QUASE 300 MIL EUROS “DEITADOS FORA”
Com um investimento avultado, esteve projetado para junto do Centro Interpretativo da Rota do Românico (CIR) uma praça que iria custar mais de 3 milhões e 200 mil euros, dos quais 1 milhão e 600 mil euros teriam de ser pagos pela Câmara de Lousada. Nos começos de 2019, com a obra longe de ser adjudicada (só seria em 2021), fotos virtuais da futura praça, retiradas do projeto arquitetónico, foram amplamente difundidas, sobretudo por autarcas socialistas. Faziam alarde de uma obra que nunca chegaria a ver a luz do dia, mas na preparação da qual foram gastos 300 mil euros.
“Uma obra emblemática para o futuro da nossa terra”, escreveu em 9 de setembro de 2019 o vereador Nelson Oliveira na sua página do Facebook, o qual já havia escrito em fevereiro desse ano, num jornal regional, um artigo de opinião onde se lia “Uma nova centralidade na Vila de Lousada”.
A badalada Praça do Românico suscitava impacto e prometia fazer furor pela novidade e dimensão. Ela teria por base uma construção para atividades culturais e armazém do acervo do CIR, construção que seria camuflada com um manto verde e de recreio por cima da sua estrutura, diminuindo o impacto visual e integrando-o no conceito do CIR, conforme relatou ao Jornal de Notícias o presidente da Câmara de Lousada, em 3 de março de 2019.
Esta praça seria circundada quase toda por edifícios de habitação, comércio e serviços, a construir por privados, numa zona de grande expansão e de interesse imobiliário em Lousada, colada à grande mancha verde da Reserva Agrícola e Ecológica da Quinta de Vila Meã.
O projeto que ficou conhecido por Praça do Românico denominava-se oficialmente “Empreitada de ampliação do Centro de Interpretação do Românico e regeneração urbana da envolvente” e assim foi adjudicado a 2 de Fevereiro de 2021, após abertura do concurso público em Diário da República. A proposta vencedora foi de uma firma do Montijo, denominada Solidium ACE.


O BARATO SAI CARO
A empresa deveria concluir os trabalhos em 540 dias, ou seja, em setembro de 2022, mas foi dando sinais de alguma incapacidade para executar a obra. Houve quem se preocupasse. O arquiteto Henrique Marques (ver peça que acompanha este texto) admitiu ao Louzadense que já sabia de fragilidades da Solidium e que eram do conhecimento geral. O tempo foi passando e nenhuma obra foi edificada, mas somaram-se despesas com o projeto e demais diligências (nomeadamente com a remoção de muitas toneladas de terra). Aconteceu o que diz o ditado popular: o barato sai caro.
Os prazos das sucessivas fases de construção foram sendo queimados. Até que, somente a 29 de julho de 2022, portanto a escassas semanas do final do prazo concedido para a realização da obra, a Câmara Municipal de Lousada (gestora do contrato) ameaçou a firma com a anulação do contrato de concessão. O desfecho parecia inevitável. A Câmara queria cancelara obra. Estavam em causa valores elevadíssimos e sem os prazos cumpridos a União Europeia não mandava o dinheiro das respetivas tranches do financiamento. A firma Solidium ACE contestou a “resolução sancionatória do contrato” alegando que “havia entendimentos com a Câmara”, salientando em sede de resposta à revogação do contrato: “manifestamos a nossa estranheza (…), pois contraria todas as discussões e acordos havidos nas reuniões entre ambas as partes” em reuniões supostamente havidas em junho e julho de 2022.
Na reunião de Câmara de 5 de Junho de 2023, interpelado pelo vereador da coligação PSD/CDS-PP, Carlos Manuel Soares Nunes, o presidente da Câmara confirmou que o contrato tinha sido revogado e acrescentou: “em boa hora isso aconteceu porque se assim não fosse teríamos uma lesão grave do interesse público, pois teríamos que devolver fundos comunitários”.
Ainda assim o erário público lousadense ficou lesado em cerca de 300 mil euros dos cofres da Câmara, com os gastos em três autos de medição e revisão de preços, no valor de 185.987,64€, trabalhos complementares no total de 40.282,48€, custos com fiscalização a rondar os 9.120€, a coordenação da obra custou 2.400€ e finalmente, aquela que foi a primeira despesa e a mais avultada, a encomenda e revisão do projeto, que ficaram respetivamente por 70 mil euros e 12 mil euros.

Questionado sobre que solução adotar, o edil lousadense mostra indecisões: “vamos ter de decidir o que fazer. Aquela seria uma boa localização para um multiusos (…). Não creio que haja condições para esse efeito. Estamos a estudar a possibilidade de fazer uma obra por fases. Estamos a analisar e ainda não temos conclusões. Uma das possibilidades que estamos a estudar passa por, numa primeira fase, construir um parque estacionamento e, eventualmente, a loja do cidadão, porque é elegível neste quadro comunitário, e deixar condições para que no futuro, se houver recursos, se possa construir o multiusos, ou não. É um exercício que estamos a fazer”.
O ARQUITETO JÁ DESCONFIAVA
Foi um dos autores do projeto para a Praça do Românico, encomendado pela Câmara de Lousada e Associação de Municípios do Vale do Sousa. Henrique Marques confessa que “colocamos todo o empenho e profissionalismo, que nos é reconhecido, no projeto que nos pediram, mas admito que tive sempre um pressentimento negativo, desde o início da ideia, algo não me parecia estar muito certo, parecia um projeto demasiado ambicioso e um pouco difícil de financiar e executar”.
“Quando fiquei a saber qual foi a firma vencedora do concurso para a construção da obra, então perdi mesmo as esperanças todas, pois sabia tratar-se de uma firma com histórico negativo de obras por concluir”, revela Henrique Marques.
Agora o que se segue? Como recuperar algum do investimento avultado ali “enterrado”? Perante isto, o arquiteto diz que um pavilhão multiusos (espaço versátil, para receber vários tipos de eventos) colhe o seu apoio, “desde que seja para cerca de 1.500 lugares sentados, como o de Paredes, por exemplo, mas sempre acautelando a questão do estacionamento, com um ou, idealmente, dois pisos para automóveis, mas isso implicaria um investimento muito grande”.
O estacionamento é uma das preocupações deste arquiteto quanto à expansão de Lousada. “Cada vez mais, vai faltar espaço para estacionar e isso deve ser acautelado independentemente do que venha a ser construído no local onde iria ser implantada a Praça do Românico”, explica Henrique Marques. Este considera que, sem apoio da União
Europeia, dificilmente haverá dinheiro para projetos arrojados e considera plausível a ideia de um edifício que congregue os serviços públicos “que estão mal localizados e instalados em vários sítios da Vila”.

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