por | 17 Fev, 2024 | Abril Louzadense, Cultura

Amanhã virás Sol, amanhã virás

ABRIL LOUZADENSE (IX)

Um dos maiores vultos portugueses da luta contra a ditadura foi o aparecidense Arnaldo Pereira de Oliveira Mesquita. Nasceu a 16 de Janeiro de 1930, na Senhora Aparecida (Lousada), onde frequentou a escola primária. Fez o curso liceal em Guimarães e depois rumou a Coimbra, em 1947, para iniciar o curso de Direito, abandonando a vocação de professor, por saber de antemão que não seria aceite na função pública devido às suas convicções comunistas. Em Coimbra, realizou importante agitação política na Associação Académica e no Movimento de Unidade Democrática (MUD).

Licenciou-se em 1954, sendo depois convocado para o serviço militar. Dali regressado, Arnaldo Mesquita casou-se com Maria Alcina Gomes, sua companheira de sempre, da qual teve dois filhos. No dia imediato ao casamento, compareceu no Tribunal Plenário do Porto, para defender com o advogado Armando Bacelar, de quem era estagiário, os detidos Ruy Luís Gomes, Virgínia de Moura e outros elementos do Movimento Democrático, acusados pelo regime de antipatriotismo e que incorriam numa pena de até 20 anos de prisão. Tomou anotações relevantes durante o processo de julgamento e acabou preso pela PIDE, em 1955, por não facultar esses apontamentos, que entretanto foram remetidos a advogados influentes. Esteve detido preventivamente durante seis meses na Cadeia do Aljube.

Em 1959 foi novamente preso, acusado de ter participado no 5º Congresso clandestino do PCP e de ser dirigente do Partido. Neste período foi submetido à famigerada tortura do sono, com interrogatório diário de várias horas, durante duas semanas sucessivas. Acabou absolvido, em 1960.

Muitas vezes em pro buono, Arnaldo Mesquita defendeu inúmeros presos políticos nos Tribunais Plenários e conquistou especial notoriedade em 1964, como defensor de Maria Piedade. Esta antifascista encontrava-se presa como represália enquanto o marido, Joaquim Gomes, dirigente do PCP evadido do Forte de Peniche, com Álvaro Cunhal, não fosse recapturado. Liderando um amplo movimento de contestação de juristas e intelectuais, conseguiu a libertação da sua constituinte. Maria da Piedade tinha sido condenada a três anos e estava já presa há nove anos. Juntamente com Salgado Zenha, Arnaldo Mesquita conseguiu que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem se pronunciasse e denunciasse esta prática, o que resultou na libertação da detida. Ao fazer revogar esta medida discricionária, Arnaldo Mesquita atingiu os fundamentos repressivos do regime. O mesmo feito alcançou o seu segundo importante triunfo jurídico: conseguiu ver anuladas as declarações dos presos que não contassem com a presença dos advogados defensores. Por vingança, a PIDE prendeu Arnaldo Mesquita pela terceira vez, em 1966. O apoio de Francisco Salgado Zenha e do seu defensor Armando Bacelar foram determinantes para a sua absolvição, mas não impediu a grave deterioração do seu estado de saúde. Mesmo assim, manteve-se no exercício da advocacia, e o seu escritório, na Rua do Almada, no Porto, foi sempre associado à militância democrática e luta pelos direitos humanos.

O ano de 1965 foi muito duro, não só porque foi aquele em que ocorreu o assassinato pela PIDE do general Humberto Delgado e da sua secretária, Arajarir Campos, em Badajoz (Espanha), como porque se assistiu então a um aumento da violência nos interrogatórios feitos por essa polícia. Os presos da Frente de Ação Popular/Comitê Marxista-Leninista Português (FAP/CMLP), organização de extrema-esquerda nascida depois de uma cisão maoísta no PCP, foram todos sujeitos a violentas torturas. Por seu turno, os funcionários do PCP então detidos foram sujeitos a sevícias cada vez mais violentas. Nesse contexto de cativeiro tenebroso, Arnaldo Mesquita escreveu Amanhã Virás, o primeiro de vários livros de poemas que publicou, no qual retrata memórias da sua vida e relatos sombrios da prisão, mas onde perpassa amiúde uma forte esperança no triunfo da democracia.

Depois do 25 de Abril, Arnaldo Mesquita foi um dos fundadores da União de Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP). Foi sucessivamente eleito para a Assembleia Municipal de Lousada, primeiro nas listas da FEPU, depois nas da APU e CDU. Naquele órgão autárquico e nas intervenções públicas foi sempre fiel a si próprio e às suas convicções, persistente e combativo.

A Câmara Municipal de Lousada condecorou-o com a Medalha de Prata de Mérito Municipal, em 2008, consagrando o advogado, o poeta e o antifascista. Em 2009 foi homenageado pela União dos Resistentes Antifascistas Portugueses (URAP).

Morreu aos 80 anos, a 1 de Janeiro de 2011. No funeral compareceram representantes de órgãos autárquicos de diferentes formações políticas, das direções dos partidos políticos PS e PCP, além de inúmeros companheiros e populares.

Deixou obra publicada: Amanhã Virás (1971), 70 Poesias Breves (1987), Em Tempo de Fascismo (1987), Sejam Amplas as Janelas (1999), Aquele (2000), Dispersos (2001), As Duas Vozes (2003), Aves Ledas (2006), À Mulher (2008) e Nascido no Monte (2009).

Fontes consultadas: Pimentel, Irene F. (2011) in  A Polícia Política do Estado Novo Português; Esteves, João (2009) in silenciosememorias.blog; Fernandes, L. A. (2011) in correiodoporto.pt/obituario/faleceu-arnaldo-mesquita-1930-2011; Carvalheiras, J. C. (2013), in Os Louzadenses, Vol. III, Edição de Autor.

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