Canto do Saber – Opinião de Eduardo Moreira da Silva
Mais um ano que começa, assim o diz o calendário adotado. Esta convenção possui um efeito que vai muito além da medida do tempo, da marcação de mais um ciclo. Ele atinge o mais íntimo do espírito de cada ao significar a renovação de esperança, mesmo naqueles que não façam a transição de ano com qualquer manifestação de alegria, muitas vezes arredados do festejo.
É uma esperança de tempos melhores, mas também um processo de redenção, em que se pretende, de algum modo, reconciliar com o passado para passar ao futuro. Um futuro que, mesmo se possa entrever com muitas nuvens, se pretende ,sempre , melhor, como se a vida não tivesse fim. O futuro para onde somos, inexoravelmente, empurrados, por esse vendaval a que chamamos progresso. Esse vendaval que se apresenta pelas nossas costas, porque estamos virados para o passado que tentamos reconstruir, sem que tal seja possível, assim nos descreve Walter Benjamin (pensador e crítico de literatura) a imagem que retira do quadro Angelus Novus de Klee ( pintor e poeta).
Por uma vez, talvez devêssemos parar, refletir e pensar apenas em nós, naquilo que queremos da vida. No entanto, a reflexão não é no sentido de achar a forma de alcançar este ou aquele desiderato, mas sim, o de obter o equilíbrio entre o viver e a vida, isto é, de um lado aquela que é a minha história que mesmo no presente se torna, de imediato, no passado e aquilo que quero; do outro lado as contingências naturais. Significa isto, que é bom desejar, ter objetivos, contudo numa base de aceitação do presente. O foco absoluto no que se quer, desvaloriza o agora, a vivência do momento, do local. Há o risco enorme de tornar o viver numa sucessão de insatisfações, frustrações, numa constante medição do vazio do copo. Viver não é matemática, não se realiza por fórmulas, por mais livros que se possam editar, por mais discursos motivacionais que se possam ouvir. Tudo, simplesmente, porque, muitas vezes, as contingências da vida (integrantes do processo frequentemente apelidado de destino) é que comandam o sucesso ou a falta dele, no viver de cada um, algo que mesmo Steve Jobs reconheceu. Por isso, no que toca ao viver, nada existe que seja válido universalmente, sequer para um grupo, porque cada um é um ser único, com um percurso que é seu e apenas seu. Percurso esse que se vai esbarrando com a vida.
Parecem haver aqui alguns paradoxos ou no mínimo umas contradições. Porém, nada mais são do que ilusões, achas atiradas à fogueira do pensar. O pensar, que se quer como contemplação. Não se apela aqui ao individualismo, muito menos ao egoísmo. Tão pouco se sugere que não vale a pena desejar e que, como se costuma dizer, se deva deixar correr a vida (como se tal fosse viável). Não! Há que saber o que se quer do viver e fazer tudo para o alcançar. Ao mesmo tempo, há que valorizar o momento, aproveitá-lo, tornar o presente no passado com que facilmente nos reconciliamos. Para isso é necessário parar e ter tempo para contemplar, refletir… Enfim, fazer com que o anjo, assuma aquela posição do senso comum, do que não tem costas, neste caso, então, sem que as vire para o passado nem para o futuro e que ao invés de ser arrastado pelo vendaval, possa ser transportado pelo progresso tão necessário à humanidade. São os meus votos para o percurso a partir de 2022.
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