por | 25 Jan, 2024 | José carlos Silva, Opinião

Obrigado, Glória!

A 1 de outubro de 1970, uma quinta-feira, iniciei o meu percurso escolar. Nesse dia de outono ameno fui acordado pela minha mãe mais cedo do que o costume, por volta das sete horas e trinta minutos.  O meu pai – mestre de obras – e os meus irmãos já estavam a caminho das casas que andavam a construir ou a reparar. As minhas irmãs já tinham tomado conta das tarefas diárias. Estas cumpridas dedicavam-se ao ponto de cruz ou outros bordados para terem algum dinheiro para os seus alfinetes. Os mais novos, o grupo onde me incluía, estavam prontos para marcharem para a escola, apenas esperavam que os vizinhos e amigos dessem sinal e ala que se fazia tarde. Fiz o caminho com o Quim da Melinha, meu primo, o Carlos da Miquinhas do senhor Machado, meu vizinho, e outros amigos e outras amigas que iam avolumando o grupo durante o trajeto. Dobrado o lugar de Além, um quilometro depois, ou pouco mais, deparámos com a decrépita escola que ocupava um rés-de-chão com janelas gastas e sem vidros, porta carunchosa e soalho esburacado, paredes negras, carteiras de madeira, também velhas e gastas, a secretária de madeira, o quadro de lousa preta e os paus de giz para escrever, o Cristo pregado na cruz de madeira, ladeado por Salazar e Américo Tomás. E mais de trinta alunos da 1ª, 2ª e 3ª classe, ministradas pelas regentes escolares, mais tarde professoras, dona Zazá e Letinha. Foram três anos mágicos. A 4ª classe fi-la na antiga escola do Apeadeiro. Tive como professora a D. Luísa Sobral. O exame fi-lo na escola da Vila de Lousada. Uma escola bonita, logo a seguir ao quartel dos Bombeiros. Obtido o diploma, e após insistente pressão junto do meu pai das professoras e da catequista, para que eu continuasse a estudar, a quem não deu ouvidos, acabou por ser convencido pelo saudoso padre Arnaldo Meireles. Frequentei o Ciclo Preparatório Marnoco e Sousa e depois o inesquecível Colégio Eça de Queirós.  Os exames do nono ano de escolaridade foram realizados na Escola Secundária de Penafiel. Fui um dos cinco aprovados de uma fileira de vinte e dois alunos. Fiz a matrícula no 10º ano de escolaridade, em Penafiel. E congratulei-me. Mais uma tarefa cumprida com êxito. Alegria breve. O meu pai tinha desenhado um futuro diferente para mim. Contrariamente ao habitual não fui trabalhar para as obras, como sempre acontecia nas férias grandes. O meu pai já tinha falado com o senhor Clemente Bessa – dono da única agência bancária de Lousada, à época não havia «bancos» em Lousada -, de forma a eu fazer uma espécie de estágio, com vista a ganhar alguma experiência nessa área. Excelente, pensei.

Agosto é o mês em que se festeja Santo Tirso, o padroeiro da freguesia de Meinedo. Em minha casa prevalecia a tradição: o domingo da festa do padroeiro a família confraternizava, reunia-se para degustar o saboroso cabrito, as divinas batatas e o festejado arroz com rodelas de salpicão, iguarias que assavam no velho forno a lenha. Alinhavam-se as mesas de madeira e bancos á sombra das uveiras e como a família sempre foi numerosa, reinava a alegria e os sorrisos fartos e doces.

Festejara quinze anos em março e transportava o sorriso e a certeza num futuro diferente do resto dos meus irmãos e irmãs. A minha vida, apesar de agreste e dura, ainda me vestia de uma certa ingenuidade e inocência.

Findo o jantar, após o regresso dos meus irmãos mais velhos, a suas casas, o meu pai revelou-me o futuro: em setembro passaria a trabalhar num banco, no Porto. O senhor Teixeira da Agilde, cumprira a promessa. Recordo-me de ter olhado o meu pai e de ter dito: «Quero continuar a estudar.» O meu pai olhou-me, algo surpreso e refugiou-se no seu costumado silêncio, talvez surpreso. Na mesma noite, antes de me recolher, senti uma voz meiga que me disse: «Vais continuar a estudar, eu ajudo-te.». Quem o afirmava era a minha Glória. Olhei-a com os olhos orvalhados de emoção e de agradecimento. A seu lado a minha mãe confirmava a notícia salvífica, num olhar doce, o de sempre, apesar das agruras da vida.

Esta divida de Gratidão – apesar de lhe ter devolvido cada centavo que ela investiu na minha formação: a minha mãe registou num caderno o gasto de cada dia, ao longo de vários anos, terminei o curso de professor em 1985 – tê-la-ei até ao meu último sopro. Obrigado, Glória. Obrigado, mãe. Sem as duas nunca seria o que sou. Um beijo imenso daqui até ao céu.

Sábado, 13 de janeiro de 2024

José Carlos Silva

Professor / Historiador

Comentários

Submeter Comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

Artigos recentes

*

A atribuição de apoios, subsídios e benefícios é uma das áreas mais sensíveis da vida autárquica....

Apenas três dias sobram para o início da campanha eleitoral - 30 de setembro a 10 de outubro:...

O racismo e a xenofobia são formas de discriminação profundamente enraizadas na história e na...

“Lousada Jovem” apresenta mandatários e Manifesto Eleitoral Jovem

No passado dia 27 de setembro, no Hotel Quinta Royal, realizou-se o evento “Lousada Jovem”,...

Festa Rosa «juntou mais de 3000 mulheres»

No passado domingo, 28 de setembro, o Parque do Areinho, em Meinedo, encheu-se de música, alegria...

Juventude: futuro adiado por falta de habitação

por Alberto Ribeiro TorresCandidato da CDU à Câmara Municipal de Lousada Lousada é um dos...

Agostinha Monteiro arrasta multidão em Lustosa

A Escola Secundária de Lustosa foi ontem palco de um grande comício da candidatura de Agostinha...

Centro Industrial e Tecnológico: uma aposta para mais empregos qualificados

Gabinete Lousada Invest+ terá recursos humanos da autarquia e dirigentes de empresas nacionais A...

Perto de 2 mil pessoas na Festa Comício da coligação Lousada no Coração

Apresentados os candidatos à Câmara Municipal, Assembleia Municipal e Assembleias de Freguesia...

Nuno Ferreira quer continuar a fazer crescer Meinedo

No dia 21 de setembro, o Partido Socialista apresentou, no Centro Escolar de Meinedo, as...

Siga-nos nas redes sociais