Segredos da bola
Foi na temporada de 1952/53 que aconteceu a estreia da Associação Desportiva de Lousada em competições oficiais. À sexta jornada, num jogo entre o Lousada e o Amarante, no campo da Boavista, os adeptos lousadenses revoltaram-se contra o árbitro que, segundo crónicas e relatos da época, prejudicou os da casa em favor dos amarantinos. A invasão de campo e as tentativas de agressão ao juiz da partida e seus auxiliares motivaram a primeira interdição do campo da ADL, por três meses.
O futebol jogado a sério, que é como quem diz, a contar para competições oficiais, aconteceu quando a Associação Desportiva de Lousada se filiou na Associação de Futebol do Porto, em Fevereiro de 1952. A oficialização do clube, que foi fundado em 1948, foi efetuada por António Dâmaso, António Coelho, António Meireles, António Cardoso, Manuel Neto, António Elísio, José Domingos Marques, Armando Coelho, José Mesquita e Eurico Cunha.
A estreia do clube em competições oficiais aconteceu no Campeonato Regional da III Divisão, onde tinha como adversários: Amarante, Vasco da Gama (Paços de Ferreira), Tapada (Lagoas), Penafiel, Cete, Vila Meã, Marco, Lixa e Paredes. O primeiro jogo oficial foi efetuado em 9 de Novembro de 1952, em Paços de Ferreira, contra a equipa local que na época se designava Vasco da Gama. A equipa de Lousada perdeu por 1-0.
Seguiu-se o primeiro jogo oficial no campo da Boavista, contra o Lixa e o resultado voltou a ser desfavorável aos lousadenses, por 1-0. Neste jogo alinharam pela Associação Desportiva de Lousada: Albuquerque; Raúl e Victor; Neca, Zé e Eduardo; Silva, Fernando, Manuel, Pimenta e Armindo. Por estarem lesionados, não jogaram os titulares Antonino e Barroso e ainda Emílio, Custódio, Neto e Vieira, por as suas transferências não se encontrarem regularizadas. Outros jogadores que atuavam neste ano: Gonçalo, Rodrigues, Adelino, Álvaro, Garcês, Augusto «Maia» Carvalheiras e Jesus.
Nesta época surgiu a equipa Unidos Sport Club de Lousada (na foto* que acompanha esta crónica), essencialmente composta por jovens atletas, que aspiravam a jogar na «linha» principal da ADL. Num jogo amigável, frente ao F. C. de Lagoas a equipa da vila, que ganhou por 10-1, jogou com: Xabrega (de Caíde); Joaquim, Otelo e Manel; Aurélio e Clementino; Rabelha, Passeira, Félix, Augusto e Antero.
O futebol fervilhava na vila e concelho. Era o derniere crie, o último grito, da moda que entretinha a populaça. Mas tanto espevitava os ânimos como toldava as mentes. Ainda hoje assim é. O primeiro excesso de que há registo aconteceu no final da primeira fase do campeonato, em 15 de Março de 1953 e que redundaria na primeira interdição do campo do Lousada. Nesse domingo Lousada recebeu o Amarante, que precisava de vencer para se apurar para a fase seguinte da prova, desiderato que disputava com o Vasco da Gama. Na edição dessa semana o Jornal de Lousada incentivava os adeptos a assistir a este jogo: “Lousadenses, acorrei ao campo para incitardes os vossos jogadores, mas porque a vitória nos beneficie, mas porque é sempre bem aceite a vitória, contra um grupo que em boa verdade se diga, na nossa série, é de longe o que melhor futebol joga, embora não seja o primeiro classificado”.
O Lousada perdeu por 3-1 mas o jogo não chegou ao fim. O árbitro, que tinha sido bastante acossado até então, recolheu à sua cabine antes do tempo, fugindo a uma multidão que, em vernáculo popular, lhe queria chegar a roupa ao pêlo.
“FISCALIZAÇÃO DOS BONS COSTUMES”
A ocorrência foi assim retratada na edição do Jornal de Lousada de 21 de Março desse ano, num artigo intitulado «Saibam quantos»:
“(…) os factos tristes que lá (no campo da Boavista) se desenrolaram, por todos bem conhecidos, não são mais do que a repetição de outros idênticos e até piores, que se passaram em Braga, entre o Sporting daquela cidade e o campeão de Portugal, e principalmente entre o Benfica e a Académica, no campo desta, em Coimbra, e que tanto barulho tem dado nas altas esferas da bola, tendo até sido tratado ministerialmente. Não os perfilhamos, pois porquanto eles ficam mal a quem os pratica e refletem até falta de princípios cívicos. Porém, também não podemos deixar de erguer a nossa voz de protesto e juntar a nossa veemente repulsa, engrossando as fileiras dos clubes prejudicados em face de arbitragens parciais, feitas por indivíduos incompetentes (…), incapazes e desonestos (…) traz como consequência o mal estar, as revoltas, as desordens e a inimizade, não só entre os grupos (clubes), mas também e principalmente entre os povos e as regiões”.
O artigo, publicado na página 2 e que não é assinado, prossegue com a seguinte redação: “Lousada sempre timbrou em ser cavalheiresca, hospitaleira, terra de ordem e educação (…). Mas, quem não se sente não é filho de boa gente. (…) O que se passou no nosso campo, no passado domingo, foi uma vergonha. Culpa de quem? A voz é unânime. Unicamente do árbitro que, segundo se afirma, fez caminho por Amarante, antes de cá chegar”.
As altas instâncias distritais tiveram mão pesada contra o clube lousadense cujos dirigentes se diziam espoliados desportivamente e injustiçados disciplinarmente. Após recurso e contra-recurso, o castigo foi aplicado e não foi meigo: três meses sem jogos.
A direção do clube era presidida por António Manuel da Silva Neto, da Ourivesaria Neto, e integrava outros dirigentes como António Pereira Cardoso (vice-presidente), Manuel Teixeira da Mota e Joaquim Ferreira de Bessa (secretários), o tesoureiro Joaquim Teixeira Pinto e os vogais António Dâmaso Teixeira Pinto, Ambrósio de Oliveira. Imbuídos de um espírito apaziguador e desportista, estes lousadenses decidiram criar um grupo denominado “Fiscalização dos bons costumes”, para prevenir ocorrências como a que levou à interdição do campo de futebol.
Parece que essa iniciativa deu frutos, pois não há registo nem memória de outra ocorrência do género até…1983. Sobre nervos à flor da pele e mosquitos por cordas em torno do futebol lousadense voltaremos a focar-nos na próxima edição dos Segredos da Bola.
* de Rodrigo Fernandes, in Uma História do Desporto em Lousada, p.46, CML, 201.
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