Passamos por mais um período eleitoral, onde pudemos assistir a um conjunto de situações que claramente nos servem de barómetro para o país real que temos e sobretudo para a região onde vivemos .
Já há algum tempo que participo ativamente em ações que possuem como principal objectivo, ajudar a dar visibilidade a uma zona do País marcada pela juventude e pela sua situação de transição entre o litoral e o interior profundo, possuidora de enormes potencialidades , mas que necessita de trabalho , para que a sua população possa por ela própria criar padrões de desenvolvimento de acordo com princípios que dirijam a humanidade para a vida boa, a vida que vale a pena ser vivida.
Isto então está intimamente ligado à ideia de sabedoria ,princípio norteador ,de toda a minha reflexão, e daquela que deve ocupar o lugar cimeiro sobre a humanidade.
Mas o que é a Sabedoria?
Comecemos com o mito de Epimeteu ( o que pensa depois) e Prometeu ( o que pensa antes), de forma resumida Epimeteu pediu ao Irmão Prometeu que o deixasse distribuir as qualidades pelas criaturas terrenas , mas como era dotado de sabedoria muito inferior à de Prometeu , acabou todas as qualidades antes de chegar aos humanos …
Prometeu ao inspecionar o trabalho do seu irmão depara-se com esta injustiça e resolve corrigi-la roubando Deuses para dotar o homem de todas as suas capacidades.
Zeus furioso, decide vingar-se de Prometeu, Epimeteu e da humanidade.
A prometeu encarcera-o no Monte Cáucaso fazendo-o sofrer martírios terríveis, sendo libertado por Hércules .
Zeus a partir de uma estátua de barro cria a mulher , Pandora , dotando-a entre outras características, da curiosidade, da astúcia e da falsidade. Envia-a a Epimeteu que se deslumbra perante tanta beleza . Como prenda de casamento Zeus dá uma caixa fechada , entregando a chave a Pandora advertindo que a felicidade só se manteria enquanto a caixa não fosse aberta…
Bem, a Pandora , segundo alguns, após um momento de intimidade física com Epimeteu, aproveitou o seu consequente sono e não resistiu à curiosidade abrindo a caixa.
Dela saíram todos os males para a humanidade , restando apenas a esperança…
Então o que é a Sabedoria ?
É consequência da tradição ? Tradição implica espartilhar a realidade, dar limites a uma experiência sensória que esmaga o ser e o tenta reduzir a um elemento cuja única distinção admissível é entre pares da mesma tradição.
É a acumulação de conhecimento ? Talvez ajude, mas a verdade é que para aumentarmos claramente o repertório , precisamos de exercitar a mente , o conhecimento … Agora está na moda o exercício físico, mas na verdade o conhecimento exige grande exercício e quero assegurar-lhes que o promovo ao limite.
É sermos mais espertos, astutos? O sermos mais espertos , astutos implica desde logo um aproveitamento , até em certa medida, algum desprezo por aquele que é menos esperto. Então,sabedoria aqui seria algo como aceitando princípios de uma ética baseada no engano.
É em si própria a garante da moral ? Mas o que é a moral ? São princípios que mantemos estejam ou não a controlar-nos será definição de espectro geral. Mas sabedoria como garante da moral seria impor uma medida rígida nos princípios morais, e eles ,como todos sabemos alteram-se pelo menos com o tempo e as circunstâncias…
É consequência de algo divino ? E o que é o divino ? É o ser crente numa qualquer religião? Ou podemos assumir que é aquilo com que alimentamos o espírito ? Se a primeira premissa pode levantar dúvidas, já a segunda permite ao menos perceber que o verdadeiro conhecimento, como caminho para a sabedoria, não é na sua essência, apenas científico mas carece do que nos alimenta, a alma para os dualistas o inconsciente para os monistas.
Aqui voltamos ao mito inicial, na caixa ficou a esperança… Mas esperança e medo, são faces da mesma moeda e por isso a nossa angústia constante , que se agudiza quando caímos na lucidez daquilo que é o fim da vida.
Não existe o tempo,o tempo é uma medida abstrata necessária à memorização que nos faz avançar. Existe apenas apenas fluxo em entropia, tendendo para o caos, que contém nele próprio, o ritmo da evolução.
Uma evolução, marcada sempre pela sobrevivência do mais apto, não do mais forte. Uma evolução onde o objectivo de expansão da espécie humana, faz muitas vezes esbarrar a procriação com a sobrevivência a partir da medição dos recursos disponíveis, num sentir palpitante do é vida na sua essência mais primária.
Vida que se torna numa luta constante no eu de cada um cada um entre o que assiste ao filme e o que participa nele, entre o consciente e o inconsciente , entre a carne e a alma …
Sabedoria será então , de forma derradeira, compatibilizar estes dois eus, o exterior com o interior ,aceitando a vida como ela é , amando-a como ela é , tal qual se ama a pessoa querida independentemente do que ela é realmente, conhecendo-nos cada vez mais , num processo de enriquecimento interior.
Obrigado!
Ricardo Pereira