MARIA JORGE, UMA ATRIZ NA CAPITAL
São várias as atrizes lousadenses que aqui germinaram para o teatro e foram por esse país fora, umas para mais longe que outras. Arriscaram e triunfaram na realização pessoal, em nome da arte do palco. Maria Jorge Marques é uma dessas atrizes. Atingiu o estrelato em companhias de renome nacional e nos mais importantes palcos de Lisboa e do país. Estará em cena muito em breve na mítica e emblemática Comuna.
Ainda pensou seguir as pisadas do tio Sérgio e do avô Manuel Afonso, mas o jornalismo não era a sua “cena”. Na Orficinazinha, dirigida por Capitolina Oliveira, aconteceu a descoberta e o fascínio pelo teatro, “mas estava longe de imaginar que a minha vida seria por aí. Lembro-me da Capitolina nos dizer que qualquer ação (o exemplo dado era lavar a loiça) tem um potencial artístico. E isso foi muito revelador, a possibilidade de pegarmos em qualquer coisa quotidiana e transformá-la num acontecimento artístico”, recorda a atriz Maria Jorge. “A minha mãe percebeu mais cedo do que eu que era isso que queria seguir e apoiou-me imenso para fazer as provas”, revela. Entretanto, arriscou e foi, fez-se atriz na capital. As portas de Lisboa abriram-se, “surgiu um mundo de possibilidades e acho que é só em Lisboa, a ver coisas com as quais me identifiquei, que reconheço que ser atriz era o que eu queria fazer”, acrescenta.
Ser profissional do teatro tem os seus desafios. Maria Jorge assume que “é uma profissão instável, onde temos de nos estar sempre a atualizar, a reinventar, onde muitas vezes temos de inventar o nosso próprio trabalho. É um salto de fé e há um lado mais intuitivo e de risco que é fundamental. Sendo de um meio pequeno esse salto é ainda mais assustador”.
Mas reconhece que “Lousada, embora tenha projetos culturais de referência, como são a Jangada ou o Conservatório do Vale do Sousa, é um lugar com menos oferta cultural, com menos investimento ou diversidade cultural e isso pode limitar a nossa capacidade de acreditar que podemos fazer outras coisas”. Maria Jorge salvaguarda que “com isto quero dizer que tenho um orgulho imenso em ser do sítio de onde sou, mas o sítio de onde somos apresenta-nos, mas não nos define. No meu caso foi necessário sair para estudar teatro, sair para ver outras formas de teatro, de arte, sair para conhecer outras pessoas, para ter outras referências”.
A peça Cadernos de “foi o espetáculo que mais gostei de fazer (estreou em 2022 e gostava muito de o voltar a fazer e de o fazer fora de Lisboa), porque me era muito querido, porque era um monólogo, porque foi no Teatro Nacional D. Maria II, que foi onde comecei e onde gosto muito de estar”, explica. Além do mais, “toda a equipa estava absolutamente envolvida e entusiasmada, e foi um processo de muita intimidade com quem o pensou (a maravilhosa Raquel S.) e porque foi um espetáculo muito cuidado, muito experimentado e desenvolvido”. Essa produção Cadernos de “parte de um conjunto de cadernos e diários que foram oferecidos à Raquel e, portanto, estávamos sempre a pisar as fronteiras entre ficção e realidade. A transformar em cena teatral aquilo que alguém um dia escreveu para ser pessoal. A performar situações, sensações, desabafos, poesias de alguém que é real e a quem eu emprestei voz, de alguma forma”, esclarece a atriz lousadense.

Tema caro e intenso no setor das artes e do teatro em especial é o dos apoios. Disso diz que com clareza e frontalidade que “nesta semana é discutida na Assembleia da República a proposta de orçamento para a cultura e, uma vez mais, está abaixo do necessário para garantir uma das funções do estado: o acesso à cultura, um serviço público de cultura, garantir que mais projetos sejam apoiados, que as companhias se mantenham, que novos criadores tenham oportunidades, que o setor seja mais diversificado, melhor remunerado, mais apoiado”. E acrescenta que “a cultura, a par da educação, é fundamental para uma sociedade mais inclusiva, mais responsável, mais participativa. E mágica no sentido da liberdade ou da imaginação”.
Neste momento Maria Jorge está em fase final de ensaios de um espetáculo chamado Remédio, nos Artistas Unidos, que estará em cena no Teatro da Politécnica de 16 de novembro a 16 de dezembro. “Há duas personagens que são atrizes, que vestem diferentes roupas, mudam de perucas, bebem bebidas energéticas, falam sobre a sua profissão, dançam e fazem playbacks mas, no fundo, estão a representar a história de uma outra personagem que está internado num hospício. No fundo, e apesar de todo o aparato teatral, o espetáculo é sobre saúde mental”, desvenda a atriz.
Sobre a fase atual da sua carreira, Maria Jorge conta que desde o ano passado decidiu “ser trabalhadora independente, trabalhar com companhias, mas temporariamente e não de forma vinculativa”. Reconhece que “é uma escolha mais incerta, mais arriscada”, mas que lhe tem permitido “trabalhar com pessoas diferentes, fazer espetáculos muito diversos e poder escolher aquilo que me faz sentido fazer”.
Para mais adiante “na área da cultura há ainda muitas coisas que quero explorar. Desenvolver um projeto em Lousada é, certamente, uma delas”, conclui. Fazemos votos para que assim seja.

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