Apesar de ser um dos analgésicos mais eficazes e constar na lista de medicamentos essenciais da Organização Mundial da Saúde, a morfina continua a carregar estigmas que limitam o seu uso adequado. O resultado é muitas vezes o mesmo: sintomas mal controlados e sofrimento evitável.
Grande parte deste estigma assenta em preconceitos enraizados. Esta medicação da classe dos opióides é frequentemente associada ao fim-de-vida, levando muitos doentes e famílias a interpretarem a sua prescrição e administração como um “último recurso”. Outros receios prendem-se com efeitos secundários, como sonolência ou obstipação, e, principalmente, com o medo de dependência. Acresce ainda a influência das narrativas vindas de outros países, marcados por crises relacionadas com o abuso de opióides, que reforçam a ideia de perigo em torno deste fármaco.
Na prática clínica, estes receios não se limitam aos cuidados paliativos. A morfina é útil em múltiplos contextos: dor pós-operatória, crises de dispneia (falta de ar), dor oncológica e até em situações de dor crónica incapacitante. Quando usada de forma adequada e sob vigilância, não acelera a morte nem gera dependência, mas devolve dignidade, autonomia e qualidade de vida.
A persistência destes mitos leva a hesitação entre doentes, famílias e até profissionais de saúde. Combater este estigma exige informação clara e uma abordagem multidisciplinar que valorize o alívio do sofrimento em todas as suas dimensões. Mais do que um símbolo de fim-de-vida, a morfina deve ser reconhecida como uma ferramenta terapêutica transversal e indispensável.
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