Canto do saber 43 – Por Eduardo Moreira da Silva
É comum, na contemporaneidade, apelar à responsabilidade que cada ser humano deve ter com o ambiente que o rodeia. Uma responsabilidade que já não se circunscreve ao passado e/ou presente – ela estende-se ao futuro – a responsabilidade para com as gerações futuras é uma ideia que se consubstancia cada vez mais intensamente. No entanto, perante os conflitos que vemos ainda desenrolar-se ,como, por exemplo, o que nos entra, agora, pela casa dentro – o da guerra na Ucrânia- será que essa responsabilidade, embora assumidamente política, não terá que assumir outras dimensões?
Se é verdade que a emotividade continuamente insuflada, sobretudo, pela comunicação social, relativamente à guerra na Ucrânia, permite colocar pressão internacional sobre o conflito, não é menos verdade que esta mesma emotividade traz também um conjunto de problemas a analisar dentro do quadro da responsabilidade. Com certeza não é num artigo de jornal, necessariamente curto, que se fará a análise. De todo o modo, este, tem o intuito de conseguir despertar não só para essa necessidade, mas também para a serenidade e racionalidade que situações tão complexas como a desta guerra implicam.
Esta emotividade que se vê encher o coração de muitos, talvez devido à proximidade que sentem ao povo ucraniano, promove uma vontade solidária muito acima daquela que noutras alturas, face a outros conflitos, não existiu. Que razões se podem apontar num contexto de igualdade entre humanos para que tal aconteça ?
O fervor emotivo fortemente maniqueísta, leva a que quase não se dê pelo controlo inaceitável da informação por instituições que consideramos como garantes democráticos. Mas não só, a irracionalidade que advém desse fervor, leva a ações completamente descontroladas, sem fundamento, como são aquelas de açambarcamento, de medo, que levam a aproveitamentos nada escrupulosos para aumentar as pressões inflacionistas. Tão ciosos da liberdade e numa época em que se diz nunca ter havido tanta informação, é lícito que continuemos a aceitar todo um conjunto de atuações a partir de uma ignorância consentida ?
No meio de toda esta comoção, onde até já se guerreia pela posição em que presta auxílio, estará a existir o cuidado de perceber minimamente quem são as partes em confronto? Será que aquilo que está em causa é um combate pela democracia ? O que é que se joga nesta conflagração ?
Outras questões se podem colocar, mas a fundamental é a que se prende com o facto essencial de como evitar a guerra. Trata-se de um processo político, ao qual a Europa, mais concretamente o conjunto de estados que compõem a comunidade europeia, se foi desabituando, mas não deixou de estar latente para alguns estados. Estes últimos sempre desconfiaram da arquitetura entretanto engendrada pelo Ocidente que continua com o costume de tentar impor aquilo a que chama os seus “valores civilizacionais”, algo que geralmente, na prática, não passa de um eufemismo para dar corpo a todo um conjunto de interesses.
Numa ótica de responsabilidade, aquela que devemos ter uns para com os outros, há que pensar em novas arquiteturas políticas que possam gradualmente diminuir o uso de tão tenebroso instrumento – a guerra – que, como vimos ser colocado em cima da mesa, coloca em causa a própria existência da espécie humana. Não se trata de paz pela paz, uma espécie de corolário moral humano, mas sim de uma construção que permita a resolução de problemas motivados pelas diferenças por outros meios. Esta construção dificilmente não assentará em novas instituições que se baseiem numa ética de responsabilidade. Uma responsabilidade devolvida aos indivíduos que terão de a assumir perante o outro, sendo que o outro transcende a espécie humana.
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