por | 6 Set, 2019 | Educação, Opinião

Revisitanado a “coleção” – parte 2

No meu artigo de opinião, publicado no número 6 de O Louzadense, desenvolvi a hipótese de estarmos, a nível nacional e internacional, a ser governados por uma “coleção grotesca de bestas”, expressão aplicada pelo incisivo Eça de Queirós aos políticos do seu tempo. Depois de ter já dedicado um artigo a António Costa, vou agora tecer algumas considerações sobre o desempenho de Mário Centeno, tal como prometido.

Nesse mesmo artigo da 6ª edição escrevi que Mário Centeno havia de ter, um dia, um “lugar pago de forma milionária” numa instituição financeira internacional, onde continuasse a ser útil aos seus amigos políticos e banqueiros. Ora, passados poucos dias, não é que Mário Centeno aparece mesmo a disputar o lugar de Diretor do Fundo Monetário Internacional (FMI), instituição financeira de enorme importância para o jogo de interesses financeiros mundiais?! Ainda não foi desta, porque a concorrência era feroz. Mas ele chega lá.

Quem define e escolhe as pessoas para estes lugares é a alta finança mundial e, como é óbvio, essa gente só coloca em lugares de topo quem lhes dê garantias de defender os seus interesses. O que significa, no caso concreto de Mário Centeno, que ele é visto internacionalmente como alguém que tem defendido e é capaz de continuar a defender os interesses da alta finança mundial. Caso assim não fosse, não teria sido incluído no restrito lote de individualidades que esteve a discutir o lugar de Diretor do FMI.

É exatamente este o ponto que nos importa discutir: para quem é que Mário Centeno é realmente importante? E porquê?

É inegável que ele tem vindo a apresentar, como Ministro das Finanças, as melhores contas públicas que Portugal conheceu em democracia. Só que as políticas que adotou para chegar a esses números agradam especialmente aos grandes banqueiros e bancos nacionais e internacionais. E porquê? Porque essas políticas protegem o sistema financeiro nacional e internacional. Porque essas políticas estão a desviar milhões e milhões de euros, todos os anos, de investimento público e dos salários de quem trabalha para o Estado, para evitar o colapso de alguns bancos portugueses, que por sua vez, se caíssem, iriam custar muitos milhões de euros a alguns bancos internacionais, uma vez que há muitos bancos das grandes economias mundiais (americanos, chineses, alemães, etc…) a emprestar dinheiro a bancos portugueses.

Por isso, nesta questão dos méritos de Mário Centeno, como em muitas outras, o mais importante não é olhar para o resultado. O mais importante é analisar e perceber o processo.

Não há dúvida de que este Ministro das Finanças conseguiu as melhores contas públicas de que há memória em Portugal. Mas qual foi, afinal, o processo desenvolvido por Centeno que nos levou a estes resultados? A resposta é conhecida de todos: um corte gigantesco no investimento público e um corte gigantesco no salário de alguns funcionários públicos, especialmente nos professores.

O que significa que as políticas que Centeno seguiu para apresentar as “contas certas” não foram humanistas nem corajosas. Políticas humanistas e corajosas seriam, por exemplo, não cortar no investimento público nem nos salários de quem trabalha para o Estado, mas combater a fraude e a evasão fiscal com um programa que se revelasse eficaz e abrangente, ou obrigar o sistema financeiro (bancos, banqueiros, fundos de investimentos, etc, etc…) a pagar a crise que eles próprios criaram. Mas Mário Centeno não é humanista, nem corajoso. Muito pelo contrário.
E para que tudo isto não seja apenas a minha opinião, aqui ficam alguns factos que comprovam que havia outro caminho para o Ministro das Finanças acertar as nossas contas, mas que ele preferiu ignorar por não ser humanista nem corajoso:

  1. A anterior Procuradora Geral da República, Joana Marques Vidal, que este governo optou por substituir, disse em entrevista à Rádio Renascença, em 28 de junho deste ano, que, e passo a citar: “Há redes de corrupção e compadrio nos negócios efetuados pelo Estado”;
  2. O Jornal Económico e o Jornal Expresso noticiaram, a 12 de julho deste ano, que em Portugal, “nos últimos três anos, 30.000 milhões de euros voaram para offshores”, ou seja, evasão aos impostos diretamente para paraísos fiscais;
  3. Segundo UTAO, a Unidade Técnica de Apoio Orçamental, que funciona na Assembleia da República, o governo deu, este ano, um “perdão à banca de 630 milhões”, como noticiou o site “sapo.pt”, a 18 de julho deste ano;
  4. As ajudas do Estado português à banca já ultrapassaram, há muito, os 20.000 milhões e continuam a crescer, pois no mês passado o Novo Banco, já fez saber que vai precisar de mais 500 milhões, como todos ouvimos nos noticiários televisivos.
    Como já afirmei noutros momentos, sou a favor de um défice orçamental abaixo dos 0,5%, que nos permita aumentar as nossas taxas globais de crescimento e descer a nossa dívida pública. As “contas certas” de Centeno até seriam um marco assinalável e um feito digno dos mais altos elogios, se tivessem sido conseguidas com políticas humanistas e corajosas e não à custa de políticas economicistas e cobardes. Obrigar os professores a contribuir com 650 milhões de euros todos os anos, segundo os números do próprio Ministro, para que ele fique com o mérito das “contas certas”, é um bom exemplo disso mesmo. Por isso é que lhe chamei, em julho, o Bispo Centeno da “Igreja das Contas Certas e dos Últimos Dias”, porque o homem tem um perfil parecido com os fanáticos religiosos, uma vez que só concebe um caminho para a salvação: o seu. Mas havia e há outros caminhos. Só que o combate à corrupção, o combate à evasão fiscal, o combate aos buracos do sistema financeiro, etc… não são para este ministro. Ele prefere “ser forte com os fracos e fraco com os fortes”… É pena, Bispo Centeno… É pena…

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