Tenente-coronel Manuel Mota
O tenente-coronel Manuel Mota, médico dentista, esteve quase 40 dias infetado com a Covid-19. Este lousadense não desconfiava que era portador do novo coronavírus, até alguns colegas começaram a manifestar sintomas da doença.
O médico reconhece, que no início da pandemia, as reuniões no quartel se realizavam sem os devidos cuidados de proteção, nomeadamente o uso da máscara. “Um dos médicos, um cardiologista, sentiu-se mal e fez o exame. Ligou-me a dizer que não poderia continuar nas reuniões, pois estava positivo”, conta. O alarme soou: “Acabou-se a reunião, viemos para a parada separados uns dos outros. Havia uns com mais tosse, outros com menos. Começamos aí o nosso isolamento”, explica.
Resultado negativo após sete testes e 36 dias de isolamento
Os testes à Covid-19 vieram demonstrar que, dos dezasseis elementos da sua cela, oito estavam infetados. “Fomos para a messe militar, cada um para o seu quarto. Houve pessoal que estava com mais sintomas, e esses estavam todos preocupados”, conta. Os que exibiam sintomas fizeram imediatamente os testes com as zaragatoas, que confirmaram os receios de doença. Manuel Mota fez o teste passados três dias de isolamento, que também deu positivo. A partir daí, os testes passaram a ser semanais: “Tenho 56 anos e o “bicho” não foi muito agressivo, mas manteve-se muito tempo”, lamenta. A maior parte dos seus camaradas livrou-se do vírus mais cedo e, ao 14.º dia, já testaram negativo e tiveram alta, acabando por ficar apenas três indivíduos como ele. “Eu acabei por ficar 36 dias isolado, tal como mais dois colegas meus. Só ao sétimo teste é que deu negativo e só nessa altura é que tive alta e vim para Lousada. Lousada não foi infetado por mim, pois logo que eu soube que estava positivo fiquei no Porto, preso, no verdadeiro sentido da palavra”, conta.
Sintomas ligeiros
Apesar do susto e dos constrangimentos, os sintomas não se manifestaram no Tenente-coronel de forma agressiva. “No meu caso, só tive uma pequena dorzita de garganta que eu associei a uma amigdalite, uma coisa normal, que acalmou. Não tive mais nada, nem febre, nem diarreias, mais nada”, refere. Apesar disso, a preocupação constante fazia com que medisse a temperatura várias vezes à procura de febre, que poderia indiciar algo mais grave.
Para passarem o tempo e conhecerem o estado dos colegas, Manuel Mota e os camaradas criaram um grupo no Whatsapp: “Houve dois camaradas que passaram um pouco mal, tiveram febre e um deles até teve bastante diarreia, mas eu, felizmente, passei ali o tempo isolado, mas nunca tive dores nem febre. Foi uma questão de tempo e esperar que o “bicho” não fosse agressivo e começasse a desaparecer”, afirma.
Apesar de poupado fisicamente, reconhece que não foi fácil passar quase quarenta dias confinado, longe da família e do mundo. A este propósito, relembra a experiência nos comandos, onde teve uma prova de isolamento: “Tínhamos uma prova que se chamava “prisioneiros de guerra” e eu lembro-me de por lá passar como “prisioneiro”. Esta estadia em que estive isolado, ainda foi mais dolorosa. Perdi massa muscular, pois não conseguia andar. Houve uma altura em que eu já pinchava, já fazia flexões, já fazia abdominais… Tentava manter-me ocupado e saudável”, explica.
Durante o período em que esteve isolado, não lhe faltou o apoio. Manuel Mota refere mesmo o facto de a Delegada de Saúde ter sido “impecável”. “Todos os dias me ligava a perguntar se eu precisava de acompanhamento psicológico”, relata. Psicologicamente, apaziguava-o vir à janela do quarto andar e ver as pessoas passarem. Os telemóveis deram também uma ajuda: “Passava para aí dezoito horas no telemóvel. Aproveitei para falar com os amigos e com a família com videochamada. Matava-se assim um bocado as saudades”, expõe.
A família ficou naturalmente muito apreensiva, ainda mais porque no início o medo era maior. “Hoje em dia, já temos uma ideia diferente da Covid, que não mata assim tanto. A ideia que nós tínhamos no início era quase de mandar tirar as medidas do caixão em caso de doença”, considera. Nesta altura, o médico Manuel Mota já se inclina a defender a imunidade em grupo. “se calhar falo assim por estar imune”, admite.
O que se faz no primeiro dia de liberdade?
Com visto para sair do isolamento, a primeira coisa que fez foi ver os filhos e a mulher, apesar dos receios: “Eles não quiseram muita aproximação. Ainda estavam com medo de alguma capacidade viral”, refere. Depois de tomar banho (a pedido da esposa) foi ao campo ver os pavões: “É um hobby que eu tenho! É um dos maiores prazeres que eu tenho. Da agricultura também gosto muito, pois dá-me prazer ver as hortaliças, os tomates e as alfaces a crescerem”, justifica.
A pandemia mudou a vida de todos nós e Manuel Mota não foi exceção, ao sentir grandes mudanças na sua atividade profissional e nas relações pessoais. Mudanças dolorosas, para quem, como ele, é um homem de afetos, que preza as relações humanas e o cumprimento, “aquela mãozada que não deve ser leve … mesmo à homem”. Agora é obrigado a manter a distância: “O paciente já não fica na sala de espera, fica no carro à espera e só entra quando eu faço sinal. O uso da máscara dentro do consultório é obrigatório, peço aos clientes para não mexerem em nada, estou muito mais resguardado com a bata cirúrgica, com touca e com a máscara FFP2, que é mais eficaz em relação à máscara cirúrgica”.
Relativamente aos perigos para a sua saúde, sente-se mais à vontade, visto que o teste sorológico apresentou como resultado a imunidade. “Não sei quanto é que dará esta imunidade, mas nunca posso facilitar”, diz. É em relação aos pacientes que tem mais receio. “Isto vai levar a que o médico dentista não atenda tanta gente. Eu, pessoalmente, sou um caso particular, pois só faço o que me dá prazer. Já não quero atender vinte pessoas, mas quatro, sempre com um espaço muito grande entre pacientes, no mínimo dez minutos de intervalo entre eles. É uma questão de precaução e uma forma das pessoas se sentirem mais seguras”, explica.
Médico acredita que imunidade de grupo pode estar para breve
O Tenente-coronel admite que a pandemia não vai passar rapidamente. Apesar de tudo, está convencido que a imunidade de grupo vai chegar em breve: “Isto não vai passar assim tão rápido. Vamos ter para mais um ano e estou convencido que, daqui a quatro meses, já teremos imunidade em grupo. Imagino, que 70 a 80% da população vai ter este vírus, sem sequer saber que o teve. Eu só soube porque fiz o teste, se não seria mais um assintomático que andava por aí”, alude. Acrescenta, que a esposa e os filhos estão imunes sem nunca terem tido sintomas da doença, pois “Possivelmente naquelas duas noites em que eu estive cá em casa e não sabia que estava infetado poderia tê-los contaminado”. Quando se chegar à imunidade mais alargada, será então possível regressar à normalidade. “Até lá, vamos pensar que não vai ser fácil a nível económico. Penso, que vai ser a sofrer”, observa. Por isso, aconselha as pessoas a manterem as regras de higiene e segurança, para não entupir o Serviço Nacional de Saúde. Considera, que é importante não haver muitos doentes nos cuidados intensivos e lamenta que os mais fracos vão sucumbindo à doença.
Comentários