Canto do Saber – Opinião de Eduardo Moreira da Silva
A propósito do choro da Ministra da Saúde há dias, o qual suscitou toda uma quantidade de apreciações, pudemos perceber o caráter ambivalente das emoções em política. Com efeito, a ambivalência das emoções propicia um uso que tanto pode levar à despolitização, como a uma renovação democrática. Num plano plenamente moral, dir-se-ia que a questão está, como Aristóteles a colocou, em achar a medida para a orientação da emoção pela razão. Esta ação de orientação, enquanto modo de alteração do ânimo de quem ouve a partir do discurso, sobretudo nos dias de hoje, dentro da esfera dos media,remete para a relação da Retórica com a Ética. Ética, entendida como pública, constituída a partir da articulação com as emoções.
A ausência de emoção, não prediz uma sujeição ao primado da razão, antes, como dispôs Hannah Arendt, consubstancia uma patologia, uma incapacidade ou uma perversão do sentimento, o sentimentalismo. A razão é utilizada para orientar a emoção, ou seja, controlar de forma a usar conforme a necessidade do momento. As emoções, através dos seus implícitos e das cognições que lhe são intrínsecas enriquecem a razão com a paixão. A razão não se impõe à força sobre a paixão, há uma ideia, marcadamente Espinosana, de que a potência do conatus assim o impõe. Esta perspetiva prática que releva o caráter realista do homem em detrimento da sua visão moral, que marca a Ética como potência dos afetos comuns e força da liberdade presente no homem, aponta à comunidade de sentimentos, a comunidade humana.
Esta comunidade humana, uma comunidade de afetos, que ganha operacionalidade a partir da consciência e da linguagem, toma, desta maneira, segundo Nietzsche, a forma de rebanho. Rebanho que é massa, proveniente da generalização, da vulgarização consumada a partir do mundo de superfícies e de signos, i.e, o objeto deixa de ser o que é tal como é, para ser traduzido, vulgarizado, generalizado.
Elias Canetti, observa, entretanto, que esta massa pode constituir-se como libertadora do receio do contacto. O receio do contacto, aquele receio de ser tocado pelo desconhecido, que nos faz movimentar como se estivéssemos inseridos em bolhas que nos protegem do toque do outro. Toque que apenas queremos quando se torna nosso desejo. Mas nesta formulação, a massa humana, como inversão concreta da fobia de contato, ocorre mediante o que Canetti chama de descarga emocional. A mesma formulação distingue 4 características da massa humana: a massa tende inevitavelmente a crescer; no interior da massa reina a igualdade; a massa ama a densidade; a massa necessita de uma dimensão.
Voltamos à imersão no caos emocional, cada vez mais vertiginoso nos nossos dias. Fácil é o contágio, descrito por Gustave Le Bon, como mecanismo gregário, o espalhar de crenças e/ou ideias políticas. Uma espécie de infeção, cuja inoculação assenta precisamente na igualação do indivíduo na massa, i.e., as infeções são endémicas, o efeito é inoculado a partir da agregação. Mas o fármaco baseado nas emoções possui, como sempre, aquela ambivalência apontada no princípio do texto, do fazer bem e de fazer mal, de contribuir para a revitalização da democracia como para a trágica despolitização da sociedade.
No mundo contemporâneo, a tendência é à transparência, há um almejar por nada esconder, tudo mostrar em que as descargas emocionais visam mais a informação de um estado de higienização de um espaço individual contido na massa, do que propriamente num culto, na medida em que culto implica ritual. O ritual fixa a comunidade que em si contém as emoções orientadas a partir da razão. Ao invés, muitas das explosões de emoção que vemos, amiúde, nos dias de hoje são efémeras, baseadas, em grande medida, em estereótipos que marcam o “eu sou assim “, “o meu autêntico é isto “, num constante desenrolar de autoafirmação, quase pornográfica, que tudo tenta mostrar, pervertendo a emoção e o sentimento reduzindo-o da sua dimensão íntima à dimensão da massa, não de comunidade, mas de uma sociedade. Isto acontece na política, naquele frenesim constante de tentativa de orientação da emoção daqueles que constituem a sociedade, consoante o propósito do momento, num objetivo de igualação permanente e consequente dominação.
Voltando às lágrimas da nossa Ministra, não quero fazer qualquer tipo de julgamento, como humano que sou, portanto sem qualquer problema patológico na área das emoções, só posso dizer que não fiquei indiferente. Tão pouco fico indiferente com a emoção acrescida que me traz o próximo Natal, com os constrangimentos necessários, com uma atipicidade que, com certeza, o ser humano será capaz de contornar e deixarão falar a paixão relativa à época, sentimento com que termino, desejando Boas Festas a todos!