Clemente Bessa: Trabalho social e humanitário marcou a sua vida

Grande parte da sua vida foi dedicada ao trabalho social e humanitário. Unicamente movido pelo desejo de ajudar o próximo, nunca quis protagonismo. Falamos de Clemente Bessa Ferreira, cujo nome está ligado a muitas associações do concelho de Lousada.

Clemente Bessa nasceu há 83 anos na freguesia de Pias. “Bonita” é o adjetivo que usa para caracterizar a freguesia de origem, do “orgulhoso” concelho de Lousada.

Filho de pais ligados à indústria do calçado (pai era sócio-gerente da empresa José Ribeiro e Bessa e a mãe encarregada da costura na mesma empresa). Enquanto rapaz jovem, teve uma vida que caracteriza como normal. “Era pacato, obediente e bom rapaz”, refere. Completou o ensino primário até à terceira classe na escola de Pias. A quarta classe e admissão ao liceu foram realizadas na escola de Cristelos, na altura no lugar de Arcas. Feito o exame, foi matriculado no então colégio Eça de Queiroz em Lousada, onde completou o 5º ano do liceu (hoje 9º ano). Dessa escola guarda muitas saudades. Clemente Bessa admite que não tinha vocação para continuar os estudos, pelo que, terminado esse grau de ensino, iniciou a procura de emprego. Iniciou-se no mercado de trabalho com um estágio nos correios, “onde dei o meu contributo durante mais ou menos 6 anos, tendo corrido quase todas estações dos correios no distrito do Porto”, conta.

Profissão fê-lo correr o distrito

Entretanto, em 1961, casou com Maria de Lurdes Peixoto, que conheceu enquanto aluno no Colégio Eça de Queiroz. Um matrimónio que há muito ultrapassou as bodas de ouro e está perto de completar as seis décadas!.
No final da década de 60, início da década de 70, quando inciou o seu trabalho nos correios, exerceu a função de operador de reserva, numa altura em que as comunicações passavam essencialmente pela escrita, o trabalho era intenso nos correios e o pessoal escasso era sua responsabilidade substituir os colegas,que estavam de feirias, noutras estações. Assim, Clemente Bessa, percorreu todo o distrito do Porto, numa época em que viagens de 50 km demoravam um dia inteiro. Desses tempos, lembra algumas operações rotineiras, como o trocar das agulhetas para a realização das chamadas telefónicas, um dos serviços prestado nas estações de correios com muitos utentes, já que o uso do telefone não estava generalizado. Entretanto efetivou na estação de Penafiel, localidade onde nasceram os seus dois primeiros filhos.

Dos CTT passou para o Banco Espírito Santo, iniciando funções como bancário. As razões da mudança foram as usuais num jovem: “Como qualquer jovem, com ambições e querendo ganhar mais e ter maior prestigio, concorri para um lugar como bancário”, explica. Depois de passar pelo balcão no BES no Porto, foi transferido para a Agência de Lordelo, em Paredes, onde nasceu o seu terceiro filho. Do trabalho como bancário guarda boas recordações, algumas delas do início de carreira. Entrou no balcão de Lordelo em agosto e, no fim de 5 meses, recebeu uma gratificação. Uma realidade muito diferente daquela a que estava habituado enquanto funcionário público, a quem não era reconhecido o mérito.

Apesar de ter gostado de Lordelo, a sua carreira como bancário havia de terminar em Felgueiras, o que o levou a fixar residência no concelho de origem, Lousada. Pelo caminho ficou um convite para ocupar o lugar de gerente no BES em Vila Real, no ano de 1976. Contudo, os valores familiares falaram mais alto: “Recusei, pois os meus filhos e a sua educação eram mais importantes para mim do que o lugar de gerente que me poderia prestigiar”, diz.

Trabalho em prol dos outros

Instalado na sua terra natal, para além do desempenho profissional, Clemente Bessa sentiu necessidade de alargar o seu contributo a outras áreas da sociedade. Estava na hora de “entregar o meu modesto saber ao serviço de terceiros”, diz. Foi então que, a pensar numa melhor educação para os filhos, que no momento eram três, Clemente Bessa e a esposa fizeram a sua inscrição na “Escola de Pais”, uma organização que “tinha como objetivo refletir e elevar as competências parentais, mas também partilhar esses ensinamentos com outros pais”, esclarece. As sessões eram realizadas no concelho de Paredes.

Clemente Bessa e a esposa sentiram que esta causa era verdadeiramente útil à sociedade e, por isso, aceitaram outro desafio para criarem um movimento de leigos ligados à Igreja. Em conjunto com outro casal criaram o CPM (Curso de Preparação para o Matrimónio), que visava a reflexão sobre o casamento, a família e a orientação dos jovens casais sobre o que seria a vida em casal. “Este curso era formado por seis casais, que tinham como objetivo transmitirem os seus testemunhos de casados aos noivos que, dentro de pouco tempo, se propunham casar”, conta. Numa época em que ainda eram elevadas as taxas de analfabetismo e a maioria dos cidadãos, mesmo jovens, eram pouco escolarizados e com vivências muito pobres, estes cursos tiveram muito impacto e eram muito concorridos. E os participantes levavam o curso muito a sério: “Muitas reuniões foram organizadas dentro e fora do concelho. Para nos mantermos atualizados participávamos em congressos de âmbito distrital, mantendo-se um elevado nível de qualidade e organização”, explica.

▲Clemente Bessa é homenageado pela ACML

Nascimento da Cruz Vermelha em Lousada

O mérito do trabalho deste casal e a dedicação ao próximo fizeram surgir um novo desafio: a criação da Cruz Vermelha em Lousada. “Convidados alguns casais para o efeito, avançamos com o projeto”, diz. Neste novo desafio, contaram com a colaboração “muito significativa” da D. Lúcia Lousada. Assim, foi possível apoiar muitas famílias carenciadas no concelho, “de forma muito próxima”. Para a concretização dos apoios às famílias foi necessário organizar atividades para angariação de fundos. Peditórios junto da população e organização de festas populares com vendas de “comes e bebes” foram algumas das estratégias para angariação de fundos. O balanço do trabalho à frente da instituição é positivo:

“Tivemos três anos de mandato, tendo-se candidatado nova lista diretiva. Terminamos a nossa atividade nessa organização a todos os títulos meritória”. Recorda alguns casos de maior debilidade que o tocaram, como o de uma senhora que vivia sozinha, sem rendimentos. Combater a solidão foi também um dos objetivos do acompanhamento da idosa, para além de lhe proporcionarem condições dignas de alimentação, vestuário e higiene.
O trabalho associativo passou também pelos bombeiros. A Associação dos Bombeiros Voluntários de Lousada, presidida por Manuel Rego, contou com a sua colaboração. “Aderi de corpo e alma como tesoureiro ao serviço de tão prestigiada corporação”, conta. Clemente Bessa recorda que, na altura, lançaram mãos à obra para remodelar, aumentar as instalações e comprar novas viaturas, não só para combate aos incêndios, mas também para socorro e transporte de doentes. “Esta direção manteve-se durante dois mandatos profundamente produtivos”, refere.

Da experiência “interessante e produtiva” nos bombeiros, passou para a Santa Casa da Misericórdia, depois de convidado para mesário. Exerceu o lugar de vice-provedor e responsável pela área social. “Trabalho que foi feito com muita vontade e gosto em tudo aquilo a que me dediquei, pois foi das causas que mais me sensibilizaram, pela doação e dedicação aos mais idosos, necessitados e alguns deles abandonados”, recorda.

O mundo da música

Exercia o voluntariado na Misericórdia, quando um sócio da Associação de Cultura Musical de Lousada foi a sua casa pedir-lhe que assumisse o compromisso como presidente da associação. Cauteloso e desconhecedor do trabalho da associação, bem como das funções que iria exercer, recusou várias vezes. “Depois de muita insistência, tive de aceitar, pois havia o risco de não aparecer mais ninguém, mas, sinceramente, não sabia mesmo o que ia fazer”, admite. Iniciou, então, este novo voluntariado “de forma temerosa” e acredita que deu “conta do recado”.

O mais difícil na associação foi o esforço para garantir o equilíbrio das finanças. Clemente Bessa confessa que apenas depois de tomar posse teve noção da gravidade da situação financeira. Presidiu a esta Associação durante 13 anos, durante os quais a viu (e continua a ver) crescer. É com orgulho que afirma que se tornou “um dos maiores conservatórios de música da região, não só pela quantidade, mas pela qualidade do ensino, alargando as áreas de ensino das artes, nomeadamente através da dança, participando e diversificando as áreas artísticas nas atividades extracurriculares, quer no âmbito da rede pré-escolar, mas sobretudo do 1º ciclo e mantendo uma banda de significativa qualidade musical”, diz.
As solicitações para assumir funções de liderança chegaram também da parte dos condóminos do seu prédio. “Também houve necessidade de cumprir a legalidade do prédio onde habito: ter um administrador para gestão dos espaços comuns, tendo, a pedido de alguns condóminos, assumido durante 4 ou 5 anos esse lugar vazio”. Clemente Bessa nunca disse “não” ao voluntariado social e humano.

O projeto da Universidade Sénior

Profissionalmente na reforma, Clemente Bessa e a esposa associaram-se à Universidade Sénior de Guimarães e de Felgueiras. Tudo começou com um convite dirigido à esposa para lecionar nestas universidades, mas, posteriormente ambos se inscreveram como alunos. “Gostamos muito dessas experiências e colhemos muitos ensinamentos quanto ao funcionamento das universidades seniores”, salienta. Esses ensinamentos serviram para pôr em marcha o projeto da Universidade Sénior em Lousada. “Trazer essa experiência para o concelho de Lousada passou a ser o nosso maior investimento. Persistimos durante 3 anos para, conjuntamente com a autarquia, encontrarmos um espaço que melhor se acomodasse a esse projeto”, recorda. Os objetivos desta iniciativa eram claros: “Para algumas pessoas que se encontravam em sua casa em solidão permanente terem um espaço, como todos os concelhos à nossa volta”. Encontrado o espaço para o seu funcionamento, de imediato tomaram a iniciativa de constituírem legalmente a associação e efetuar os devidos registos, tendo aberto as suas portas em janeiro de 2011. “A Câmara Municipal, para além de nos ceder o espaço, forneceu algum material escolar, como quadros, mesas e cadeiras, existentes devido à sua substituição nas escolas por novo equipamento, o que nos facilitou o arranque inicial. Criaram-se condições de espaços mais alargados para boa funcionalidade das nossas atividades. Entretanto fomos conseguindo adquirir novo material e realizar obras para criar espaços mais alargados para a melhor funcionalidade das nossas atividades”, conta.

Para além de poderem contar com 16 disciplinas, que passam pela informática, dança e ginástica entre outras, os alunos da USALOU encontram uma oportunidade de convívio. “É uma casa digna para conviver e passar bem o tempo”, garante.

Foi assim que, durante a maior parte da sua vida, juntamente com a esposa, sem querer protagonismos, Clemente Bessa se dedicou a algumas causas com a intenção de fazer o melhor para todos os que o rodeiam, os Lousadenses.

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