Por Pedro Magalhães
A condição feminina, ao longo da História, apresenta-se muito variada, existindo múltiplos fatores que concorrem para esta diversidade. Aproveitando o contexto de Abril, esta é uma boa oportunidade para refletir sobre o que foi o papel da mulher ao longo do século XX.
Desde logo, a condição feminina dependeu do estatuto social e das funções/ocupações desempenhadas. Os papéis que competiam à mulher nos círculos de carácter burguês e/ou meios urbanos eram bem diferentes dos papéis que competiam às mulheres dos estratos populares e/ou meios rurais.
Independentemente de cada circunstância, à mulher exigia-se o papel de mãe. Nesta condição estava-lhe designado o «recato do lar, consagrada à lida da casa e à educação de uma descendência numerosa», enquanto ao marido competia o papel de «chefe de família», exigindo-se-lhe a responsabilidade de ser o «ganha-pão» do agregado. Esta cultura foi amplamente aprofundada pela ideologia do Estado Novo, mas já vinha de longe.
Obviamente, muitas famílias fugiam a este modelo, sobretudo nos estratos mais pobres, nos quais a maior parte das mulheres trabalhavam nas fábricas, à jorna no campo ou como trabalhadoras familiares não remuneradas na exploração agrícola.

Certamente, está ainda na memória de muitos a cultura de um papel secundário a ser desempenhado pela mulher, quer no seio familiar quer na sociedade. Foi uma realidade de contornos nacionais, com as devidas implicações locais. Devemos interessar-nos, por isso, em conhecer melhor essa realidade no concelho de Lousada!
De facto, ainda subsistem muitas atitudes que representam estas heranças passadas. Para além dos resquícios existentes, o conhecimento sobre esses comportamentos pode colher-se oralmente entre as memórias dos mais velhos… Ou pode fazer-se o estudo das instituições locais, particularmente das instituições centenárias, e inferir-se a partir daí sobre a condição feminina na sociedade lousadense. Efetivamente, o arco cronológico alargado de algumas instituições permite perceber a mentalidade das diferentes épocas, mas também as suas mudanças, sejam elas consideradas positivas ou negativas. Note-se que não se pretende aqui fazer um tratado sobre o assunto, somente dar alguns apontamentos sobre um possível estudo a fazer-se no futuro.
Tomemos como exemplo a Misericórdia de Lousada! Os seus estatutos (1897) – apesar de se revelarem vanguardistas pelo facto de, em finais do século XIX, já admitirem mulheres como associadas –, exigiam que a admissão de mulheres tivesse que ser autorizada pelos respetivos maridos e excluíam-nas de participar ativamente nas assembleias, de votar e de serem eleitas para os cargos diretivos. Foi uma situação que perdurou durante décadas, cujos sinais de mudança apenas se deram nos anos 60, momento em que foi admitida a sua elegibilidade para os órgãos sociais. Uma mudança que não tardou a dar frutos em Lousada! A 4 de abril de 1971, a Maria Orísia Dias Correia tornou-se a primeira mulher eleita para os órgãos sociais da Instituição, ocupando o cargo de vice-provedora da Misericórdia. Por esta altura, incompreensivelmente, muitas Irmandades do país ainda impunham a invisibilidade às mulheres: umas ainda as proibiam de se inscreverem como associadas, outras continuavam a exigir autorização marital para a sua admissão e impossibilitavam a sua elegibilidade. Só com Abril se determinou a eliminação das situações de desigualdade de género. Foi com este intuito que a Direção Geral de Assistência Social, em maio de 1974, intimou as Misericórdias a procederem à anulação de todo o tipo de restrições discriminatórias.

Apesar de a legislação ter imposto, ao longo dos tempos, a desvalorização das mulheres no seio das Instituições, tal como no seio familiar, a verdade é que a sua atividade, em diferentes épocas, foi mais significativa e determinante do que se pensa e conhece. À História impõe-se o estudo do seu desempenho, quer na vida privada quer na vida pública, subtraindo-o ao anonimato. Este resgate talvez seja mais fácil de realizar no contexto público. Os jornais e os documentos das instituições locais revelam muitos aspetos da sua valorosa intervenção comunitária, entre eles, o mérito que lhes é devido no dinamismo das atividades socioculturais que animaram inúmeras vezes o Concelho e que permitiram a sobrevivência financeira das Instituições, das quais os cortejos solidários ou os teatros revista dinamizados por Palmira Meireles foram dos mais interessantes exemplos da sua participação social.
Esta evidência valorativa não tem como objetivo diminuir a discriminação que a lei impunha às mulheres. Somente destacar a sua ação num contexto de discriminação tradicionalista. Esta, felizmente, começou a ser ultrapassada com o advento da democracia, que introduziu mudanças imediatas sobre o modelo de família e os papéis de género subjacentes às políticas das décadas anteriores. Volvidos tantos anos, muito foi feito, mas muito ainda há a fazer.
Em homenagem a todas as mulheres, especialmente às que o foram antes de Abril, publicamos, de forma anónima, alguns rostos de mulheres lousadenses desses tempos idos.
