UMA ARTE SECULAR DAS FESTAS GRANDES
Uns chamam-lhes lampiões (e até são vermelhos e brancos) ou baldes de papel, mas oficialmente são faróis. É uma tradição das Festas Grandes e serve para pendurar tigelinhas acesas. É uma beleza inolvidável que se cria com milhares de pequenas chamas no jardim do Senhor dos Aflitos na noite de domingo das Festas Grandes. Fomos visitar a produção dos faróis, a cargo de Pedro Renato Silva, sucessor do saudoso Ginho Marques, grande promotor desta arte.
As semanas que antecedem as Festas Grandes são de grande azáfama para Pedro Renato Silva, o responsável pela produção dos faróis. É ourives de profissão mas, nos dois meses anteriores ao grande evento, são os faróis que lhe ocupam a maior parte do tempo ativo. É assim há várias décadas. “Não tarda nada faz 50 anos que comecei a fazer isto. Comecei com 10 anos de idade”, afirma o lousadense.
Um anexo da casa da família continua a ser a oficina de produção destes adereços que há mais de cem anos embelezam o jardim da vila na noite de domingo das Festas Grandes. Os componentes dos faróis já estão prontos e dispostos na mesa de montagem para a respetiva construção. A cartolina com o papel fino (para melhor deixar passar a luz da tigelinha), está pronta para ser colada na base também de cartolina, passado para o lado onde é colocado o aro e o gancho, de arame. Dali seguem para uma corda na garagem onde são pendurados a secar, antes de voltarem à mesa para o corte circular na base onde a tigelinha encaixa.
O processo é quase todo artesanal. Mas há avanços na técnica e nos materiais usados. “Hoje em dia está tudo mais facilitado, nomeadamente com a cola industrial, porque há muitos anos, ainda no meu tempo, usava-se cola caseira feita com farinha e água”, revela o artesão. Com o falecimento do seu irmão Carlos, há dois anos, perdeu um importante aliado nesta empreitada, mas ainda tem ajudas. Um amigo de longa data e apaixonado por estas coisas, Bento Sequeira, não falta à chamada.
Enquanto vão dando seguimento à produção dos 1000 baldes de papel que a comissão de festas encomendou, Pedro vai falando do passado desta atividade e da aprendizagem que teve. As histórias andam quase todas à volta do seu grande mentor, Ângelo Teixeira Marques natural de Idães (Felgueiras), onde nasceu em 1897. Ainda bastante novo veio com a família para Lousada, onde casou com Albertina Dâmaso Marques e de cujo matrimónio não houve filhos. Teve primeira morada na Rua Visconde de Alentém e, mais tarde, na rua Dr. Pinto de Mesquita. Foi funcionário da Conservatória do Registo Predial até 1967.
Receio de extinção desta arte
Diz Pedro Silva, seu aprendiz e herdeiro da arte de fazer faróis que “o Ginho Marques era um aficionado dos santos populares e nos tempos livres dedicava-se à preparação de cascatas para os dias de festa dos santos populares”. E confessa com alguma tristeza que tem “pena de não ter aprendido aquela arte de fazer as cascatas, com moinhos de água, chafarizes, comboios, carrossel, elevadores, coretos com bandas de música e, o mais interessante é que era tudo movido a água”.
A sua apurada arte e engenho fez com que Ginho Marques ficasse na história local como um dos festeiros mais dedicados durante cerca de quatro décadas. Com a colaboração dos irmãos Barros (Alexandre, Gaspar, Rogério e Constantino), dos familiares mais próximos e de vários vizinhos, este artista promovia a confeção de balões e faróis de papel para iluminar as festas.
“Através de uma geringonça articulada que ele construiu, também confecionava cebo e pavio para milhares de tigelinhas. O Ginho Marques era uma pessoa extremamente perfecionista, tanto a fazer como a ensinar e por isso aprendi esta arte ao pormenor”, recorda o herdeiro do ofício.
Há em Pedro um misto de satisfação por cumprir uma tradição e uma espécie de legado que lhe foi deixado, mas também se nota exaustão, cansaço. “Receio que isto um dia deixe de ser feito”, desabafa. Quer passar a arte mas não vê a quem. “Já tentei cativar uns miúdos para isto, mas a juventude não se mostra interessada”, afirma. Tem em mente desafiar idosos de algum Centro de Dia para ajudar na produção do próximo ano. “Esses certamente darão mais valor”, conclui.



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