Opinião de Eduardo Moreira da Silva
Passou-se mais um primeiro de maio, o Dia do Trabalhador. Um dia invariavelmente, independentemente do tempo que atravessamos, o da pandemia, que serviu para um sublinhar de reivindicações e sobretudo de ideologias. A imagem do trabalhador como oprimido é uma constante que a uns enjoa e a outros alimenta convicções. Uma imagem que em nada aumenta a dignidade do ser humano, apenas alimenta o idealismo de uma luta de classes, mas uma luta de classes que não almeja uma revolução civilizacional. Não, ela, sob o pretexto da utopia igualitária, apenas pretende atingir o fazer valer de interesses que se dizem de muitos, mas que servem a poucos.
A ilusão do oprimido é a da conquista que mais não é do que uma concessão aparente que visa aumentar o rendimento. As massas são instrumentalizadas quer como arma de arremesso, como ferramenta chantagem quer como força merecedora de reforço para eficiência. Produz-se mais na sensação de segurança, de contentamento, na miragem; do que debaixo do chicote, do despotismo. O apelo ao que tudo é possível torna-se cada vez mais efetivo e todos querem mostrar que podem, que alcançam, tornam-se escravos dessa máxima tornando a convivência com as falhas verdadeiramente insuportável, criando não só patologias do foro psíquico mas também uma falta de inter-relacionamento, e atitude perante a vida que se assemelha mais a máquinas do que a seres humanos, talvez uma espécie de proto inteligência artificial, aquela em que as emoções já não se criam a partir do experienciado , apenas obedecem a padrões.
Será eventualmente necessário dar um novo sentido ao Dia do Trabalhador, um sentido de incentivo à reflexão da relação do ser humano com o trabalho. Uma reflexão que se mostra cada vez importante, quando assistimos já a alguma mudança de paradigma como advento do teletrabalho, mas sobretudo com a previsível eliminação de várias profissões a serem substituídas por máquinas ou por híbridos, um pós humanismo caracterizado por uma situação completamente diversa daquela de outras épocas em que houve eliminação de profissões, mas com a criação de outras que absorveram a massa laboral. Neste novo mundo, talvez não vá acontecer o mesmo.
É essencial perceber que a vitalidade do viver de cada indivíduo se dá pelo trabalho. A qualidade da relação do indivíduo marca a qualidade do viver, não da vida. A vida transcende o viver do indivíduo, ela já existe antes do indivíduo e vai continuar depois dele. No entanto, o vivente, o indivíduo que vive, veicula a sua humanidade na sua relação com o sofrimento, sem o qual a sua vida seria destituída de sentido. Para que este viver tenha sentido, o ser humano atende por um lado à perceção do ser, daquilo que ele é; e por outro lado à força produtiva, aquela que permite engendrar objetos e a sua utilização que sem esta força, que contém a faculdade de modificação da natureza, não existiriam. No fim, é neste viver, que o indivíduo se autonomiza, que cria a economia.
O fundamento do trabalho na sua relação com a vida reside aqui e como tal deve ser pensado, debatido e sobretudo sujeito a exercícios de introspeção, uma atitude contemplativa para com o viver, absolutamente fundamental para almejar à vida boa, aquela que merece ser vivida. O trabalho necessita sair do campo ideológico ou pelo menos transcendê-lo, ainda que partindo de uma base fenomenológica que permita o entendimento mais apurado da sua essência. Torna-se premente para o progresso da humanidade, que se deseja num ambiente de paz, que haja a perceção dos desafios colocados pelo caminho que é apontado por esse progresso, caso seja para melhorar a humanidade, ou desenvolvimento, se pouco ou nada acrescentar a esta mesma humanidade. Esta perceção é aquela promovida pela reflexão sobre a relação do indivíduo com o trabalho, a reflexão do viver, não tendo nada a ver com estereótipos criados a partir de ideologias que nasceram sobretudo no século XIX e princípio do século XX, que quando vistas à lupa, muitas vezes até têm muito pouco a ver com os seus autores originais.