Carlos Fernandes, mais conhecido por Carlos Massas, foi presidente da junta do Torno durante quatro mandatos. É um homem que conhece a freguesia como ninguém e é conhecido por todos. Na profissão que exerce, de agente funerário, tem de ser forte para lidar com as emoções das pessoas em momentos especialmente dolorosos, mas continua sensível aos problemas dos seus concidadãos. Apreciador das festas e tradições da freguesia, tem, ao longo dos anos, ajudado à sua concretização.
Começamos pelo nome. Porquê “Massas”?
O meu nome é Carlos Fernandes, mas sou conhecido por Carlos Massas, porque comecei a trabalhar bastante jovem com o meu tio, que era conhecido por António Massas. Daí eu ter ficado com o apelido dele, que é o Massas. “Massa” vem de uma quinta que o meu avô fez. Os filhos do meu avô eram conhecidos por esse apelido. As pessoas começaram a chamar-me Carlos Massas e eu tenho muito gosto nisso.
Recentemente, O Louzadense apresentou um texto sobre o António Massas. Era uma figura marcante da freguesia?
Era mesmo um bom homem, não digo isso por ser meu tio. Melhor que ele não existe. Ele era o homem que dava tudo. Se não tivesse, ia pedir para dar ou emprestar. Nunca dizia que não a ninguém. Era capaz de dar a última migalha que tinha. Era um homem do povo, ia fazendo funerais, mas era incapaz de ir receber um funeral se soubesse que as pessoas não tinham dinheiro. Era um homem do futebol, que contribuiu muito para o Aparecida FC. Foi vereador da câmara, um homem que esteve sempre ao lado do povo. A profissão dele era carteiro.
Foram quatro mandatos como presidente da junta, 16 anos. Como os descreve?
Os primeiros foram mais difíceis devido à falta de experiência. Vai-se aprendendo e lutando e vão-se conseguindo as coisas. Nós éramos uma freguesia que não tinha casas de banho públicas, sede da junta de freguesia, nem casa mortuária. Tínhamos parte dos caminhos em terra e, quando saí da junta, tinha tudo isso concluído, inclusive escolas e pavilhão gimnodesportivo. Foram obras que foram conseguidas nos meus mandatos.
Havia a sensação de que, se pudesse continuar, o senhor era intocável?
Eu sentia que as pessoas tinham um carinho muito forte por mim, tanto que, quando chegou a hora de sair da junta, pois tinha o limite dos mandatos concluído, muitas pessoas me diziam “tens de ir outra vez, Carlos”. Eu também sou sincero, só parei por causa do limite dos mandatos, se não teria continuado. Certamente lá não voltarei, já não tenho essa ambição.
A sua participação nas festas tem já uma história de duas décadas.
Faço as festas da Aparecida há 23 anos, ano sim ano não, pois é cada ano um armador. Posso-lhe dizer que, há 23 anos, nunca fui aumentado um tostão e certamente não será tão cedo pela minha parte, porque as comissões de festas têm muitas dificuldades e a nossa festa tem de andar para a frente, tem de continuar. O mais importante para mim é o dia 14 de agosto, a procissão. Um dia em que seja necessário que a faça gratuitamente, eu faço-a. Em Lousada também a faço há 23 anos e também nunca trouxe um tostão de Lousada, porque sempre achei que o Senhor dos Aflitos é muito importante e as pessoas de Lousada também. Não quero ganhar dinheiro com elas, quero sim ajudar.

Sei que há pessoas que vão procurá-lo para fazer as contas dos funerais, em vez de ser ao contrário…
Há casos em que eu nunca fui lá receber e nunca teria coragem de lá ir, porque no momento em que vou tomar conta do funeral consigo ver as condições das pessoas. Se as pessoas depois, quando receberem da Segurança Social, me pagarem, melhor para mim, mas há aqueles que não têm praticamente nada e, quando chega o dinheiro da Segurança Social, eles têm contas a pagar, pois têm de comer. Nesses casos, eu não vou, prefiro perder o dinheiro do que ir a casa dessas pessoas e vê-las a desesperar quando lá chego.
Como lida com situações de funerais com jovens? Como controla as emoções?
Às vezes, custa-me muito. Os agentes funerários também têm coração. Há casos em que não queremos, mas choramos, com crianças com três, quatro anos, ao ver o pai a chorar… Mesmo que nós não queiramos, não temos hipóteses, sofremos também como eles. Tenho um amigo com a minha idade, colega de escola, que faleceu e custou-me muito. Temos é de estar preparados para fazer o trabalho. Tem de ser e, com mais sacrifício, faz-se.
Este ano, como vê a ausência das festas? O que sente?
Eu vejo a situação com muita tristeza. Não ver o andor de pé, onde debaixo vão as pessoas a suar na casaca, é muito triste, mas, se estamos a viver uma pandemia, temos de nos resguardar, temos de aceitar. Acredito que para o ano vamos voltar a ter uma procissão conforme tem sido nos anos anteriores.
Qual é o sentimento das pessoas?
Eu penso que as pessoas pensam o mesmo que eu. Estão muito tristes, desconsoladas, por não haver a festa, não saírem os andores, não haver a corrida de mota, mas compreendem como eu compreendo. Temos de ter cuidado.
Como encara a saída do Padre José Augusto da Paróquia de S. Fins do Torno?
Por acaso tive a oportunidade de falar com ele pessoalmente. Fiquei chocado. Nunca pensei que o padre José Augusto fosse embora. Ele não era só um padre, ele era o padre, um irmão, um pai e um amigo. É um homem que estava disponível para tudo. Eu ligava-lhe e ele estava sempre disponível, por exemplo no caso de um funeral. Era um homem que eu não conheço em parte alguma. Fiquei triste. Tenho de compreender que, se ele fez uma promessa ao Bispo e se o Bispo o convidou para ir para outras freguesias, temos de respeitar, não devemos fazer grandes ondas, porque o próximo padre que vem não tem culpa de nada do que aconteceu e deve ser recebido como o homem que nos vai guiar na fé em Deus.
Deixe uma mensagem final.
Estamos todos com medo, tolhidos, mas temos de ter esperança, seguir em frente, lutar pela vida e ser amigos do próximo. É isso que eu gostava que acontecesse.
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