Segredos da Bola
O lousadense Francisco Martins, de 72 anos, ficou famoso no futebol local como Chico Doceiro. Era o estratega da equipa, o distribuidor de jogo e exímio marcador de lances de bola parada. É considerado por muitos como o melhor jogador da sua geração. “Eu podia ter dado o salto para equipas maiores, mas naquele tempo o futebol era muito incerto e o trabalho estava acima de tudo”, diz este nosso entrevistado, que aceitou contar alguns segredos da sua vida de futebolista.
A ADL viveu na década de 1970 alguns anos dourados da sua existência, com as duas subidas de divisão nos campeonatos distritais (1972 e 1978). Nessa década um jogador local destacou-se pela superior qualidade técnica, sentido tático apurado e espírito de sacrifício.
“Dizer que eu ajudei a salvar o Lousada em fases complicadas, pode ser verdade, mas não concordo quando dizem que eu era o melhor jogador. Para mim, sempre disse isto, o melhor de todos e um dos melhores de sempre da história do Lousada, foi o Tónio Severa. Ele era um jogador mais completo que eu. Se calhar, não tinha tanta técnica, mas tinha mais força e uma capacidade para jogar em qualquer posição do campo, que eu não tinha”, afirma Francisco Martins, o célebre Chico Doceiro.
Na equipa do Lousada havia dois jogadores com o nome Chico, que naquele tempo se distinguiam na ficha técnica dos jogos como Chico I (o mais velho) e Chico II (o mais novo). Mas à parte essa formalidade, os jogadores tinham alcunhas que os distinguiam. “O mais velho era o Chico de Beire, um bom avançado, e eu era o Chico Doceiro, por causa da doçaria da família, que já vinha do tempo do meu bisavô, Firmino José Duarte”, explica o antigo futebolista da Associação Desportiva de Lousada (ADL).
A carreira de futebolista começou aos 16 anos e terminou ao 33, sempre na equipa lousadense. “Na atual rua Sá e Melo havia um descampado onde eu jogava e onde me fiz jogador, antes de ir para o Lousada. Eu achava que tinha jeito e gostava de jogar, mas tinha um defeito: perdia a vontade de comer quando não ganhava, nem que fosse entre amigos numa peladinha na rua”, confessa.
“Entrei num torneio, pelo Cristelos contra a equipa da Boavista (Silvares) e marquei dois golos. O senhor António Mota, da Padaria Central, que estava à frente dos juniores do Lousada, veio falar comigo e deu-me dinheiro para tirar fotografias, para me inscrever como atleta da ADL. Recordo-me bem desse dia, com muito orgulho lá fui ao fotógrafo. O meu parente Bessa Coelho até me emprestou uma gravata para ficar melhor nas fotografias”, recorda Chico.
“ADL só me deixava sair por 40 contos”
Na época de 1971/72 aconteceu a primeira subida de divisão da ADL. Era presidente Joaquim Maria Fernandes e o chefe de departamento de futebol era Joaquim Valinhas. “O último jogo, em Sobrado, foi das coisas inesquecíveis que vivi no futebol. Estávamos a perder 3-0 ao intervalo e na segunda parte marcamos 8 golos. O Pontes esteve endiabrado nesse jogo e marcou três ou quatro golos”, recorda o antigo centrocampista.
“Na época seguinte podia ter dado o salto para outro clube e ganhar dinheiro. Estive quase a ir para o Paredes, onde ia ganhar mil escudos por mês, que na ocasião era bom dinheiro. Mas o Lousada só me deixava sair se o Paredes pagasse 40 contos, que era uma fortuna, e a transferência ficou sem efeito”, diz com alguma deceção.
A segunda subida de divisão aconteceu na época 1977/78, quando o presidente era Manuel Alves Rocha Moura, de Penafiel, que trabalhava na Fabinter.
“Essa subida também foi espetacular, mas a época foi complicada, porque as coisas não correram muito bem com o Celestino Rocha, o primeiro treinador, mas depois veio o Joaquim Pontes, de Guimarães, que já tinha sido jogador aqui e que gostava muito do clube. Criou bom espírito de grupo. Ele deixava aqui em Lousada o que ganhava como treinador. Fazíamos dois treinos, à terça e à quinta. O primeiro da semana era físico e ficávamos derreados, mas à quinta era com bola, para preparar o jogo de domingo. Para nos motivar, o Pontes, que vivia relativamente bem e não precisava do que ganhava no futebol, pagava jantares na Casa Severa. Para alguns jogadores, aquela era uma oportunidade de comer melhor e até havia jogadores que passavam mal e se não fosse aquele jantar, nem comiam mais nesse dia. Eram tempos difíceis”, atira Chico.
Depois desta época, Chico começou a pensar deixar o futebol: “os treinos eram duros para um jogador que quisesse levar aquilo a sério. Eu ficava muito cansado e ao outro dia tinha que ir para as obras trabalhar de trolha, como sempre fiz. Além disso, eu queria namorar, descansar e ir ao futebol para apreciar de fora”, justifica.
O campeonato começava e normalmente os primeiros resultados não eram favoráveis ao Lousada, que se quedava pelos últimos lugares. “Era aí que eles, os dirigentes, me iam chamar. Pediam-me tanto e metiam outras pessoas ao barulho, que eu voltava para a equipa. Mas não ganhava nada com isso, a não ser os prémios de jogo por vitória ou por empate, como sempre. Certo dia até fiquei chateado quando alguém me disse: «ó Chico, tu é que és fino, vais embora, depois eles vão buscar-te para o Lousada se salvar e tu recebes algum por trás da cortina». Garanto que nunca recebi nada por fora. Fui sempre correto e orgulho-me disso”, esclarece.

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