Identidade é tudo aquilo que nos define, tudo aquilo que nos transporta ao início de tudo, fugaz instante o entrelaçar de um companheirismo efémero ou eterno funciona como o gatilho para o início da vida. Mais tarde somos confrontados com a selva a que estamos condenados e somos surpreendidos com o caminho a percorrer – uma inevitabilidade impossível de escapar, porque ser o autor dessa inevitabilidade é o propósito escolhido, por muito digamos ser senhores da nossa vida. Há quem chame a tudo isto destino ou consequência do nosso livre-arbítrio. E a identidade inicia o seu caminho. Caminhamos muito antes de aprender a caminhar: a identidade forma-se todos os dias e todos os dias assimilamos tudo aquilo que nos vai definir. E é esse acumular que nos permite a visualidade e a plasticidade das coisas com que interagimos, o contacto com tudo o que nos rodeia, a beleza ou a fealdade das coisas, as paisagens que nos envolvem, a malha edificada que apreciamos e nos transporta ao passado longínquo ou próximo, aos nossos ascendentes, a tudo o que somos, a tudo que ainda podemos acrescentar, a tudo a que podemos considerar memória. Assim nos completamos, dado que a memória não é mais do que o cruzamento das diversas identidades que somos e das memórias que herdamos e acumulamos dia após dia.
Tudo isto tem uma razão, uma evidência: identificamo-nos com as memórias que os nossos ancestrais nos legaram e recusamos o seu desaparecimento, a agressão a que têm sido sujeitas, tendo como alicerce o progresso e o desenvolvimento ou a realização de mais-valias. Quando a memória de todos nós não é protegida, preservada, cuidada, tem a consequência direta de violentar a nossa identidade, o sentir do coletivo.

Na parte que me toca sinto que as minhas memórias, o legado que recebi, estão a ser delapidadas, sonegadas, surripiadas, violentadas, etc.
O que resta? Os registos dessas memórias em fotografia, em vídeo, que este ou aquele registou, portanto, devem ser dados a conhecer, para, dessa forma, pertencerem a todos: registadas em livros ou em jornais ou em revistas ou pela paleta de um artista, por exemplo. E também as lembranças dos mais velhos, lembranças que devem ser procuradas, escutadas e registadas: livro, cinema, teatro ou em outro formato que o digital permite.
Não preservar a memória é matar a identidade, é cercear o futuro, pois este é construído a partir das concretizações dos nossos avoengos. Assim, tudo deve ser feito para que a identidade e a memória não sejam deslembradas ou esfaceladas.
José Carlos Silva
Professor e historiador
Comentários