por | 8 Mar, 2022 | Sociedade

Barbeiros: bons ouvintes e confidentes

Resenha histórica de uma profissão em Lousada

Na área da vila há 10 estabelecimentos de barbearia. São muitos porque os homens estão mais vaidosos e vão mais vezes ao barbeiro. São sinais de uma mudança social e cultural que se acentuou no século XXI. Antigamente, a arte de alindar a cabeleira e o rosto acontecia em minúsculos habitáculos onde cabia a cadeira, um móvel com espelho e pouco mais. Atualmente, os salões são mais espaçosos e oferecem outros serviços. Há tatuagens e manicure, por exemplo. Uma característica muito vincada mantém-se nesta profissão: a arte de confidenciar e guardar segredo.

Barbeiro é uma profissão que tem sobrevivido desde a antiguidade clássica. Ele desempenha desde sempre um papel fundamental, não apenas na higiene e aparência do homem, mas também na socialização, amizade e conhecimento. Uma barbearia é um ponto de circulação de informação, notícias e novidades do mundo masculino de cada sociedade. É igualmente um local onde a confiança gerada entre barbeiro e cliente, nos casos mais antigos, proporciona a confidencialidade. Muitos desabafos são feitos na cadeira da barbearia durante o serviço ou atendimento.

Há um barbeiro inglês chamado Tom Chapman que fundou o Lions Barber Collective, que é um grupo onde barbeiros de todo o mundo trocam ideias e experiências sobre como ajudar a prevenir o suicídio de clientes. Isso começou quando aquele profissional inglês se apercebeu que tinha alguns clientes depressivos e com ideias suicidas e que ele conseguiu ajudar.

“Sim, claramente, o barbeiro é um confidente e tem que ser um bom ouvinte, e se não for assim, não é barbeiro por muito tempo, pois mais cedo ou mais tarde tem que mudar de negócio.”, afirma Luís Marques Teixeira, o conhecido  cabeleireiro  Falcão, um dos mais antigos barbeiros em atividade em Lousada.

“Há uma relação de confiança entre o cliente e o barbeiro. Essa confiança veio reforçar-se com a pandemia porque o distanciamento faz com que, regra geral, haja só um cliente de cada vez no estabelecimento e isso proporciona ambiente para mais segredo, desabafos, muitas vezes em jeito de brincadeira, mas sempre com uma confiança bem marcada”, acrescenta.

“Já houve tempos em que ninguém queria abraçar a arte ou profissão de barbeiro ou  cabeleireiro masculino, aliás na década de 90, criou-se o conceito do unissexo e muitos homens passaram a ir aos salões de mulheres, assim como as mães levavam os rapazes às suas cabeleireiras”, recorda.   

Nos últimos anos tem havido um grande aumento nas barbearias, que se designam Barber Shops e oferecem uma ampla variedade de serviços com tatuadores, salas de jogos e venda de produtos e vestuário. “Como em tudo, isto pode mudar rapidamente e, como se costuma dizer, quem tem unhas é que toca guitarra e é claro que os mais antigos, ou se atualizam e acompanham as tendências ou morrem na praia, em suma são ultrapassados, mas como se diz também na gíria, «quem bem dançou, bom jeito lhe ficou» e tendo a experiência e técnicas dos clássicos estará sempre operacional para vencer a concorrência e prosperar”, afiança Luís Falcão.       

“As tendências da moda são o degradê, a máquina zero ou mesmo à navalha ou Shaving Machine, o que faz com que quem quiser manter o visual apurado tem de cortar todas as semanas ou de duas em duas semanas, o que garante mais trabalho aos profissionais. Por isso, não é preciso uma grande carteira de clientes para manter o negócio a funcionar”, conclui.

Nesta profissão destacaram-se muitas pessoas nos últimos 100 anos em Lousada. Desde o Carriço ao Sevilha, do Manica ao Fernandes, passando pelo Cunha e pelo Zé Negos, foram vários os barbeiros da segunda metade do século XX em Lousada. Recordemos alguns deles.

“O Sevilha”

Manuel Augusto Moreira Magalhães, nascido a 12 de Março de 1951, ficou conhecido por “Sevilha” e foi um dos principais cabeleireiros de homem no seu tempo. Gostava muito de ler e a leitura ocupava largas horas dos tempos em que não trabalhava, à espera de clientes na Barbearia. Depois da filha, Sandra Magalhães, lhe oferecer o livro Memorial do Convento, de José Saramago, ficou a gostar tanto que leu todos os livros do Prémio Nobel da Literatura.

“A leitura deu-lhe uma cultura acima da média, de uma pessoa com o 4º ano e a facilidade de compreender um pouco de todos os assuntos e estar à vontade para falar sobre qualquer tema”, diz a filha.

Depois de concluir o 4º ano de escolaridade foi para o Porto aprender a arte de barbeiro, onde trabalhou durante alguns anos. Deste período da vida dele ganhou o gosto pelo seu clube favorito, o FC do Porto. Seguiu-se o serviço militar obrigatório, em Santa Margarida, onde serviu também como barbeiro.

Veio depois trabalhar para Lousada, para a Rua Visconde de Alentém e alguns anos mais tarde estabeleceu-se no Loreto, onde terminou a atividade.

O seu trabalho era muito apreciado e teve vários clientes durante 40 anos, clientes que vinham depois com os filhos e alguns ainda com os netos para cortar o cabelo.

A filha, Sandra Magalhães, revela que “a alcunha do Sevilha vem da famosa ópera de Rossini, O Barbeiro de Sevilha, que conta a história de Fígaro, um barbeiro que fazia de tudo na sua cidade: arranjava casamentos, ouvia confissões, espalhava boatos, etc. Não que o meu pai fosse um «Fígaro», muito longe disso. Mas que na sua profissão, ouvia muitas histórias, algumas verdadeiras, outras nem tanto, nunca as reproduzia fora da Barbearia, muito menos em casa. Contudo quando alguma história surgia na sociedade e nós tínhamos conhecimento, já ele a conhecia há muito mais tempo do que nós e não ficava surpreendido. Sabia muito bem ouvir e calar”.

Manuel Magalhães

A barbearia do “Carriço”

Domingos Sousa, natural do lugar de Monte Pedroso, na freguesia de Cristelos, ficou conhecido por “Carriço” e durante 50 anos teve uma barbearia na rua Visconde de Alentém, junto à antiga Ourivesaria Lousada e ao lado do Pomar do Peixoto.

Lúcia Guimarães, filha deste antigo barbeiro, conta que “a alcunha teve origem na avó do meu pai, que por ser muito baixinha e sempre arranjadinha as pessoas chamavam-lhe “Carriça” e assim ficou o nome na família”.

Aprendeu a arte de barbeiro em Lordelo, onde esteve durante cinco anos da sua juventude e voltou para Lousada na década de 1950. Casou com Amélia de Jesus Guimarães Castro, da freguesia de Unhão, concelho de Felgueiras.

Era um apaixonado pelo Futebol Clube do Porto e nem por isso deixava de ter clientes que eram adeptos de outros clubes. Numa parede do seu estabelecimento existiu durante muitos anos um poster da equipa portista que ganhou o célebre campeonato nacional de futebol de 1958/59, que  ficou conhecido como o “Campeonato do Calabote”, por culpa da arbitragem muito polémica do árbitro alentejano com sobrenome Calabote, no Benfica contra a equipa da CUF na última jornada da prova.  O Benfica venceria esse jogo, mas o FC Porto é que seria campeão, com muito sofrimento, entre abraços e lágrimas no centro do campo do Torreense. A façanha ficoui durante muitos anos perpetuada naquela barbearia.

Domingos Sousa

Os irmãos Fernandes

O jornal Heraldo, que se publicou em Lousada durante a primeira metade do século XX noticiou assim a abertura de um salão de barbearia na rua Senhor dos Aflitos, em 24 de Dezembro de 1937: “Luxuosa Barbearia – Abriu ontem pela primeira vez as suas portas ao público uma luxuosa barbearia, montada num amplo salão propositadamente construído para esse fim e com material moderníssimo. Este estabelecimento, que se encontra situado no ponto mais central da vila, mesmo de frente ao Jardim do Senhor dos Aflitos e junto à Pensão Avenida, vem engrandecer sobremaneira a nossa terra que fica assim dotada com uma barbearia que rivaliza com as melhores destas redondezas. Ao seu proprietário e nosso amigo, senhor Alfredo Fernandes, homem que não se poupa a sacrifícios para corresponder gratamente à sua numerosa clientela, os nossos sinceros parabéns e votos de prosperidade”.

De facto, esta barbearia prosperou bastante. Foi provavelmente a que teve vida mais longa na vila de Lousada no século XX. Depois do referido Alfredo Fernandes, dois dos seus filhos (António Manuel, também conhecido por Neca, e José) deram seguimento à atividade e mantiveram o estabelecimento em funcionamento até aos primeiros anos deste século. O irmão mais novo destes barbeiros, João António Fernandes, é atualmente dono de um antigo salão de cabeleireiro na rua de Santo António.

José Ribeiro, o Manica

Outro antiquíssimo e prestigiado barbeiro lousadense foi José Pinto Ribeiro da Silva, que teve morada durante muito tempo no Largo da Esperança, onde teve a primeira barbearia. Depois de casar, estabeleceu-se na Avenida Senhor dos Aflitos, numa época em que além dos atrás referidos Fernandes, havia na Vila de Lousada outros barbeiros como por exemplo José Domingos Augusto Pereira (“Zé Negos”).

No início da sua atividade, José Ribeiro ia de bicicleta a casa das pessoas para cortar o cabelo, e, apenas nas casas mais abastadas cortava a barba dos proprietários.

Este lousadense ficou conhecido pela alcunha “Manica”, que herdou de seu pai, que combateu na Primeira Guerra Mundial na província central de Moçambique chamada Manica, de onde é originária a famosa cerveja com o mesmo nome.

José Ribeiro casou-se com Maria Júlia Gomes Fernandes, herdeira da antiga Funerária Joaquim Teixeira do Rosário, e tiveram um filho, Rui Sebastião Fernandes Ribeiro.

José Silva

D’Caballeros faz parte da nova geração

A nova geração de barbearias tem proliferado bastante em Lousada. Um dos estabelecimentos dessa nova vaga é o D’Caballeros Barber Shop, que abriu em 9 de junho de 2017, na rua de Santo António.

O multifacetado Miguel Rodrigues, um destacado jogador de futebol local, manequim, segurança e barman, decidiu lançar-se há cinco anos neste ramo e falou-nos dessa experiência: “Na última década tem-se notado uma preocupação constante com a estética e sendo eu um homem ligado à imagem, surgiu a ideia de criar um espaço próprio, onde posso oferecer inovação, tendências e cuidado adaptado às necessidades dos dias de hoje, satisfazendo assim o público masculino”.

Acrescenta que tem “clientes de todas as idades, mas a grande maioria são jovens entre os 20 e os 30 anos” e sublinha que “hoje há uma procura maior porque o homem atual gosta de se cuidar, de manter uma boa aparência e ter um bom corte de cabelo e barba”.

“As barbearias de hoje oferecem muito mais que um simples corte de cabelo, há cerveja, internet, café, música, tatuagens e um ambiente descontraído onde se constroem grandes amizades e não apenas relações comerciais”, afirma Miguel Rodrigues.

As tendências da moda masculina nesta área “são inúmeras, mas sem dúvida que o que é mais procurado atualmente é o corte conhecido por degradê, que exige do profissional um grande rigor e precisão”.

De todos os trabalhos que já fez e que já perdeu a conta, Miguel afirma que “todos os cortes são especiais, considero que evoluo e aprendo a cada corte, claro que há uns que me marcam mais do que outros, como o primeiro corte ao meu filho”.

Miguel Rodrigues

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