Jorge Magalhães: Louzadense de corpo e alma

Jorge Magalhães desobriga apresentações, pela sua elevada dimensão política e social, ética e cívica, humana e construtiva na viragem de um concelho rural e paralisado para um dos mais atrativos e dinâmicos da região.

Símbolo da genuína inteireza lousadense, corporizando a sua alma e identidade, nasceu na Av. Senhor dos Aflitos, a 8/3/1955, quarto filho de Manuel José Malheiro Guedes de Sousa de Magalhães, o conhecido “Nené Magalhães, tesoureiro da Câmara Municipal, e de D. Maria Ângela Pereira Fernandes, responsável pelo Hotel Avenida, herdeiro do ancestral Hotel Aleixo.

Lousada, vila serena, com vizinhos e amigos irmanados em convivência pacífica, numa sociabilidade que esbatia condições sociais, conduziu-o a “refeições conjuntas em casa de famílias humildes”, aprendendo “lições para a vida” e respeito pelos outros, que sempre viria a cultivar.  

Com os mesmos companheiros cumpriu a instrução primária na escola da sede (atual Biblioteca Municipal), chocando-o ver alguns, de zonas mais afastadas, virem descalços, na alegre pobreza do Portugal salazarista. Ali, também passou a apreciar o leite em pó, fervido na hora do recreio, partilhando a simplicidade dos mais desfavorecidos.

Prosseguiu no Colégio Eça de Queirós no mesmo ambiente familiar, destacando a proximidade e interesse dos professores, que lhe permitiram cumprir sem dificuldades o 6.º e 7.º anos no Liceu de Penafiel, onde inaugurou o curso complementar liceal, atual ensino secundário. Das memórias guarda as dificuldades no transporte de regresso. Para encurtar a espera pelo autocarro, muitas vezes veio à boleia ou, mesmo, a pé, com outros colegas de percurso.

Assinatura do protocolo com águas Douro e Paiva 1998

Estávamos já em 1974, quando a Revolução suspendeu aulas e agitou consciências, promovendo conversas animadas, manifestações, sessões de esclarecimento e comícios, nos quais participou, em Penafiel, com amigos próximos, curiosamente promovidos pelo Partido Popular Democrático (atual PSD), tendo por principal orador o grande antifascista Emídio Guerreiro, combatente voluntário na Primeira e Segunda Grande Guerra e na Guerra Civil de Espanha, militante da LUAR, perseguido e exilado. 

Era o começo da maturidade política, ainda algo incipiente, apesar do conhecimento da carga policial, em 1973, na sessão do Movimento Democrático do Porto, realizada no salão dos Bombeiros de Lousada.

No ano seguinte, já na Faculdade de Direito de Coimbra, aprofundou a vivência política em tempo de agitação estudantil, reuniões gerais de alunos e ações de rua, nas quais também se incorporaram os conterrâneos Jorge Bessa, José Maria Vieira e Virgílio de Bessa Ferreira.

Cumpriu o então Serviço Cívico Estudantil na Escola Preparatória de Lousada, efetuando vigilância nos transportes escolares, num quadro de integração dos estudantes na sociedade para uma melhor compreensão das necessidades e carências da população, num tempo em que se tornou mais visível a intervenção democrática de vários lousadenses: Dr. Abílio Moreira, seu irmão Antero, Manuel Mota e Clemente Bessa, a par do radical idealismo de Toninho Barreira, filho de António José da Costa Barreira, chefe de secretaria da Câmara Municipal.

Regressado a Coimbra, cruzou-se com figuras importantes do futuro nacional: Jorge Neto, José Pedro Aguiar Branco, Castro Almeida e Luís Marques Mendes.

A opção por Direito radicou-se, desde logo, pela sua propensão para a área das Letras, e, depois, por influência da D. Maria Eugénia Carneiro Costa Andrade, que várias vezes lhe deu boleia, esposa do conhecido Dr. Adelino Carvalho de Andrade, advogado, notário e Presidente da Câmara de Lousada (1969-1973). À vocação também não será estranha a raiz familiar: o avô, Dr. António José Teixeira Rebelo de Sousa Magalhães, cofundador dos Bombeiros, também foi importante causídico, em Lousada, Évora e Setúbal, para além de Presidente do Município de Ferreira do Alentejo.

  Concluída a formatura e realizado o estágio, tendo por patrono o Dr. Costa Leite, de Paços de Ferreira, começou a trabalhar com o Dr. Francisco Ferreira, acabando por se estabelecer, em 1984, em Lousada, no edifício Dimi Marquesa, na Av. Eng.º Amaro da Costa.

Seguidamente, aceitou a proposta do Dr. José Maria Vieira, na altura representante do Ministério Público em Paredes, para sociedade com o Dr. Adelino Carvalho de Andrade, radicado em Santo Tirso, que pretendia dinamizar o seu escritório na vila de Lousada. No entanto, a promissora carreira jurídica acabaria interrompida dois anos depois, em 1989, quando o vento da História mudou a sua vida e a do concelho.

“Só queria cumprir um mandato”

A aproximação de Jorge Magalhães ao Partido Socialista deveu-se, sobretudo, ao sempre amigo José Maria Vieira, um dos fundadores e mais tarde presidente da secção concelhia do PS. 

Começou por integrar a Assembleia de Freguesia de Silvares, participando nas sessões, em casa do presidente da Junta, João António Fernandes – o popular Tonita Cabeleireiro – e elaborando as atas (1980-1982), transitando depois para a Assembleia Municipal (1983-1985).

Nas autárquicas de 1985 surgiu em 2.º lugar na lista à Câmara encabeçada pelo Eng.º José Carlos Gomes Duarte, porém discordando da campanha agressiva. Perante nova vitória de Amílcar Neto, foi eleito vereador, mas rejeitou o pelouro dos Jardins por se sentir mais habilitado para a pasta do Desporto, numa altura em que o trabalho na secção juvenil na Associação Desportiva de Lousada – juntamente com o inseparável amigo Dr. Mário Fonseca – já mobilizava muitas dezenas de jovens. Embora sem pelouros, declarou exercer sempre oposição construtiva, quer testemunhando abonatoriamente em processos delicados, quer criticando opções urbanísticas controversas.

Chegados a 1989, Amílcar Neto, presidente da Câmara desde 1976, desiste de concorrer ao 5.º mandato, mergulhando o PSD numa luta fratricida: António Castro, então vereador, foi proclamado candidato oficial, mas uma fação descontente agrupou-se em torno de Jaime Moura, que concorreu pelo CDS. Jorge Magalhães, indigitado cabeça de lista do PS, segurou o seu eleitorado tradicional, com o apoio do Dr. Mário Fonseca, primeiro da lista para Assembleia Municipal – e ambos garantiram a vitória.

Jorge Magalhães com Mário Soares

Porém, reconhece Jorge Magalhães, “esperava-nos uma tarefa hercúlea”. A maioria relativa (3 vereadores do PS, 2 do PSD e 2 do CDS) “obrigava a uma gestão muito responsável e cautelosa”. Distribuiu pelouros por todos os vereadores, reforçando as relações de grande proximidade pessoal e apelando a um envolvimento conjunto para um desígnio comum. “Houve disponibilidade para encontrar saídas, criar sinergias e garantir estabilidade”, num espírito partilhado também pela Assembleia Municipal e pela expectativa da comunidade, que queria romper com um passado de alguma inércia. 

Os conselhos do pai, a contratação de um assessor autárquico, Albino Leitão, com muita experiência na administração local, e a colaboração empenhada dos funcionários ajudaram a desbloquear muitas questões.

No entanto, dadas as contingências, muitos duvidavam de querer prolongar-se na carreira autárquica. Ele próprio, confessa, tinha a intenção de cumprir apenas um mandato e voltar para o escritório: “Tirei o curso para exercer advocacia e não para gerir a Câmara”. Porém, as mudanças na matriz de governação, o dinamismo nos vários setores, o aproveitamento dos fundos comunitários e o entusiasmo da população desenharam-lhe um futuro totalmente diferente.

Quatro anos volvidos, com eleições no horizonte, um estudo de opinião encomendado pela estrutura distrital do PS transmitia indicações muito otimistas. Decide recandidatar-se, tendo agora Jaime Moura como candidato do PSD, numa campanha eleitoral muito mobilizadora, com intermináveis caravanas e sucessivos encontros com a população. A vitória expressiva – PS: 5 vereadores, PSD: 2 – entroniza-o como líder incontestado. 

Desde então, procurou consolidar o desenvolvimento idealizado com o Dr. Mário Fonseca, a partir das vivências em tantas viagens ao estrangeiro desde os tempos de juventude: “Sempre tivemos uma perspetiva de desenvolvimento sustentado, pela qual os nossos concidadãos pudessem usufruir de condições de vida semelhantes às que encontramos em muitos países”.

Quanto mais as novas gerações estiverem preparadas, melhor será o concelho.”

Hoje, elenca as mais emblemáticas, nas áreas do ambiente – sobretudo redes de água e saneamento, sem concessão aos privados –, educação – “quanto mais as novas gerações estiverem preparadas, melhor será o concelho” –, cultura – com equipamentos e programação de qualidade –, desporto – com o Complexo Desportivo e infraestruturas basilares, que asseguram uma oferta desportiva eclética, numa população maioritariamente jovem. Também “os grandes investimentos na rede viária e na ferrovia, com a criação de eixos estruturantes favorecedores da mobilidade, resultaram da nossa persistente pressão política, criando nova centralidade e atraindo e fixando a população”.

Salienta, também, a importância da Associação de Municípios do Vale do Sousa – a que chegou a presidir, assim como à Comunidade Intermunicipal do Tâmega e Sousa –, ao conseguir um histórico programa operacional para a região, as políticas comuns na área do Ambiente e a criação da Rota do Românico, “numa partilha de proximidade e coesão, sem raízes partidárias”.  

Jorge Magalhães com Amílcar Neto

Após 23 anos na liderança da Câmara, saiu em 2013 de consciência tranquila. Garante não sentir qualquer nostalgia e reconhece a necessidade de rejuvenescimento geracional para uma sociedade cada vez mais exigente. E confessa: “Tenho a consciência de que estive demasiado tempo”. No entretanto, rejeitou convites para candidato a deputado, bem como à presidência de um município vizinho, por ser incapaz de “ter esse tipo de abordagens e porque a disputa partidária nunca me motivou”, apesar de eleito para alguns cargos no PS.

Por isso, exclui totalmente o regresso à política ativa, tanto mais que na vida já fez mais caminho do que lhe falta percorrer: “Sobra agora mais tempo para mim e para a minha família”. E, também, para a caça à perdiz, atividade na qual se iniciou um tanto tardiamente, já com 28 anos, apesar de acompanhar o pai desde muito novo: “Dia de caça é dia de férias, não obstante, atualmente, ser muito difícil, porque os efetivos são escassos”.

Após a presidência da Assembleia Municipal e a vice-presidência da Entidade de Turismo Porto e Norte, experiência, que considera gratificante, apesar das vicissitudes na fase final do mandato, é, desde 2019, diretor geral da Ambisousa, empresa intermunicipal de gestão e tratamento de resíduos sólidos, na qual destaca as tarifas mais baixas do país, o concurso para a selagem do aterro de Lustosa, reforço da recolha seletiva e obrigação comunitária para o tratamento de biorresíduos.

Também com experiência em várias coletividades, nomeadamente enquanto presidente da assembleia geral do Clube Automóvel e da Associação Desportiva de Lousada, Jorge Magalhães continua igual a si próprio, cultivando a humildade e desprendimento de sempre, orgulhoso de Lousada e ciente do dever cumprido, pressupostos que também conduziram à atribuição da Medalha de Ouro pela Câmara Municipal de Lousada e da comenda da Ordem de Mérito pelo Presidente da República, consagrando, assim, um percurso exemplar. 

Dr. Mário, amigo eterno

Jorge Magalhães e Mário Fonseca formaram uma dupla de permanente amizade e de profunda cumplicidade. Falar de um é, necessariamente, falar do outro, tal a harmonia de duas vidas paralelas e convergentes, tendo Lousada por ideal comum.

“Ele vivia e absorvia o concelho como ninguém, era um apaixonado por Lousada, pela sua gente, a sua história e o seu futuro”, considera Jorge Magalhães sobre o amigo, falecido em 2012, a quem “os lousadenses muito devem, não apenas os seus doentes, mas todos os que com ele tiveram o privilégio de privar”.

“Foi sempre uma pessoa opinativa, interveniente, de grande generosidade, total desprendimento e absoluta discrição” –, referindo que “não é fácil aparecer pessoas com este perfil”.

“Nas muitas viagens que fizemos juntos, falávamos permanentemente de Lousada e desejávamos para o concelho um rumo diferente, e felizmente conseguimos concretizar muitas das realizações” – concluiu.

Jorge Magalhães e Mário Fonseca tomada de posse da AM de Lousada em 1990

1 Comment

  1. Jorge

    Uma linda história….
    Temos agradecer muito o dr Jorge…
    Mas ha coisas em que participa por obrigação refiro me o clube da terra…
    Como ele disse uma vez:”ja fiz muito,agora nao estou para me chatear”….e o clube nao tem assembleias nem eleições.
    E que feche o aterro de resíduos selecionados…pois os resíduos Italianos em pleno pico de pandemia em Itália….ja para nao falar que o presidente da junta de Sousela que o Rio Valmesio esteja a ser prejudicado consequentemente as pessoas dessa freguesia…
    Nao podia deixar de salienta isto…pois a Cultura que nos foi permitida absorver tambem faz comentar as coisas menos boas….

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