Com as últimas eleições assistimos ao recrudescer da fragmentação da representação partidária no parlamento, fenómeno que já existe na Europa há bastantes anos.
O senso comum, faz com que pensemos que um maior número de partidos terá forçosamente que trazer uma maior representatividade da população e/ou dos seus anseios. No entanto, estudos recentes e que continuam em evolução apontam, que até à chegada do século XXI, tal parecia corresponder à verdade, mas com o passar dos anos neste século, a dúvida começa cada vez a adensar-se mais sobre esta verdade que nunca perdeu o seu carácter empírico( e dificilmente o perderá, apesar dos esforços de alguns cientistas políticos, que vão trabalhando sobre os dados estatísticos existentes, que como sabemos estão sempre muito desfasados no tempo).
Esta dúvida leva a que se reflita um pouco na fragmentação partidária, que tem agora representação parlamentar.
É óbvio, que só podemos especular, porque é muito difícil apresentar relações de causa e efeito. Também este espaço é demasiado curto para a necessária explanação que ainda por cima aponta ao debate público, pelo que ficarão apenas alguns tópicos.
Ainda antes de chegar ao tempo de hoje, uma das mais comuns razões apontadas para o início da fragmentação que foi acontecendo um pouco em toda a OCDE( falo deste espaço trasnacional, porque é um daqueles onde existem mais dados) , é a do decrescimento de representação por parte dos sindicatos. Cada vez menos pessoas são representadas por sindicatos, que ao longo dos tempos por razões várias foram tendo a sua imagem degradada. A grande representação sindical permitia um centralismo político, promovendo de uma forma clara os sistema bipartidários, fossem eles verdadeiros , do tipo Estados Unidos ou Inglaterra, fossem eles fruto de uma generalização como foi ( e de alguma maneira ainda é ) em Portugal.
Este desagrupar de massas, levou a que as pessoas se concentrassem mais nos seus anseios imediatos, muito em voga nos dias de hoje, com a liquidificação da sociedade , com grande aptência para o agrupamento do tipo tribal, com interesses muito específicos relativos a algumas camadas da população.
Deste modo, os grandes partidos tradicionais acabaram ( e acabam ) por não conseguir exercer o poder sem coligações à direita ou à esquerda .
O centro deixou de ser garante de poder e os partidos habituados a ele , “deslizam” a um lado e a outro de forma a mantê-lo. No entanto este “deslizar” tem o efeito de um cobertor curto, deixando sempre alguém de fora que acaba por se agrupar.
Mas se pretendermos ir mais fundo, percebemos claramente que estamos a assistir à mudança do paradigma social, que está a ocorrer a uma grande velocidade ( como tudo agora acontece).
Longe vão os tempos em que 3, 4 ou 5 pessoas se juntavam para propor uma ideologia ( teoria social ) e colocá-la a experiência.
A direita tradicional , que nunca teve do seu lado uma ideologia fortemente marcada ( se é que hoje se pode falar em ideologia em termos políticos), deixou de ter algo para oferecer à população, para além de um discurso tradicionalista bafiento que não galvaniza a população na era da felicidade a toda à força.
A esquerda orfã dos ismos, que se foram esbatendo ou claudicando ( muitas vezes com estrondo ) , refugia-se na defesa acirrada dos interesses de algumas minorias, tentando criar causas artificiais. Sendo que estas minorias se consubstanciam em pequenos grupos, a fragmentação acaba por dar-se essencialmente à esquerda motivando que o centro caia na tentação de “deslizar” para este lado, deixando descoberta a direita. Por outro lado, quando desliza para a direita, de imediato aumenta a possibilidade de fragmentação da esquerda .
Esta fragmentação da esquerda eivada de uma moralidade não legitimada pela maioria e de um politicamente correcto que enfastia, produz um desconforto em franjas da população, que por razões várias, não se abre ao outro para o entender, que fica no seu medo, nos seus fundamentos , abrindo portas ao fundamentalismo e aos fenómenos de populismo que vão grassando um pouco por todo o mundo.
O populismo torna-se, pelo que disse acima, por um lado como consequência da falta de resposta da política tradicional e da fragmentação partidária e por outro lado, num movimento muito perigoso, porque destituído de qualquer ideologia ou valor social, alimenta-se do medo e dos fundamentos básicos das pessoas, constituindo-se assim como radicais que historicamente tanto dano têm causado à humanidade.
Acabo como comecei. A dúvida sobre a representatividade da fragmentação adensa-se e urge promover o debate público em torno das questões políticas e cívicas. Refletir sobre novas formas de exercício do poder, de obtenção de compromisso social, para uma vida em comum mais aprazível para todos é imperativo e devemos tomar , nós cidadãos, nas nossas mãos o trabalho de colocar em curso o conjunto de ações que combata o medo , o sectarismo e a ignorância, promovendo a inclusão de todos.
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