No meu último artigo de opinião “Saudades do futuro” destaquei o contributo decisivo de duas classes profissionais para que Portugal esteja a ultrapassar esta profunda crise com relativo sucesso: os profissionais de saúde e os profissionais de educação. Sobre esse destaque devo esclarecer duas questões. A primeira é que foi feita sobretudo para destacar a ironia do destino que colocou na linha da frente do combate à Covid-19 dois conjuntos de profissionais que foram vítimas dos principais cortes salariais impostos por este governo na sequência da última crise financeira. A segunda questão é que o destaque dessas duas classes profissionais aparece com a ressalva “como muitas outras”, reconhecendo-se que havia e há muitas outras pessoas a trabalhar e a trabalhar bem para que esta crise não esteja a ser em Portugal a calamidade que está a ser noutros países. Há, portanto, muita gente a merecer elogios nestes tempos de pandemia.
Comecemos por aqueles que, no meu entender, foram e continuam a ser a chave do sucesso português no controlo e na gestão desta crise: os profissionais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e de todos os outros profissionais que com eles colaboram a montante e a jusante. Estou convencido que termos um SNS, apesar de tudo, bastante extenso e com profissionais de elevada qualidade técnica e científica foi e está a ser decisivo para que a Covid-19 não esteja a provocar as mortes e as situações de rutura que vemos noutros países. A realidade é que alguns países até mais ricos/desenvolvidos do que Portugal não têm um serviço público tão abrangente, nem com tanta qualidade como o nosso. E não me refiro a equipamentos ou edifícios, refiro-me essencialmente à qualidade dos nossos médicos,a enfermeiros, bem como à qualidade de muitos outros profissionais que com eles colaboram, dentro e fora do SNS, desde logo os assistentes técnicos e os assistentes operacionais das instituições de saúde. Mas há muitos outros profissionais que direta e /ou indiretamente têm um papel muito importante para que o SNS continue a funcionar nas melhores condições possíveis, como os bombeiros, por exemplo, ou os fornecedores de todo o tipo de material hospitalar, etc… Todos merecem o meu elogio.
Para além desses profissionais “da linha da frente”, houve muitas outras classes profissionais que trabalharam e continuam a trabalhar para que o nosso país não entre em colapso por causa desta crise sem precedentes. Já referi, no artigo anterior, o exemplo dos professores que com o seu voluntarismo, com os seus computadores pessoais, com a internet paga do seu bolso e por causa do seu comprometimento com o sucesso dos respetivos alunos conseguiram criar, em poucos dias, um sistema de ensino à distância para mais de um milhão de alunos. Sistema esse que o Ministério da Educação, sem recurso aos meios pessoais dos professores, gastaria muitos meses e muitos milhões de euros para garantir. Mas como aconteceu com os professores, houve muitas outras classes profissionais a fazer uso dos seus bens pessoais em favor de todos nós, em prol de uma sociedade e de um país que todos quiseram socorrer da melhor forma possível, sem regatear meios ou esforços. Lembro-me de produtores de vinhos e de cervejas a produzir soluções alcoólicas para desinfeção de mãos e superfícies, lembro-me de muitos empresários a alterar os seus processos de produção para ajudarem no combate à Covid-19, lembro-me dos profissionais da distribuição de bens essenciais que nunca deixaram de trabalhar, lembro-me dos profissionais de lares e de outras instituições que continuaram a cuidar das pessoas mais idosas, lembro-me dos profissionais das forças de segurança em atuações constantes de aconselhamento e de fiscalização junto das populações, lembro-me de muitos artistas a oferecer muitos e bons momentos de cultura a partir de suas casas, etc… Enfim, merecem também o meu elogio todos aqueles que, em circunstâncias extraordinárias e muito difíceis, continuaram a desenvolver as sua atividades profissionais em benefício de toda a população portuguesa.
E os cidadãos anónimos, que por qualquer circunstância, não estiveram a desenvolver as suas atividades profissionais, merecem também o meu elogio. A verdade é que a população portuguesa, com raríssimas exceções, cumpriu com os seus deveres cívicos de proteção individual e coletiva, até mesmo antes de isso ser um imperativo legal. Foram pontuais os casos de pessoas que não cumpriram as regras a que estavam sujeitas e que levaram a uma atuação coerciva das autoridades. Até as fugas ao confinamento ou os abusos no convívio social foram poucos e muito localizados, sem qualquer expressão nos números diários dos relatórios da Covid-19.
E, para concluir, uma referência às nossas lideranças políticas. Genericamente, a condução desta crise foi desenvolvida, em termos políticos, com coragem, com bom senso e respeitando as indicações de peritos e especialistas em saúde pública e em infecciologia, o que é de elogiar, desde já. E quase todos estiveram bem, quer os que estão no governo, quer os que estão na oposição, não tendo cedido à tentação de arrastar para a arena do combate político-partidário uma situação que realmente merecia de todos um grande sentido de responsabilidade e mesmo sentido de Estado. Desde o Presidente da República, passando pelos líderes dos partidos da oposição (Rui Rio disse mesmo que durante a pandemia não seria oposição, mas colaboração), até ao governo, todos merecem elogios, pois, apesar de uma ou outra questão menor que possa ter existido, todos estiveram, até ao momento, à altura das suas responsabilidades. Que assim continuem para os combates que se avizinham…
Espero que tudo o que de positivo conseguimos até agora nos garanta, em todas as áreas da nossa vida coletiva, um futuro em linha com as perspetivas mais otimistas…
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