Ana Maria Pereira: Paixão fá-la continuar no coro feminino do Conservatório do Vale do Sousa

Ana Maria Pereira é bióloga de formação e mestre em Ecologia, Ambiente e Território. Mas há muito que a sua vida está ligada à música e ao Conservatório do Vale do Sousa. Atualmente integra o coro feminino desta instituição.

Antes de ser bióloga, já o mundo da música fazia parte da sua vida. Como começou essa paixão?

De facto, a música mexeu comigo e com a minha família. Os meus pais eram músicos, não necessariamente de uma forma profissional. Principalmente o meu pai sempre me incutiu este gosto pela música. Mal descobri que existia uma escola de música no município onde eu residia e não descansei enquanto os meus pais não me inscreveram no conservatório. Foi aí que entrei, em 1999. Comecei a descobrir o mundo fantástico da música. O meu instrumento de coração é a flauta transversal. Foi com ele que eu iniciei os meus estudos. Portanto, a música foi sempre uma necessidade na minha vida, não só enquanto gosto pessoal. Se há coisa que a música nos ensina e nos dá é o rigor, a concentração. Eu era muito espevitada, queria fazer sempre muita coisa e a música ajudou-me a ter mais rotinas, mais concentração. De facto, foi um pilar fundamental, que me ajudou logo desde criança a ter uma postura diferente na vida. Enfrentar um palco logo com dez anos é uma responsabilidade muito grande e, se há coisa que a música nos dá, é essa responsabilidade. Se na escola, num teste, se nos enganarmos, podemos corrigir, mas num palco não podemos voltar atrás, e a música ensina-nos muito isso. É uma ligação forte, quase de dependência pela música, não só como executante.

Chegou ao secundário e teve algumas dores de cabeça para decidir o seu caminho?

Eu não queria deixar a música, mas também sabia que o secundário iria exigir mais dedicação e mais tempo. As disciplinas eram mais, havia a responsabilidade dos exames nacionais para entrar na faculdade… Então, fiz uma ponderação e no ano de secundário o que decidi foi apenas continuar com o instrumento, na altura flauta transversal e piano. Fiz uma pausa nas disciplinas teóricas, mas de facto não queria quebrar a ligação, porque a música me fazia falta. Vinha para casa, tocava flauta e sentava-me ao piano a estudar. Isso ajudava-me a descontrair da escola, mas ao mesmo tempo a recarregar baterias. Também é importante referir a relação com os professores do conservatório, diretores e até as pessoas da secretaria, que são verdadeiros amigos, uma família. Não queria de todo quebrar a ligação afetiva com os meus professores, e isso fez com que seguisse a ciência de forma profissional, mas nunca deixei o conservatório.

Foi das primeiras alunas a fazer a passagem para o novo edifício?

Do que me lembro era de facto das turmas muito pequenas, com poucos alunos. É incrível como as coisas foram aumentando em volume, o que também é bom, pois é uma forma de reconhecimento da qualidade do conservatório. Para mim, enquanto adolescente, foi muito importante crescer numa escola que cada vez vai ganhando mais volume, mais peso no território, mesmo a nível do país, pela qualidade de alunos que ao longo dos anos vão saindo. Alguns deles meus colegas de turma, que, de facto, singraram no mundo da música muito graças a esse crescimento de academia para conservatório.

Também foi professora de música. Fale-nos da experiência.

A convite do Conservatório, fui, durante um período, professora nas AEC’S. Foi uma experiência muito interessante, válida, que me ajudou a crescer imenso, a ter paciência, a respeitar o ritmo de cada criança e a sensibilidade de cada uma. Observei a sua ligação à música. Tinham um ouvido incrível, mas se calhar a nível melódico já tinham alguma dificuldade, o que nos obriga a uma ginástica muito importante, o que me ajudou na profissão enquanto educadora ambiental.

Integra o Coro do Conservatório do Vale do Sousa. Como se deu essa entrada?

Ainda há pouco tempo tiveram o prazer de entrevistar o nosso maestro, o professor Sílvio Cortez, o nosso mentor. Se há uma coisa que o define é a perseverança e a teimosia, no bom sentido, em perseguir aquilo que ele quer, os seus sonhos. Ele foi meu professor de história da música e, como já conhecia o meu currículo e a minha ligação ao conservatório, de cada vez que eu tinha aulas, ele insistia para eu assistir a um ensaio. As minhas colegas já eram coralistas, eu via-as em alguns concertos e achava o trabalho fascinante, mas de uma dificuldade muito grande. Eu tinha receio de não conseguir cumprir as expectativas de um coro tão excecional. Fui a um primeiro ensaio. Nunca mais me esqueço que a peça que elas estavam a ensaiar, que era o Salve Regina, uma peça icónica do nosso coro, belíssima. Eu, quando ouvi, pensei “vou embora, não consigo, isto é impossível”. Mas não desisti. Levei uma resma de partituras, porque em meia dúzia de meses tivemos logo um concerto, em Salreu (Estarreja).

Como foi essa primeira experiência?

Em Salreu, o professor colocou-me na fila da frente por causa do meu naipe, uma responsabilidade acrescida. Tinha um nervosinho por dentro. Foi aí que dei o salto. Em 2013, fomos para Barcelona. Foi uma experiência incrível pegar num grupo de 25 ou 26 meninas e levá-las para outro país. Algumas delas pela primeira vez viajaram sem os pais. Começaram a conhecer-se, a partilhar um quarto, com horários intensos de ensaios, porque a vida de um festival é muito intensa. No dia em que aterramos, poucas horas depois estamos a fazer ensaios. É muito exaustivo. O sono, a alimentação… É uma aprendizagem muito grande. Em Barcelona, tivemos esse sonho de subir ao palco com coros extraordinários e muitos anos de experiência. Nós éramos um coro muito jovem, pequeno, do qual nunca se tinha ouvido falar e ficamos em sexto lugar em quinze coros. Foi incrível, nunca pensamos conseguir tanto. Foi como uma medalha de ouro, como um primeiro lugar.

Nos anos seguintes, fomos para Neuchâtel na Suíça e aí conseguimos trazer medalhas de ouro e de prata. Mesmo que o público bata palmas de pé, se sentirmos que há uma nota fora do sítio, ficamos com a ideia de que conseguiríamos fazer melhor que aquilo. O professor Sílvio passa-nos a mensagem de que, independentemente do prémio, nunca nos podemos envergonhar do trabalho que fazemos. Exige muito sacrifício e muita responsabilidade. Temos meninas de 13 anos que têm de acordar cedo para começar a ensaiar e, se há coisa que o coro nos ensina, é a lidar com pessoas e crescermos enquanto seres humanos também. Mais que a música, é um crescimento pessoal muito grande. Foi isso que eu recebi e, agora mais velha, tento fazer o mesmo com as mais jovens.

O que é que uma lousadense sente quando chegam com prémios?

De facto, as receções faziam valer a pena o sacrifício pelo qual passávamos naqueles dias. Chegar ao aeroporto e sermos recebidas com flores, com cartazes, como chegou a acontecer, é sentirmo-nos quase como a seleção portuguesa de futebol. Esse reconhecimento aconteceu sempre, fosse com um primeiro lugar, ou sem lugar nenhum. As famílias, a nossa própria casa e o município de Lousada de facto são o nosso apoio. Estar fora do país exige recursos financeiros muito grandes e aí estes pilares são muito importantes. Chegarmos e sermos recebidas dessa forma dá-nos mais alento para no ano seguinte querermos voltar. Quando subimos ao palco, é Lousada e Portugal que sobem. Quando subimos, somos o único coro português feminino que representa Portugal. Temos uma responsabilidade muito grande, um coro tão pequenino! A receção é uma forma muito boa de reconhecimento e que nos faz perceber que, mesmo que falhemos, alguém nos vai apoiar.

Deixe uma mensagem final.

Nos dias de hoje, em situação de plena pandemia, se há algo que devemos retirar de tudo isto como importante é a ligação às pessoas. E a música dá-nos muito isso, essa ligação. Podemos fazer música sozinhos, mas não é a mesma coisa de fazermos em grupo. Portanto, nestes dias, do que sentimos falta é das pessoas e de estar com elas. A música une as pessoas mesmo à distância. Não é por acaso que temos as pessoas nos prédios a cantar umas para as outras. Se há coisa que o conservatório conseguiu durante estes 25 anos foi criar ligações entre pessoas, inclusive familiares. A mensagem é esta: a música é fundamental, ouçam música, pratiquem música, vão aos concertos. Bem-haja ao nosso conservatório por criar música e fazer as pessoas mais felizes.

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