Lígia Ribeiro foi a primeira mulher vereadora na Câmara de Lousada

Conversadora, de sorriso fácil, mas bastante senhora de si. Três traços de personalidade que reconhecemos em Lígia Ribeiro, em apenas alguns minutos de conversa.

Foi a primeira mulher vereadora no concelho de Lousada. Atualmente com 79 anos, recorda o passado com satisfação e evidencia a alegria de quem acredita ter cumprido o seu papel com dedicação.

Lígia Maria de Andrade Alves Ribeiro é natural do Porto, embora encontremos as suas raízes em Lousada: a mãe era de Silvares e o pai de Casais. Como muitas crianças da época, Lígia contou com a presença assídua da mãe na sua vida, já que era dona de casa. O pai era chefe de escritório e, em virtude das suas atividades profissionais na Invicta, mudou-se para o Porto após o casamento. Lígia Ribeiro nasceu, por isso, em Paranhos. Frequentou o Liceu Francês, no Porto, mas sempre com um pé em Lousada, onde vinha frequentemente, principalmente nas férias. Foi justamente num período de férias em Lousada que conheceu o marido, entretanto falecido. A data ficou-lhe para sempre na memória, já que foi no dia do seu 15.º aniversário, 26 de setembro, na Quinta da Tapada. José Augusto Casanova Peixoto de Queirós, na altura com 21 anos, enamorou-se por ela, não perdeu tempo e pediu-a em namoro. Um convite inédito para uma menina de 15 anos. Por isso, a resposta foi tímida, mas original: na ausência de material de escrita, escreveu a palavra “sim” no chão com uma vara.

Casamento só com curso

O namorado, mais velho, órfão de mãe, que perdeu ainda muito novo, e de pai, que viu falecer aos vinte e um anos, queria naturalmente constituir família. Mas havia um entrave sério. Cauteloso em relação ao futuro da filha, o pai de Lígia não permitia o casamento sem que a filha se formasse. “Não me deixava casar sem ter um curso”, diz. Um curso não se consegue em dois dias e Lígia também não estava disposta a esperar muito tempo. Optou, então, pelo mais curto: o Magistério.

▲Lígia Ribeiro com o seu marido

A diferença de idades entre Lígia e o marido nunca foi um entrave para as famílias, que se davam muito bem. “O meu sogro era médico e o meu avô paterno farmacêutico. Eram amigos”, refere. Lígia lembra que, enquanto Delegado de Saúde, por insistência dos utentes, que lhe pediam que recomendasse um farmacêutico, referia o nome do Dr. Ribeiro.

Com a opção pelo Magistério, que frequentou no Porto, ficou para trás o curso de Farmácia, que implicaria mais tempo de estudo. O gosto pela Farmácia herdou-o do avô, cuja família era de farmacêuticos. Oriundo de Trás-os-Montes, Alijó, veio para Lousada, onde comprou uma farmácia, a Farmácia Ribeiro. Lígia acompanhava com interesse as atividades do avô, numa altura em que se recorria bastante aos medicamentos manipulados, produzidos pelo farmacêutico no laboratório. Recorda-se que o avô era um homem rigoroso e metódico, que não permitia as usuais tropelias das crianças na sua farmácia, onde existiam regras para se entrar.

O drama da perda dos avós paternos

A perda dos avós paternos é descrita por Lígia como “um drama muito grande”. “Os meus avós morreram no mesmo dia, com espaço de uma hora. Dormiam em camas separadas e estavam acamados. Ela começou a sentir-se mal. O avô afligiu-se, morreu primeiro e depois ela”, conta, com tristeza.
Sem poder seguir Farmácia, tem, no entanto, a satisfação de ver uma das filhas formada nessa área, embora não exerça farmácia comunitária. Atualmente está ligada à investigação na Universidade do Minho.

Satisfeitas as condições para o casamento, Lígia casou-se aos 19 anos e, com 24 anos, tinha tido já 4 filhos, o primeiro dos quais faleceu muito precocemente. Um “drama terrível”, doloroso, que recorda com tristeza. Com um menino e duas meninas, Lígia era professora, tendo começado a carreira em Boim, uma opção motivada pelo apego a Lousada. Apesar de ter gostado da experiência, mudou de escola, para se aproximar da residência, no Porto.

Emancipação feminina em Lousada contou com a sua ajuda

Mulher citadina e ainda jovem, com casa em Casais e na vila de Lousada, preferia a da vila, pela vida social, que não existia na aldeia. “Não gostava de ir para Casais, pois não havia ninguém”, explica. Enquanto professora em Boim, não prescindia do prazer de tomar o seu pequeno-almoço no café, normalmente ao lado da Assembleia Louzadense. A primeira vez que o fez, foi, contudo, um “escândalo”, porque “uma rapariga não entrava ali”. “Ao outro dia, a Geninha disse-me que aquela gente estava admirada por entrar num café sozinha”, conta. A professora, senhora de uma personalidade forte, continuou a pedir a sua meia de leite e a torrada no local e, com o tempo, as pessoas habituaram-se à sua presença: “Fui lá uma semana inteira e calaram-se”.

Desde pequena habituada a ouvir histórias com conteúdo político, ganhou gosto pelos assuntos tratados e sempre soube conviver com as diferenças ideológicas, a ponto de alguns estranharem. Recebeu o convite de pessoas de direita para dar aulas e aceitou. “Não devia a ninguém e fazia o que queria”, salienta.

Desde criança a conviver com histórias da política

▲Lígia Ribeiro com 6 anos – Festas em Honra do Senhor dos Aflitos

O avô materno, falecido muito novo, era republicano e, pela boca dos familiares, chegavam-lhe as ideias dele, que absorveu. Republicana, portanto, quis o destino que o marido fosse monárquico. Sempre se respeitaram, mas, com Lígia, o marido não levava a melhor. “Ele que não se metesse comigo”, comenta.

O conhecimento com pessoas ligadas à esquerda socialista e o exemplo dos pais levaram Lígia à filiação partidária. Participava nas reuniões ativamente. Também o marido se mantinha ativo a nível partidário, mas cada um seguia para a sua reunião.

Após o 25 de Abril, encabeçou a lista do PS à Assembleia Municipal, desafiada por amigos. Primeiro, disse que não, considerando não “ter feitio” para integrar uma lista, mas acabou por ceder. “A minha nora e a mãe da minha nora eram primas de uma pessoa de Gaia que veio ter comigo”, conta. A campanha, na altura, fazia-se no masculino. As figuras femininas eram escassas. Lígia foi a primeira mulher a exercer funções autárquicas no concelho. O nome do marido estava na lista da oposição, do PSD. Com a vitória da direita, o marido fez parte da mesa da assembleia pelo PSD, mas nunca houve conflitos.

Em 1993, acumulando já grande experiência política, Lígia recebeu o convite de Jorge Magalhães para integrar a lista à Câmara. O PS ganhou as eleições. Do trabalho com Jorge Magalhães guarda boas recordações. “Dava-se bem com o Jorge, que era respeitador”, refere. Acrescenta que teve sempre “carta-branca” por parte do presidente da Câmara para agir. “O Jorge dava-nos liberdade”, relembra.

A antiga professora lembra que, quando Jorge Magalhães nasceu, ela era pequena e que sempre foi muito amiga da família do ex-autarca, principalmente de Rui Magalhães, de quem guarda uma foto com ele ao colo, apesar de ter sido sempre do PSD.

Das figuras do PS, destaca também o atual presidente do Partido, José Santalha, que caracteriza como homem muito franco.

“Quantas vezes fui para a cama a chorar”

Lígia Ribeiro passou por vários pelouros, entre os quais a ação social. Trabalhou com a CPCJ (Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em risco) e confessa que, muitas vezes, foi para a cama a chorar, porque as histórias mexiam consigo. Dessa altura, recorda casos de pais que não respeitavam os filhos, que, como mãe, a marcaram. Salienta o caso de uma mãe com dois filhos que lhe foram retirados, com histórias de toxicodependência e doença ligadas aos companheiros. Extremamente carente, quis contar a sua história à vereadora. “Eu não virava a cara a ninguém”, diz Lígia. Até hoje tem marcado na memória o lamento da mulher quando lhe deu um beijo: “A mim ninguém me dá beijos”. A vereadora tentou ajudá-la, chegando a ser sua fiadora junto do senhorio da casa que arrendou. Recuperou os filhos, mas com uma condição: “Quando entrava um homem em sua casa, os meninos saiam para casa de uma senhora amiga”, refere, explicando, que gosta de tudo muito direitinho.
Apesar de lhe chamar o “pelouro desgraça”, ao assumir a ação social, teve a oportunidade de ajudar os outros. Cumpriu sempre o seu papel com gosto e dedicação. Exerceu os seus mandatos de 1993 a 2005, período durante o qual diz ter dado o seu melhor.

Cansada, não quis continuar na CPCJ e regressou ao Porto. Mas o bichinho da política continuava bem vivo e chegou, ainda, a ser candidata a presidente da Mesa da Assembleia para a Junta de Freguesia da Cedofeita.

Amigos, independentemente dos partidos

Repugna a hipocrisia e o “teatro”. Aprecia a frontalidade e não tolera a intriga. Talvez por isso e por ter sempre deixado muito claro qual a sua maneira de estar na vida e na política, em particular, nunca teve problemas. Via os presidentes da junta como amigos, independentemente dos partidos. “Nunca nenhum foi incorreto comigo”, refere.

Fez amigos no PSD e no CDS. Chegou mesmo a dar conselhos à amiga Luísa, do CDS, também professora, que foi ofendida com palavrões pelo telefone.

“Desliga e não respondas”, dizia-lhe.

Quando o professor Trigo quis fazer a receção aos professores do concelho, Lígia nem hesitou. Na altura na Assembleia, pôs divergências políticas de lado para servir os interesses do concelho: “Liguei para o Amílcar. Não tinha nada a ver com partidos. E unimo-nos”, conta.

Quem acabou por atenuar as divergências políticas com Lígia foi o marido, que acabou por se juntar ao PS.

Lígia diz que deixou para trás “gente muito boa”, como a Dra. Virgínia, assistente social. Mas não cortou o laços, que tem com Lousada. A Casa de Vilar, em Lodares, onde viveu muito tempo, é atualmente propriedade da filha mais nova, mas, sempre que lá regressa, sente o afeto das pessoas: “Sempre que eu vou lá, continuam a falar comigo. Eu conheço aquela gente toda. Se entrar por ali dentro, é beijos e abraços, independentemente dos partidos”, afirma.

Recorda, que o marido, José Augusto Queiroz, faleceu na altura em que a própria se candidatava ao terceiro mandato A Vila de Lousada diz muito à ex-vereadora, não só porque aí estão as suas origens, mas também pelo facto de o marido ser lousadense.

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