“Lousada é um pequeno paraíso no meio dos tubarões” Padre Paulo Godinho

Natural de Ovar, o padre Paulo Godinho tem 30 anos. Em Lousada, há cinco anos, conhece já bem o concelho e as suas tradições. Às portas das Festas Grandes em Honra do Sr. dos Aflitos, O Louzadense esteve à conversa com o pároco para conhecer melhor esta edição das festas, particularmente no que diz respeito à vertente religiosa.

Sempre teve, desde cedo, a ambição de ser padre?

Sim, acho que não é propriamente uma ambição. Sempre procurei que fosse o despertar de uma vocação, uma vontade de querer construir um projeto de vida, assente numa especificidade tão bonita, como é a entrega aos outros e ao serviço pelos outros. Neste caso muito concreto, sendo padre. Mas foi uma realidade que sempre esteve presente na minha vida, desde que me lembro.

Tem mais alguém na sua família que tenha seguido a vida religiosa?

Tenho, sim senhor. O meu tio e padrinho. Também costumam dizer que o meu padrinho colocou as bênçãos todas no afilhado. O afilhado também é padre e sportinguista. O meu tio é também pároco aqui pertinho, no concelho de Paredes.

Onde foi a Sua primeira missa, a sua Missa Nova?

A Missa Nova normalmente está sempre associada à primeira, mas quando celebrei a eucaristia na minha terra, em são Vicente de Pereira, já tinha celebrado a eucaristia na Sobreira, com o meu padrinho, já tinha celebrado em Matosinhos, na terra do Senhor de Matosinhos, onde fiz o meu estágio pastoral, e depois, a 3 de agosto de 2014, celebrei a Missa Nova na minha terra.

Então, esse momento, relembra mais a da sua terra?

Claro, são sempre as nossas origens. Ali estão 25 anos de história da minha vida. Com aquela gente que me viu crescer desde bebé.

Alguma vez pensou em desistir ou teve sempre essa vontade de continuar?

É claro que no caminho que percorremos nem sempre as ideias são claras logo à primeira. É quase como uma criança, quando a determinada altura diz que tem um sonho e procura, na medida possível, à medida que vai crescendo, uma tentativa de o realizar. Mas, para o realizar, necessita de perceber se aquele sonho faz sentido ou não faz. E aqui vai um bocadinho nessa perspetiva. Desde que sou gente, como lhe disse, tive sempre a vontade de ser padre, mas, à medida que uma pessoa vai crescendo, vai começando a olhar a vida de outra forma, vai começando a entendê-la de outra maneira, vai começando a ter outra compreensão das coisas e vai-se questionando se, de facto, aquele sonho de criança faz sentido na vida adulta, pois é um projeto que não é apenas para um determinado momento da vida mas que nós abraçamos com o propósito de ser para a vida toda. Eu costumo dizer muitas vezes que, ao longo deste trajeto, nenhuma porta se fechou, sempre as outras portas de outras formas de vida estiveram abertas. E, volvidos estes cinco anos, não estou arrependido de nada.

Quando é que lhe surgiu o nome Lousada? Os sentimentos que tinha quando chegou são agora diferentes?

Eu costumo utilizar uma expressão muito curiosa: “Lousada é um pequeno paraíso no meio dos tubarões”. Lousada, para quem vem de fora, acaba por ser um lugar que tantas vezes passa um bocadinho despercebido no meio da amplitude de Paços de Ferreira, Paredes, Felgueiras e Penafiel. E, de facto, quando cheguei cá, disse às pessoas que talvez tenha ouvido, uma ou outra vez, falar de Lousada. Mas de facto foi uma das melhores surpresas que eu tive até hoje na vida.

Lembra-se de quando chegou cá? Que reação as pessoas tiveram?

Quando cheguei cá, o primeiro impacto foi extremamente positivo, o que fez com que, desde o primeiro dia, eu me apaixonasse por esta terra. Estou muito apaixonado e gosto muito da minha terra de onde sou natural, mas apaixonei-me também por esta terra. Em virtude sobretudo do acolhimento que as pessoas me prestaram, do carinho que sempre me manifestam, ao ponto de ouvir muitas vezes a expressão da parte das pessoas: “Ó senhor Padre, o senhor tem idade para ser meu neto ou filho”. Isto de facto expressa muito o carinho e o bom acolhimento que as pessoas me deram e dão a toda a gente.

Ajuda o facto de ser um concelho jovem? Há muita juventude e nota-se isso à sua volta também.

Sim, é claro que, quando as condições são boas, tudo se propicia para que as coisas corram bem e o facto de ser um concelho jovem faz com que o potencial seja extremamente grande.


Quando está com os jovens, a figura de padre está lá, como é óbvio, mas procura estar na comunidade interagindo como se um deles se tratasse.

A melhor forma de compreendermos e fazermos sentir às pessoas que estamos com elas é, de alguma forma, vivermos como elas. E eu costumo dizer muitas vezes, citando o Santo Agostinho: “para vós não sou o bispo, mas convosco sou um irmão”. E digo-o muitas vezes para frisar este raciocínio de que para as pessoas posso ser o pároco, mas com elas quero ser um amigo. Um amigo que as compreende em todas as circunstâncias, em todas as situações e gostaria que as pessoas me vissem assim e elas fazem questão disso mesmo, de me ver dessa maneira. E é assim que eu me sinto bem, que as pessoas me sintam um deles.

Nas Festas Grandes, preocupou-se em renovar o culto pelo Senhor dos Aflitos e tentou dar-lhe o seu toque. Conseguiu realmente que esta parte religiosa, que é uma parte muito importante, esteja de acordo com a sua visão?

Sim, algumas coisas considero que sim. Antes de fazer o que quer que seja, nós precisamos de observar primeiro e ver como é que as coisas funcionam. No primeiro ano que cá estive, foi essa a minha postura. Não quis fazer nada de novo, simplesmente quis replicar aquilo que anteriormente fizeram. Portanto, quis ver em que moldes é que as coisas estavam organizadas. As tradições são realidades e têm muito peso na vida das pessoas e das comunidades. Claro que, nomeadamente, aqui nas festas em honra do Senhor dos Aflitos, a minha postura foi exatamente essa. No primeiro ano, quis observar. E uma das coisas que considerei, porque ouvia falar, era o momento da descida e da subida do Senhor dos Aflitos. Só que o que me impressionou, de facto, no primeiro ano, foi toda uma envolvência de pessoas que vinham à capela para ver esse momento. Isto de facto inquietou-me e disse: “Em 2016, vou ter que dar aqui uma amplitude maior a este momento”, porque acho que também podemos aproveitar esses dois momentos, a descida e a subida do Senhor dos Aflitos, para alargar um bocadinho o programa religioso. Então, procurei dar um sentido muito mais religioso, muito mais de oração, a esses dois momentos. Desde o primeiro ano em que o fiz, 2016, recebi imediatamente comentários muito positivos, ao ponto de, desde então, nunca mais deixar. E isso vê-se à medida que os anos vão passando, a participação vai sendo cada vez maior.

Acaba por ser um dos momentos altos das festas…

Sim, porque, falando da descida e da subida, a imagem do Senhor dos Aflitos é uma imagem muito querida, as pessoas têm uma grande devoção ao Senhor dos Aflitos. O facto de colocarmos o Senhor dos Aflitos no local onde normalmente o colocamos, quase no chão, possibilita uma aproximação das pessoas a uma imagem que lhes é muito querida. E depois temos aquele tempo de adoração durante toda a tarde. Este acaba por ser o movimento que o próprio Jesus quis imprimir na vida das pessoas, marcando esta proximidade, esta vontade de se fazer com outros, um para os outros. E vai-se dando assim este significado, que eu acho que tem sido extremamente positivo.

Na procissão, seguiu aquilo que viu no primeiro ano?

Sim, na procissão as alterações não foram muitas, porque aquilo que se tinha a fazer estava tudo muito bem feito. Se calhar houve um ou outro ajuste, mas não passou disso.

A parte religiosa é que cria os fundamentos do arraial desta festa e não propriamente a parte pagã. Ou as duas têm de ser conciliadas?

É claro que as Festas Grandes em honra do Senhor dos Aflitos têm o Senhor dos Aflitos como razão de ser. E talvez essa visão tenha sido o que fez com que todo este esforço, de ampliar o programa dito religioso, que se passa aqui na capela do Senhor dos Aflitos, fosse uma realidade mais presente ao longo do tempo. Têm vindo pessoas de fora, padres amigos, que ficam encantados, tal como eu também fiquei encantado no primeiro ano quando vi todo aquele mar de gente a ver a procissão passar. E eu acredito que muitos não estão ali apenas para ver, mas para aproveitar aquele momento para rezarem também um bocadinho. Mas obviamente que também considero importante o outro lado que as festas envolvem. Não deixo passar as festas sem ir dar uma olhadela a tudo o resto. Eu gosto muito de, nestes dias, fazer o meu passeio quase todos os dias pela festa, passando pelos vários lugares e pelos divertimentos, ouvindo os concertos. Eu acho que todos os momentos são extremamente importantes para criar este espírito de convívio e de encontro, porque há muitas famílias que se encontram neste momento das festas.


Na primeira vez que viu estas festas, notou que este era um grande evento?

Sim, óbvio que sim, por toda a amplitude que as festas têm. Como lhe disse, estagiei no Senhor de Matosinhos, que possui também uma festa enorme, com características muito próprias e diferentes das de aqui. Mas, de facto, fiquei deveras impressionado desde o primeiro ano por toda a envolvência, pela importância que as pessoas dão. Mesmo, ao longo do ano, vou falando com os jovens e com outras pessoas, que vão dizendo: “Quando chegarem as festas, vai ser o momento para a gente andar junto, para a gente se encontrar, para a gente ir tomar um copo, passear um bocadinho, ouvir os concertos”. Portanto, as próprias festas são muitas vezes esperadas com alguma ansiedade.

Vai haver alguma surpresa nesta festa, para além do que é normal?

Nas festas, em relação à parte religiosa, surpresa não vai haver nenhuma. Claro que vamos procurar fazer com que tudo corra otimamente bem. Vamos ter o arranque das festas já na próxima terça-feira, com um concerto de música.

Também foi uma ideia que surgiu de si?

Já foi uma situação que começou no ano de 2015, creio eu. Na altura, veio o Coro de Carvalhosa. Foi mais um momento para mostrar que a capela do Senhor dos Aflitos é o lugar central e por isso é no lugar central que as festas têm de acontecer. Mas vamos possibilitar que a capela do Senhor dos Aflitos seja também um lugar de expressão de cultura e, neste caso, de cultura musical. E este ano, na próxima sexta-feira, dia 19 de julho, vai haver um concerto integrado no Festival de Concertos Internacional, que está a decorrer e que envolve vários coros de vários concelhos, inclusive o coro feminino no nosso Conservatório também estará presente. Lançaram esse desafio: se a capela do Senhor dos Aflitos podia ser aberta para acolher um concerto desses e acabei por juntar um bocadinho o útil ao agradável. Já que acolhemos o concerto desse festival, também marcamos o início dessas festas em honra do Senhor dos Aflitos. Estará connosco o Coro Ancião de São Pedro da Cova e vem também um coro da Polónia. Por isso vai também ser uma boa forma de contactarmos com a música de outro país.

Sendo jovem, poderá ter de seguir o seu percurso e ter de ir para outros locais. Gostaria de ficar em Lousada?

Desde o dia 13 de julho de 2014, quando fui tornado padre, prometi obediência ao meu bispo e essa obediência passa também pela disponibilidade de estar aberto a tudo aquilo que forem os pedidos do bispo. E, da mesma forma que lhe dei o “sim”, na altura ao Senhor D. António Francisco, quando ele me propôs que viesse para aqui, será também o mesmo “sim” quando novas propostas e novos desafios forem lançados. É óbvio que, neste momento, não vai acontecer, sem dúvida alguma.

Sente-se lousadense? Apesar de não estar aqui ainda há muito tempo?

Posso dizer que as pessoas me ajudaram a sentir-me um de cá. Como é óbvio, as minhas origens hão de me acompanhar até ao resto da minha vida, o sentimento pela terra natal, por quem muito me acarinhou, porque foi a terra onde cresci, a terra onde eu aprendi, onde vivi a minha infância. Sentir-me-ei sempre um filho da terra de São Vicente de Pereira em Ovar. Agora, é óbvio que estes 5 anos me fazem, já há muito tempo, sentir em casa.


“Posso dizer que as pessoas me ajudaram a sentir-me um de cá.”

Como é o seu dia a dia? Tirando a parte religiosa, como é o Paulo Godinho?

O nosso dia a dia, enquanto padre, varia muito, não temos aquela formatação, em que nos levantamos às 6 horas, vamos para determinado lugar, depois temos a hora de almoço. O meu dia a dia não tem horários. O único horário que eu tenho certo no meu dia a dia é o horário da eucaristia aqui na capela do Senhor dos Aflitos às 19 horas. Todo o resto do dia é passado em função daquilo que for necessário fazer. Sendo que primo neste momento por estar aqui na capela do Senhor dos Aflitos e, na terça, quarta, quinta e sexta, nas minhas tardes, estar disponível para o atendimento às pessoas, horas que obviamente vão sendo também utilizadas para resolver estes e aqueles assuntos mais administrativos, mais burocráticos, para visitas a doentes e para outras coisas. À quarta-feira de manhã, não dispenso a minha horinha de futebol. Juntamo-nos um grupo de padres em Meinedo, por volta das 11:30.

E quanto à música?

A música também é um hobby, embora não lhe dedique o tempo que desejaria, mas é algo de que gosto imenso. O único tempo que eu tenho disponível para mim é à noite, para descontrair um bocadinho, ver um bocadinho de televisão, uma das coisas de que gosto muito de fazer e não tenho problema nenhum de o dizer é de jogar duas ou três partidas de Playstation, porque faz bem, porque são momentos que nos permitem desligar de tudo e descontrairmos um bocadinho, e essas descontrações também são importantes para a nossa sanidade mental.

Preocupa-se com as questões sociais… Lembro aquela iniciativa nos bairros de bastante proximidade. É importante a sua ação?

Claramente. Quando surgem oportunidades, eu não posso deixá-las passar em claro e tenho que as aproveitar, sobretudo as oportunidades que me são dadas de me fazer próximo das pessoas. Daí que haja muitas iniciativas, não apenas a nível paroquial, mas tantas vezes a nível das coletividades, das autarquias, que vão envolvendo as pessoas e possibilitando-lhes estarem presentes. Eu também procuro estar, porque um padre tem de fazer com as pessoas, para que não sintam o padre apenas como alguém que está lá no altar, mas como alguém que vive com elas no dia a dia, que experimenta com elas aquilo que elas experimentam, que procura esta no lugar onde elas estão. O meu lugar não é só na capela, nem nas igrejas paroquiais. O meu lugar é onde as pessoas estão.

Deixe agora uma mensagem final sobre as festas.

A mensagem é transversal a todos os anos. A vida é demasiado curta para perdermos tempo com coisinhas. Toda a oportunidade que nos é dada devemos aproveitá-la como sendo uma oportunidade única. Costumo dizer muitas vezes que, embora muitas circunstâncias sejam repetidas este ano, como vão ser para o ano, como foram no ano passado devemos encarar sempre como uma realidade nova e única. Por isso, aquilo que eu peço às pessoas é que não as vejam como mais umas, mas que vejam como as festas em que são possibilitadas oportunidades de crescer em convívio, na partilha, no encontro de amigos, entre família, e que privilegiem sempre o bom ambiente próprio de quem quer aproveitar bem a vida.

▐ Manuel Pinho | diretor@olouzadense.pt


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