Professor de artes é “artista de horas livres”

Joaquim Alexandre Ribeiro: A moldar lousadenses pela arte

O professor Joaquim Alexandre Nunes Ribeiro é um cidadão que “por muito que queira, nem sempre consegue passar despercebido”. Ser discreto é difícil para quem ganha notoriedade na sociedade. Isso decorre sobretudo do ensino das artes. Por muito que lhe custe admitir, a ele se deve muito do incremento artístico que Lousada adquiriu nas últimas décadas. Dedica-se de tal forma ao ensino, formal e informal, que a sua produção própria fica para os tempos livres.

A maior parte dos 61 anos de vida de Joaquim Alexandre foram passados na terra natal, Santa Eulália da Ordem. “Tenho boas recordações das brincadeiras com um primo meu, era o irmão que não tinha. Éramos os únicos rapazes nestas famílias que viviam muito próximas. Com ele e mais tarde com os amigos que a escola nos proporciona, a primária da Ordem, explorávamos a zona circundante onde morávamos, brincávamos aos cowboys na mata, andávamos de bicicleta, íamos para a casa de um vizinho lavrador e participávamos (acho que grande parte das vezes atrapalhávamos) em certas atividades do campo, como virar o milho quando está a secar na eira, ou jogar o monopólio e outros jogos da altura com as discussões próprias da idade, por não aceitar as derrotas”, relata o professor.

Desde criança que teve uma inclinação para as artes, nomeadamente para o desenho e a pintura. Afirma que isso foi motivado pelo meio familiar, através do avô, da mãe e de uma tia. E não esquece a influência também decisiva da professora primária, Guadalupe Queirós, “que é injustamente esquecida”.

Formou-se na Faculdade de Belas Artes, do Porto e a opção pelo ensino “foi tomada depois de ter abdicado da profissão de oficial de justiça num tribunal do Porto onde trabalhei cerca de três anos, com muito esforço e algum sacrifício para não falhar na função que me competia”. Aquilo não era para um artista e pediu a exoneração do cargo, para seguir a profissão “que tenho um imenso prazer em exercer”.

Apreciador atento da evolução cultural e artística de Lousada, Joaquim Alexandre tem assistido “a vários e diversificados eventos artísticos nos últimos vinte anos, que me surpreenderam, tendo em conta o meio e a população do concelho quando comparado com outros, nossos vizinhos”. Sobre esta evolução, considera que “em certa medida poderá estar relacionada com o papel da escola secundária na formação dos jovens do concelho, uma vez que, espero não cometer nenhum erro de datas porque há registos na escola, a partir do ano letivo 2005/2006, deu-se início ao curso de artes visuais na escola secundária, embora antes desta data houvesse um curso tecnológico artístico ligado à área do design”.

No seu tempo de estudante não havia esta oferta. “O meu percurso escolar foi afetado por esta ausência e tive de ir estudar para fora. Não havia o curso de artes visuais em Lousada muito menos, acho eu, uma escola secundária. Daí ter escolhido uma outra área numa escola de outro concelho, que também não tinha o curso de artes visuais, portanto não era somente neste concelho, e só quando decidi ir para o Porto, para a casa da minha tia, é que tomei o rumo certo”, descreve o professor.

ENSINA ARTE A JOVENS E ADULTOS

Quando lhe dizemos que é por muitos considerado um dos fomentadores ou precursores da arte em Lousada, diz que que não se considera como tal. Acrescenta que “só estarei de acordo (com essa ideia) se considerar que a escola é um meio preferencial para que estes jovens agarrem as artes de forma profissional e artística na sua vida depois do percurso escolar e que a escola poderá ser uma rampa de lançamento para eles dentro desta área. Mas não dependeu nem depende somente de mim, este processo contou e conta com várias pessoas, desde os corpos diretivos que a escola teve a partir da abertura deste curso, aos meus colegas de trabalho que também contribuíram e contribuem, para que os alunos tenham uma educação ou formação aberta a vários pontos de vista, tendo em conta as potencialidades que cada professor tem na sua prática letiva ou artística”.

Ainda no que respeita ao aumento de alunos e de produção artística em Lousada, o professor Alexandre recorda que “há trinta ou quarenta anos não se falava desta adesão em todas as camadas etárias da população, aqui como nos outros concelhos circundantes. Mas hoje vejo alguma vontade e mesmo envolvimento destas gerações em procurar, e volto a sublinhar, na minha perceção, atividades na área das artes”.

Joaquim Alexandre Ribeiro

Um exemplo desse incremento artístico acontece na universidade sénior Primeiro Plano, com “um grupo de pessoas que passaram para a aposentação, as quais oriento em sessões semanais, porque querem aprender e usufruir daquilo que as artes visuais lhes proporcionam, fazer algo dentro das artes e despertar para os valores estéticos, penso que é um sinal de que algo está a mudar no nosso meio”.

A mudança de mentalidade faz com que as artes sejam vistas de uma forma mais positiva e produtiva que há alguns anos. Mas ainda há barreiras e preconceitos: “Penso que é um problema do país, claro que em Lousada poderá ser mais profunda esta ideia nas pessoas, por vários motivos que expor aqui iria prolongar a entrevista, porque se olharmos para os sucessivos orçamentos de estado, a cultura fica sempre com uma parte, a meu ver, residual. Também a falta de informação e discussão nos vários canais de comunicação, no sentido de esclarecer e formar as pessoas que os eventos e as atividades ligadas às artes gera riqueza e acrescenta valor em outros setores da sociedade. Penso que será esta a principal razão destes pais não acreditarem porque só conhecem o sucesso de outras áreas profissionais”.

SIMPLICIDADE E RECATO

Ao longo da sua carreira docente, muitos foram os alunos que redundaram em casos de êxito profissional. “Quando se começa um ano letivo, tenho quase sempre novos alunos, no início do 3.º ciclo e particularmente no curso de artes visuais, vou conhecendo os alunos e paulatinamente construo o percurso de cada um através do seu desempenho. Claro que se criam expectativas de cada um deles mas até hoje, falando de desapontamento, não se verificou porque nos seus percursos, vou percebendo, talvez pela experiência que tenho adquirido nestes anos de docência, o(s) objetivo(s) que cada um pretende ou deseja”. O inverso, “sim, aconteceu algumas vezes e fico muito feliz por isso, porque em certa medida é o resultado do meu empenho na vida destes jovens e sinal que acrescentei algo na sua formação. Por exemplo, na escola temos uma atividade plurianual  com a parceria da câmara municipal, que presenteia as escolas envolvidas com o financiamento de artistas convidados para pôr em prática essa atividade, um deles foi meu aluno e com um grande currículo na área da arte urbana, que tenho muito gosto em trabalhar com ele”, declara.

Os planos futuros de Joaquim Alexandre alinham-se pela bitola da simplicidade e recato. Revela que já foi convidado “a fazer parte de uma lista numas eleições autárquicas por um partido, mas recusei porque gosto imenso de ter uma ação isenta de qualquer força política e poder manifestá-la sem qualquer constrangimento em qualquer situação”. Pretende continuar a ensinar, seja formal ou informalmente. “Neste momento tenho a atividade com aquele grupo de pessoas, que querem aprender para além das profissões que tiveram. No campo das artes, também tenho dado o meu pequeno contributo na Santa Casa da Misericórdia de Lousada, nos últimos cinco anos. E estou recetivo a participar em ações que beneficiem a minha comunidade”.

A sua “produção artística” propriamente dita, fica para segundo plano: “vou desenhando e pintando, não da maneira que queria, mas dentro dos intervalos que a docência permite. Ou seja, um artista de horas livres”.

Joaquim Alexandre Ribeiro

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