilismo para si é legítima pois reconhece que, se esta não é a marca de Lousada, deveria ser: “Teve tudo para ser, não sei se ainda vamos a tempo de a manter, de a recuperar. Claramente que foi a marca de Lousada. Aliás, se Lousada hoje é conhecida a nível nacional e até internacionalmente, isso é devido ao que aqui aconteceu”, salienta. À pergunta se faltou promover esta marca, não tem dúvidas: “Claro que faltou. Claro que isto, em meu entender, tinha muito mais potencial que qualquer outra marca que se queira pôr. Mas, como referi, é legitimo que as pessoas defendam opções”. “Ou há uma aposta forte e séria para impor uma marca, ou então isto é a chamada morte lenta”, remata.
Pista da Costilha é um espaço de memórias
Para trás, ficaram muitos anos de dedicação ao desporto automóvel, muitas horas roubadas à família, mas também muito trabalho: “Foi preciso uma dedicação muito grande e não só minha, nem do Jaime, foi de muita gente. Devo lembrar aqui uma pessoa que foi extremamente importante para o clube, o Paulo Sérgio. Ele era um relações públicas fora de série, conseguia fazer bem o equilíbrio entre nós dois, ele era de certo modo o nosso homem”.
Desde já , agradeço a oportunidade de trabalhar com o Eng.Bessa Machado, e o Sr. Presidente Jaime Moura, como nós comissários de pista os tratava-mos. Pois quem nos formou foi o Eng. Bessa Machado a mim e toda uma equipa que foi considerada do melhor que havia em Portugal dado o sincronismo,pode se dizer a roçar a perfeição, pois todos sabiam o que fazer. O muito obrigado ao Eng. Bessa Machado e ao saudoso Presidente Jaime Moura.dos comissários.