Projeto da Escola Secundária de Lousada entusiasma alunos
“Tudo Incluído ou Meia Inclusão?” Assim se chama o projeto que está a ser desenvolvido na Escola Secundária de Lousada, que visa a integração plena de todos os alunos.
Tudo começou com uma insónia de Lurdes Madureira, de Marco de Canaveses, Coordenadora do Centro de Apoio de Aprendizagem do Agrupamento de Escolas de Lousada, depois de conhecer a Bruna, uma jovem de 16 anos, com 94% de incapacidade, que pôs os professores a pensar na estratégia para a integração da aluna na comunidade escolar. “A Bruna chegou cá a esta escola, no presente ano letivo, para frequentar o 10.º ano. Ao tomarmos conhecimento da receção de uma aluna com este grau de incapacidade, ficamos um pouco ansiosas e tomamos as diligências necessárias para o adequando acolhimento da mesma, juntamente com a Direção (WC adaptado, bem como o devido transporte, mudança de sala devido à necessidade de espaço para mobilidade da aluna em cadeira de rodas…). Tivemos o cuidado de integrar a aluna numa turma que tivesse uma maior componente prática, a fim de a incluir o máximo de tempo possível, em contexto real de sala de aula, visando o contacto direto com os seus colegas de turma, incentivando assim a componente social, profícua para todos”, contam as professoras responsáveis pela Educação Inclusiva nesta escola. Assim, a componente curricular em contexto de sala de aula teve de ser ajustada ao perfil da aluna, o que implicou um trabalho cooperação entre as docentes de Educação Especial e todos os professores das disciplinas que estes alunos frequentam.
Há já alguns anos a trabalhar com alunos outrora referenciados como detentores de “necessidades educativas especiais”, a professora Lurdes, em jeito de desabafo, acaba por confessar que sente que a inclusão é atualmente muito abordada na escola e na sociedade em geral. “Ninguém se atreve a dizer que não é inclusivo, mas é uma realidade que está ainda muito aquém do que seria desejável”, afirma. Assim, inspirada nesta jovem e nos pais da mesma, decidiu que poderia ir mais além…

Na tal noite de insónias, ocorreu-lhe, então, a analogia com o “tudo incluído ou meia pensão” das unidades hoteleiras. “Nós estamos numa sociedade onde está tudo incluído ou estamos em meia inclusão? Estamos em meia ou, se calhar, nenhuma.” Foi esta a conclusão a que chegou e a levou, em conjunto com a professora Paula Oliveira, sua colega de labuta diária, a trabalhar afincadamente, a fim de conseguir fazer algo diferente com a Bruna e os seus colegas que frequentam o Centro de Apoio à Aprendizagem desta escola.
Da indiferença à ação cívica
Inicialmente, a Bruna não era notada ou era encarada com estranheza. “Passávamos no corredor e éramos invisíveis, não olhavam ou olhavam para ela como quem diz: “O que está esta aluna aqui a fazer?” Foi numa aula de EMRC que a docente sentiu necessidade de pôr um ponto final na situação, pois os colegas da turma olhavam para Bruna com desconfiança, evidenciando uma expressão corporal de passividade (de braços cruzados, o tempo todo da aula) “numa nítida postura de quem não quer ter nada a ver com esta realidade”, conta. “Fui à frente da turma, posicionei a cadeira de rodas de modo a que a Bruna ficasse frente a frente com os colegas e apresentei-a, em modo terapia de choque. Expliquei a sua deficiência, o que era a paralisia cerebral. À medida que ia falando, fui sentindo que um a um foram descruzando os braços e eu acrescentei que estavam enclausurados em preconceito e que, na verdade, qualquer um de nós pode ter um acidente e correr o risco de ficar assim, ou bem pior”, acrescenta. Foi aqui que a docente sentiu que conseguiu tocar na ferida e que estava lançada a semente para estes alunos passarem a olhar a Bruna com outra postura.
Este foi o início de uma bola de neve que se agigantou. Os professores da turma adotaram a mesma atitude de Lurdes, que lançou o slogan “Tudo incluído ou meia inclusão? Deu-se início ao projeto, que saltou para as redes sociais. O envolvimento dos alunos e de toda a comunidade educativa tem sido notável. “Os alunos desta turma mereciam um prémio no que ao ser inclusivo diz respeito, já que, todas as semanas, lá estavam eles, à mesma hora, prontos para lutar pela causa e a levar o projeto para fora dos portões da escola. É de referir que, durante cerca de um mês, houve uma avaria no elevador e, dado que a aula onde desenvolvemos o projeto fica no piso 1, os alunos vinham, por sua própria iniciativa, ter connosco ao piso de baixo, a fim de dar continuidade ao projeto”, relata, com emoção.
O envolvimento de figuras públicas foi uma forma de dar dimensão ao projeto, que acabou por resultar: “Pensei que seria a parte mais difícil, mas estava longe de saber que, na verdade, seria a parte mais fácil” disse, entre risos. Tivemos a colaboração do Diogo Piçarra, do Virgul, do César Mourão, do pentacampeão nacional de rally Armindo Araújo e do seu copiloto, Luís Ramalho, do jogador do FC Porto Alex Teles, do jogador do Sporting Bruno Fernandes e do Rafa Soares, jogador do Vitória Sport Clube”. O impacto desta campanha deveu-se muito a estas personalidades, a quem a professora está profundamente grata.
O logótipo do projeto e toda a parte gráfica de todos os cartazes ficaram a cargo do professor de Desenho desta turma, Luís Melo, cujo trabalho foi determinante em todo o processo e que acabou, na verdade, por cativar mais alunos para o movimento TUDO IN (cluído). “Este professor é absolutamente fantástico, pois consegue pegar nos desenhos destes alunos pôr os pares a trabalhar sobre os mesmos, saindo dali verdadeiras obras de arte! Ele tem feito trabalhos que eu própria julgava impensáveis”, referem as professoras Lurdes Madureira e Paula Oliveira.
Depois de dias a fio a trabalharem no projeto, a fim de aperfeiçoarem ideias, este foi ganhando corpo, ao ponto de, durante o período de divulgação do mesmo, terem recebido inúmeras mensagens de apoio, quer de particulares, quer de empresas a oferecerem a sua pronta ajuda para colaborarem no projeto, “o que muito nos orgulha e, de certa forma, emocionou, pois é sinal de que ainda há esperança num amanhã melhor”, afirma Lurdes Madureira.
A Bruna está mais feliz
O número de alunos envolvidos no projeto foi crescendo. “Tínhamos 3 a 5 alunos na disciplina de EMRC e, quando dei conta, estavam lá muitos mais a ajudar, pois gostavam do projeto”, refere. O ânimo dos alunos levou a professora Lurdes a pensar em algo mais abrangente. Dado o empenho destes alunos em lutarem por uma escola melhor e verdadeiramente inclusiva, solicitou o apoio do Diretor, o qual abraçou a causa, desde o início. “Em conjunto, definimos que este projeto seria prioridade de ação no âmbito desta estrutura organizacional (Centro de Apoio de Aprendizagem), resolvemos passar para o papel o que fervilhava nas nossas cabeças e transformar a ideia num domínio de autonomia curricular, sendo assim transversal a várias disciplinas. O impacto tem sido de tal forma positivo, que estamos a pensar em levar o mesmo mais além, alargando a ideia a todas as outras escolas deste Agrupamento”, afirma esta professora.

Apesar do sucesso da campanha, que durou cerca de duas semanas e teve um impacto muito positivo, a docente refreia o otimismo: “A inclusão ainda é um assunto em que só estamos a agitar a água pela superfície”. Apesar de ser o início, o certo é que a Bruna passou de um ser invisível à rainha da escola: “Agora não há ninguém que passe por ela e não a cumprimente. É uma estrela. Antigamente, éramos completamente invisíveis quando passeávamos nos corredores da escola, ou pior ainda, viravam-nos a cara”.
Os pais da Bruna, no início, estavam algo receosos, devido ao impacto que esta ação poderia ter, “algo totalmente compreensível porque sofrem na pele a realidade de uma sociedade que está longe de ser realmente inclusiva”, justifica a docente. Mas confiaram no trabalho e esforço dos professores e estão muito felizes com a evolução. “Nós ainda mais… Porque se o projeto terminasse hoje, sentiríamos que o principal objetivo do mesmo foi conseguido”, salienta a professora.

Lurdes esclarece que o projeto assume uma missão que vai muito além da deficiência “visível a olho nu”. “Na verdade, retrata outras realidades: o espetro de autismo, a síndrome de Asperger, a ansiedade, a depressão, a bipolaridade, o bullying, o facto de, em pleno ano de 2019, termos jovens a sofrer ainda na pele o racismo… Estas realidades existem em todas escolas e fora delas e não podemos esquecer que muitos destes jovens estão em sofrimento silencioso”, sustenta, defendendo que é necessário que a sociedade esteja mais informada acerca destes temas, sobretudo os professores que trabalham diariamente com estes alunos e que podem, na verdade, fazer toda a diferença, se conhecerem exatamente qual a problemática do aluno.
E depois da escola?
A integração das diferenças na escola tem sido uma luta difícil e o seu sucesso não significa o fim dos problemas para os jovens com limitações. No final da escolaridade obrigatória, deparam-se com a falta de opções e, muitas vezes, resta-lhes ficar em casa sem poderem pôr em prática as competências que desenvolveram. As suas famílias ficam “totalmente desamparadas. É como se estivessem a escalar uma íngreme montanha, desde o momento em que pegam os seus filhos nos braços pela primeira vez”, sustenta a professora. Alguns alunos conseguem Planos Individuais de Transição para a vida Ativa, espécie de estágios em empresas. “Este é um dos temas que mais me tira o sono, porque é notório que ainda não há uma resposta efetiva do mundo do trabalho, nem mesmo das instituições. Os alunos estão 12 anos incluídos na escola e, terminado este ciclo, é como se mergulhassem no abismo”, sustenta, acrescentando que “estes jovens têm talentos, potencialidades e podem e devem estar integrados no mercado de trabalho, até porque existe o Decreto-Lei n.º4/2019 de 10 de janeiro, que estabelece quotas de emprego para pessoas pra pessoas com deficiência com um grau de incapacidade igual ou superior a 60% e ninguém fala disto”, desabafa.
Integração na vida ativa
Terminada a primeira fase deste projeto, que a professora designa de “agitar as águas”, no decorrer do segundo período, iniciar-se-á a segunda fase, que terá como tema principal a integração destes jovens na vida ativa, que é um dos compromissos e objetivo prioritário que a professora Lurdes assumiu, enquanto coordenadora do CAA deste Agrupamento. “O foco do projeto, desta vez, será a sociedade em geral. Logo, sairemos além do portão da escola, procurando envolver as empresas que já são exemplo na inclusão de pessoas com deficiência, bem como de casos reais de pessoas com algum grau de incapacidade e que conseguem, ainda assim, ter uma vida como todos nós, que deveria ser um direito de todos”, defende. Está prevista uma terceira fase, “ainda no segredo dos deuses”, refere, entre risos.
O Otávio é um exemplo das dificuldades de integração no mercado de trabalho. Saiu da escola há dois anos com vontade de trabalhar, o que gerou ansiedade nos professores, pelas dificuldades que se adivinhavam. “Felizmente ficou com um estágio na autarquia”, diz a docente. Mas a saudade da escola falou mais alto e pudemos vê-lo, acompanhado pela mãe, na escola, com o objetivo de visitar a professora.
Mas o futuro do Otávio continua incerto. “Este menino tem a sorte de ter uma família excecional, que, dentro dos seus recursos, nunca lhe faltou com nada e onde há muito amor”, salienta a professora Lurdes, acrescentando que os pais destes meninos passam a vida a escalar a montanha. A família tem um papel determinante em todo o processo de inclusão e, por isso, na segunda temporada do movimento TUDO IN(cluído), “pretendemos mostrar os pais e mães coragem e como é, na vida real, lidar com estas limitações”, revela.
Lurdes Madureira adora o que faz, admitindo que ela própria tem aprendido diariamente com estes pais, num projeto que foi muito além das meras “burocracias”, ganhou alma e correu o mundo através das redes sociais, mais especificamente através do Instagram, página oficial do projeto: “Eu ganhei uma nova profissão, pois agora, além de professora, acumulo a função de gerir e produzir conteúdos para a página”.
Filipe Silva, diretor do Agrupamento de Escolas de Lousada, considera que o projeto dá continuidade ao trabalho que vem sendo desenvolvido no âmbito da aplicação do Decreto-Lei n.º 54/2018, que assenta na convicção de que “todos os alunos fazem parte ativa daquilo que é a vida de uma escola”. Banir a palavra “exclusão” é, por isso, o grande objetivo do projeto em curso.
Visite o Instagram do projeto e surpreenda-se com os trabalhos realizados e testemunhos de alunos, auxiliares e professores.
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