BALANÇO DE 10 ANOS DA “LEI RELVAS”
A célebre “Lei Relvas”, que há 10 anos unificou freguesias pelo país fora, fez correr muita tinta e alguma ainda não secou. Em muitos casos temeu-se a perda de soberania ou independência e houve forte contestação. Com o tempo, a aceitação foi predominando e a contestação diminuiu, sem nunca desaparecer. Em Lousada o único caso de divórcio confirmado está a acontecer entre Lustosa e Barrosas (Santo Estêvão). Parece que mais nenhum vai avante, embora haja vozes de contestação, nomeadamente em Cristelos, Boim e Pias.
Faz dez anos que a Lei Relvas foi aplicada em Portugal, na sequência de uma imposição da Troika, para endireitar as finanças do país. Aglutinar freguesias para conter despesas foi uma premissa adotada. O mapa autárquico do país foi redesenhado, em alguns casos com anexações muito contestadas, fazendo lembrar casamentos forçados onde as partes nunca ou raramente se entendem. Isso deu em divórcio. Veja-se o caso de Lustosa e Barrosas (Santo Estêvão).
Aparentemente, na maioria dos casos as uniões são para se manter. A questão da continuidade é para o autarca José Oliveira Nunes (presidente da União Nespereira-Casais) algo que não diz respeito aos intervenientes e dispara: “Quem nos juntou, que nos separe”. Embora admita que tem nas respetivas freguesias que tutela “algumas vozes a favor da desanexação, não vejo ninguém a avançar oficialmente com uma petição”.

O experiente autarca é da opinião de que “regra geral as coisas vão-se manter como estão porque a unificação deu força às freguesias, porque tem mais peso uma reivindicação a favor de um território com mais habitantes que uma reivindicação de uma freguesia isolada”. Reportando-se às vantagens que a unificação das suas freguesias, José Nunes aponta como exemplo das “melhorias das vias de comunicação em Casais e a atenção distribuída equitativamente por todo o território da união”.
A maior anexação de freguesias do concelho juntou Silvares, Pias, Nogueira e Alvarenga. O presidente da mesma, Fausto Oliveira, diz que do seu ponto de vista, “faço um balanço bastante positivo dos 10 anos de união”.
“A dinâmica criada, baseada no princípio de uma unidade funcional, com projetos, obras e uma equipa de trabalho orientada para todo o território, tem-se revelado eficaz nos resultados alcançados em termos de serviço a tempo e horas e no desenvolvimento integrado de todo o território”, diz o autarca.
“Procuramos nunca esquartejar o território; o orçamento, o planeamento e as obras foram sempre orientadas para as necessidades, acudindo sobretudo às zonas menos desfavorecidas”, justifica Fausto Oliveira.
Vantagens e desvantagens das unificações
Em termos culturais, recreativos, desportivos e sociais, “promovemos políticas e eventos unificadores das populações das quatro freguesias, sem nunca descurar a identidade e as especificidades de cada uma delas. Pelo contrário, nesta dinâmica de unidade, demos mais visibilidade e afirmação a cada uma das comunidades. Exemplo disso foram as semanas culturais com um ano em cada freguesia e a sua continuidade em eventos como a Festa dos Vizinhos, a Festa do Rio, o Magusto e o Natal Sénior”, acrescentou, salientando de seguida que continuam a realizar atendimentos à população semanalmente em cada edifício das quatro freguesias. “Por outro lado, aumentamos muito o serviço às populações, quer nas horas disponíveis para atendimento, quer na solução de problemas, limpezas, atividades culturais, etc.”, afirma o edil, que releva a utilização de meios em escala como um fator positivo para uma união.

O autarca aponta um fator financeiro como aspeto negativo da junção de freguesias: “as regras de financiamento, por parte do Estado, diminuíram o financiamento ao conjunto dos 4 territórios, em função da sua agregação”, pois conta como uma freguesia e não como quatro, daí a diminuição do tal montante.
Ainda assim, diz que tem expressado publicamente “a manutenção da União de Freguesias”. Fausto Oliveira sublinha que “não houve até agora nenhuma intenção manifestada publicamente, por qualquer um dos partidos presentes na assembleia de freguesia, em propor alterações. Contudo, elas podem sempre vir a acontecer no futuro, com base no quadro legal existente”.
Assembleia Municipal com papel supervisor
É na Assembleia Municipal que as freguesias têm assento em sede concelhia. Auscultada pelo nosso jornal, a presidente daquele órgão, Lurdes Castro, começou por dizer que “é por demais conhecida qual foi a posição da Câmara Municipal e da Assembleia Municipal de Lousada quando esta reorganização administrativa foi feita”.
Recordou que “foi uma reforma imposta pelo Governo da altura e que nos obrigava a preferir umas freguesias em detrimento de outras, quando na verdade quer a Câmara, quer a Assembleia, estavam contra qualquer agregação de freguesias e, por essa via, foi votada a posição contrária de Lousada a esta medida que uniu uma série de freguesias de acordo com o mapa que está atualmente em vigor.”
Na resposta ao nosso questionário, Lurdes Castro reitera que “a postura dos órgãos autárquicos de Lousada nunca foi impor o que quer que seja, mas sim, apoiar uma solução que fosse primeiramente pensada e aprovada em cada Assembleia de Freguesia, pelos seus representantes eleitos”.

Esclarece que não cabe à Assembleia Municipal decidir sobre os destinos das freguesias e advoga que “cabe sim dar continuidade e apoiar o que estas decidirem no seu território como foi o exemplo do pedido de desagregação já efetuado pela Assembleia de Freguesia da União de Freguesias de Lustosa e Barrosas (Sto. Estêvão) que foi aprovado pela Assembleia Municipal e enviado à Assembleia da República”.
A presidente da AM relembra que “existe atualmente a Lei 39/2021 que define o regime jurídico de criação, modificação e extinção de freguesias, desde que sejam cumpridos um conjunto de requisitos prévios como a prestação de serviços à população, eficácia e eficiência da gestão pública, número mínimo de eleitores e área territorial, história e identidade cultural e ainda vontade política da população”.
Ou seja, o início do processo tem obrigatoriamente que iniciar nas Assembleias de Freguesia, passando posteriormente pela Assembleia Municipal que aprecia o pedido após parecer da Câmara Municipal e de seguida envia à Assembleia da República para ser dada uma resposta definitiva.
Perante isto a autarca sublinha que cabe sempre aos órgãos autárquicos da freguesia “analisar a legislação, verificar se existe essa pretensão e analisar os critérios ao pormenor, para que o processo seja exemplarmente construído e possa obter aprovação na Assembleia da República”.
CONTESTAÇÃO EM PIAS, CRISTELOS E BOIM
O bairrismo e respetivo sentido de independência, a par da sensação de falta de atenção, são aspetos que ressaltam de uma breve auscultação a cidadãos que pedem o regresso ao passado, por via da desanexação das respetivas freguesias. Isso está previsto na lei, mas apesar das vozes dissonantes não se conhecem movimentos separatistas oficiais, ou seja, com petições nas Assembleias de Freguesia.

O antigo autarca de Pias, José Ribeiro da Silva, é defensor da autonomia da freguesia e justifica que “temos tudo para ser independentes e nunca devíamos ter sido anexados por uma lei que nunca devia ter existido, como eu sempre disse”. Para o ex-autarca, “quando éramos autónomos tínhamos mais meios e sabíamos melhor com o que contar” e dá como exemplo “a venda que está prevista de um imóvel da freguesia que vai reverter para a União que pode investir esse dinheiro em Alvarenga, por exemplo, ou outra freguesia da união, quando esse dinheiro é de Pias, pois foi no meu tempo que esse imóvel foi construído”.

Da União de Freguesias de Cristelos, Boim e Ordem não recebemos resposta (em tempo útil) ao inquérito enviado. Trata-se de uma união onde se tem ouvido muitas vozes contra a unificação. Em Boim, por exemplo, o comerciante Manuel Mendonça faz questão de nos dizer que “se houver um movimento cívico, com várias correntes partidárias, pela independência de Boim, eu alinho porque não faz sentido uma freguesia como a nossa, que tem tudo, não ter uma Junta de Freguesia a funcionar em pleno e a zelar exclusivamente pelos nossos interesses”. Outro argumento que apresenta é a “falta de atenção que a freguesia tem, nomeadamente na manutenção das estradas; não temos 100 metros de estrada sem um buraco”.

Uma das vozes discordantes nesta união de freguesias é de Jorge Simão, antigo presidente da junta. Dez anos depois da junção de Cristelos a Boim e Ordem, o ex-autarca mantém a mesma postura crítica. Afirma que “Cristelos foi prejudicada com a união porque perdeu atenção e precisa de uma pessoa a tempo inteiro a olhar pela freguesia”. Jorge Simão julga que “há mais pessoas a pensar como eu, mas não sei qual é a posição dos membros da Assembleia de Freguesia, que são quem devia avançar com o pedido de desanexação”.
Comentários