ISABEL PEIXOTO PEREIRA TOMOU POSSE NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
O seu lado justiceiro e socialmente preocupado, que herdou dos pais (Luís Peixoto, funcionário judicial e Alda Barbosa, professora primária), levou Isabel Peixoto Pereira desde muito cedo a seguir o Direito e daí a magistratura. Tem a particularidade de ser a primeira Juíza Desembargadora de Lousada, cargo em que tomou posse em setembro. Gosta do que faz, mas se não fosse juíza confessa que gostaria de ser neurocientista. Fora da barra dos tribunais é uma cidadã ativa. Quer ser “agente de mudança” num mundo que considera “de abatimento e ofuscamento da esperança”.
A lousadense Isabel Peixoto Pereira, de 51 anos, foi recentemente empossada Juíza Desembargadora, no Tribunal da Relação do Porto. É a primeira vez que uma juíza de Lousada atinge tal patamar judicial. Ao nosso jornal disse que “ter alcançado o lugar de Desembargadora representa para mim o reconhecimento do mérito de um trabalho persistente e continuado”. Contudo, com a humildade que a caracteriza, sublinha que “há em Lousada mulheres com conquistas bem mais merecedoras de atenção”.
A juíza diz que encara esta nova fase da sua vida profissional como “uma ocasião para pôr a render em benefício da Justiça, em que acredito, e dos cidadãos que sirvo, a experiência acumulada, o saber adquirido e a vontade de fazer bem”.
Descreve que ser Juiz Desembargador implica “apreciar e decidir (num coletivo de três juízes) os recursos das decisões dos tribunais de primeira instância, por facilidade de compreensão, os tribunais locais, constituindo-se como um 2º grau de jurisdição ou apreciação, por forma a verificar da justeza e adequação da decisão proferida”.
A carreira judicial foi algo que Isabel Pereira cedo decidiu seguir: “em criança reagia de forma bastante veemente e indignada à injustiça, sob qualquer forma” e mais tarde, na adolescência, lembra-se “de vivenciar realidades como a da indignidade do apartheid, das lutas fratricidas no Ruanda e dos regimes que não respeitavam os direitos humanos e as liberdades fundamentais como questões que me diziam respeito também, direta e imediatamente. Mas ainda as desigualdades sociais que se me apresentavam diariamente”.

Neste âmbito, recorda o exemplo da mãe, professora primária que “sempre trouxe para casa os problemas dos meninos (muitas vezes, os meninos também), que não podiam ter refeições adequadas ou consultas médicas de especialidades e precisavam de apoios que os pais não podiam suportar e isso marcou-me duplamente: enquanto perceção da realidade injusta, desigual e perpetuadora de estigmas, mas, decisivamente, como consciencialização do papel individual na mudança e construção de outras oportunidades e realidades”. Afirma que encontrou no Direito “o lugar por excelência de construção de uma sociedade justa, livre e sem desigualdades”.
Gosta do que faz, mas se não fosse juíza “gostava de fazer investigação numa área próxima da neuropsicologia/ciência, perceber os condicionamentos biológicos, fisiológicos, químicos do comportamento humano e relacioná-los com a aquisição social de comportamentos e valores”, revela Isabel Pereira.
A Justiça em tempos de mudança
A partir do seu trabalho tem uma perceção muito apurada da realidade social e destaca nisso “a fragilidade dos indivíduos isolados numa sociedade que se transformou radicalmente, o consequente individualismo, a hiperbolização de direitos com que se pretende reanimar a perda das referências, a dessolidarização e a atomização têm determinado uma inflação judicial, com exigências acrescidas a que a Justiça não consegue eficazmente responder”.
Esta magistrada entende que “a Justiça surge cada vez mais envolvida no tratamento de problemas sociais e políticos, aparecendo como o último garante da legalidade e da democracia”. Mas sublinha que “a compreensão do espírito do tempo impõe que se tome o lugar da Justiça no essencial e não mutável da sua função real e simbólica de superação de conflitos, apaziguador social e de instituição central na realização da democracia jurídica, como garantia dos cidadãos e de complemento da democracia política”.
Refere ainda a propósito disto que “o paradoxo entre o apelo crescente ao judicial, a intervenção crescente do juiz e a tradicional desconfiança política em relação à justiça está presente e perturba a necessária razão de análise para reenquadramento contemporâneo do problema do lugar da justiça” e acrescenta que “a Justiça não se pronuncia se não for solicitada, mas tem de responder sempre que for solicitada. Nas representações exteriores, por outro lado, a Justiça ficou exposta à visibilidade da mediatização, com os riscos do imediato sem explicação e da sobreposição de papéis”.

A maior conflitualidade e divergências nos vários campos sociais que constatamos no dia a dia levou a uma “centralidade da Justiça como instância de regulação e colocou o juiz como ator e interveniente de primeiro plano nas sociedades que reclamam democracia jurídica”, afirma. E a nossa entrevistada conclui que “o juiz sabe que é o guardador das liberdades e o último recurso na garantia dos direitos dos que não têm outros recursos, mas transporta hoje consigo o sentimento amargo de que o mundo, e até a lei, não têm a magia que lhe permita cumprir no todo o projeto do seu ideal”.
Pedido de escusa num caso
Questionada sobre se já teve algum caso em que emocionalmente não conseguiu ser imparcial e pediu escusa, Isabel Pereira revela que “a única vez que pedi escusa de intervenção num processo foi por uma das partes ser minha amiga de infância, razão pela qual entendi que podia ficar afetada a minha imagem externa, perante as partes, de imparcialidade e isenção. Pedi escusa, não por receio de que a relação de amizade pudesse levar-me a decidir a favor da minha amiga, mas sim pela necessidade de salvaguardar que assim o não pensassem os envolvidos, no caso de o julgamento o vir a ser-lhe favorável”.
Continuando nesta temática da pessoalidade, abordamos a vertente social da juíza, que tem um papel ativo na atividade paroquial. Justifica que “a proposta intelectual e vital cristã não só tem de ser oferecida, como é mais do que nunca necessária no atual debate cultural, social e antropológico. O mundo e a nossa sociedade atravessam uma situação de abatimento e ofuscamento da esperança. Espalha-se uma falta geral de orientação que deixa as pessoas na solidão existencial de quem perde o sentido da vida e provoca reações contraditórias: apatia, desalento, frieza social e insensibilidade ou até mesmo perda da esperança de um futuro”. E conclui que vive a participação na vida social e comunitária “como um anúncio da esperança” e “a participação na vida paroquial não é outra se não parte da minha participação na realidade em que quero ser agente de mudança, que não está assim tão distante do trabalho, da diversão, etc”.
Por fim, importa referir e enaltecer o currículo de Isabel Peixoto Pereira, que concluiu a licenciatura em direito na Universidade de Coimbra, em 1995, e foi admitida, por concurso, ao XV Curso Normal de Formação de Magistrados, no Centro de Estudos Judiciários, em 1996, fazendo aí a formação.
Foi nomeada juíza de direito em regime de estágio e colocada no Tribunal Judicial de Paredes. Depois de concluído o estágio, foi sucessivamente nomeada e colocada como juíza auxiliar no Tribunal Judicial de Paredes; no Tribunal Judicial de Castelo de Paiva; no 1º Juízo do Judicial de Paços de Ferreira, onde foi formadora e permaneceu por cerca de 8 anos; juíza auxiliar nas Varas Mistas de Guimarães; no Círculo de Penafiel; no Juízo Central Cível da Comarca de Porto Este. Foi graduada para acesso à Relação no 11º Curso de Acesso aos Tribunais da Relação, tendo sido colocada na 2ª secção Cível, 3ª Secção Judicial do Tribunal da Relação do Porto, no qual tomou posse no pretérito mês de setembro.

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