por | 8 Jul, 2022 | Desporto, Segredos da Bola

Alípio Marques, o defesa-central goleador

Foi um notável defesa-central da A. D. Lousada nas décadas de 1970 e 1980. Com um estilo marcante destacou-se como um dos bastiões da equipa e do balneário. Entre as histórias e os segredos da carreira, Alípio fala nesta entrevista de um caso de doping que um treinador dava aos jogadores; refere que marcou 33 golos numa época; e recorda o caso mais triste que viveu no futebol.

Nascido em 1954, em São Miguel (Lousada), António Alípio Magalhães Marques, desde muito cedo deu mostras de possuir condições acima da média para jogar futebol. Juntamente com as qualidades de futebolista patenteou qualidades de liderança, que fizeram dele capitão da equipa durante várias épocas. “Fiz-me jogador nas camadas jovens, nomeadamente com o João António Fernandes (“Tonita Cabeleireiro”) e com o António Magalhães “Xabregas”, que estão entre as pessoas mais dedicadas que o futebol teve em Lousada”, diz em referência aos tempos de juvenil.

Por ser mais alto que a maioria dos colegas e adversários, Alípio apostava muito no jogo aéreo: “além da minha estatura, eu elevava-me bem e isso dava-me alguma superioridade não só a defender como a atacar, por isso, marcava muitos golos, principalmente na sequência de cantos marcados pelo Chico Doceiro, com que treinava muito essa jogada. Cheguei a marcar trinta e três golos numa só época, a maioria de cabeça, mas também marquei alguns penaltis”.

Como central foi dos melhores de sempre em Lousada, mas não se intitula como o melhor de todos: “Não acho que fui o melhor. Para mim, nessa posição o melhor de todos foi o Tónio Severa, um jogador inteligente, com boa técnica e muita impulsão, era como um gato, que ganhava bolas altas a jogadores maiores que ele. O Carlos Jorge também foi um rico defesa central, tal como o José Rodrigues, de Penafiel, que era conhecido por «44». Mas se vamos falar do melhor jogador, então tenho que destacar o Chico Doceiro, que foi um jogador fora de série, inteligente, com uma técnica fora do normal. Dentro da área, a defender, ele era diferente de todos, não despachava bolas altas em balão para a frente, em vez disso parava a bola no peito ou na coxa, pousava no chão e saía a jogar com ela controlada. Tinha muita classe e foi uma pena não ter ido para grandes clubes nacionais porque tinha capacidade para isso”.

Um caso de doping

A segunda temporada deste jogador como sénior ficou marcada por algo insólito: “um certo treinador, que tinha sido jogador do Boavista e era muito conceituado, não me causou muito boa impressão. Com ele nunca parava na mesma posição. Fui defesa central, lateral direito, médio, ponta-de-lança, enfim, ele experimentava muito. Um dia o falecido Toninho Bagaço virou-se contra ele e defendeu-me ao dizer que eu tinha valor demais para estar no banco. Esse treinador impunha um futebol muito atlético e rápido. Para isso dava-nos algo que pensávamos que eram vitaminas, na forma de injeção. Poucas equipas nos batiam, tínhamos muita força e resistência. Tempos mais tarde comecei a sentir tonturas e fiquei preocupado. Fui ao médico do BCG (Centro de Diagnóstico Pneumológico), no Porto, onde fui seguido durante uns tempos até recuperar totalmente. Veio a comprovar-se que tinha sido por causa das tais injeções, que tinham anfetaminas”.

Vitória e derrota inesquecíveis

Da gaveta das memórias Alípio saem episódios e histórias que nunca mais acabam. As recordações sucedem-se em catadupa, sobretudo sobre jogos que tiveram significados importantes para si e para a equipa.

“Era tradição o Lousada nunca ganhar em Felgueiras. Era muito difícil jogar lá. Quase nunca levávamos equipa completa e por vezes os jogos acabavam com derrota nossa por inferioridade numérica de jogadores. Mas na primeira vez que lá fui como sénior ganhamos 4-1. Foi uma coisa histórica. Havia muita rivalidade entre as duas localidades e essa vitória teve um significado muito importante”, afirma.

Do mesmo modo, há memórias negativas. Uma derrota com um sentimento de vergonha e desilusão aconteceu em 1974: “aconteceu no nosso campo, no célebre jogo dos 5-6, com o Castelo da Maia. A direção combinou connosco pagar um prémio extra por cada golo. Ao intervalo estávamos a ganhar 4-1 e o Tónio Severa esfregou as mãos e disse que íamos gastar a massa toda do tesourinhas, o António Avelino, também conhecido por “Toninho Cokburn”, que era o tesoureiro da Direção. Mas na segunda parte sofremos cinco golos e só marcamos um. Que vergonha que foi, nem é bom lembrar”.

Um infortúnio em Custóias

A tristeza toma conta das palavras e do semblante de Alípio quando lhe perguntamos qual foi o momento mais difícil que viveu na carreira de futebolista. “Foi um infeliz incidente com um jogador famoso do Custóias, na época 1981/82, que se chamava Reina. Nessa época jogava comigo no centro da defesa o Aristides, um jogador raçudo, do Porto, que andava «picado» com aquele avançado, nesse jogo em Custóias. O Reina era um jogador que intimidava os adversários com as suas chuteiras com base e pitons de alumínio. Mas o Aristides não era rapaz para se intimidar. Numa jogada dentro da área, estávamos nós os dois e esse tal Reina a ir disputar uma bola, eu cheguei primeiro e ele, que entrou com tudo a pensar que ia acertar na bola ou no Aristides, mas como eu me meti à frente ele acertou com a canela na minha perna que estava dobrada e portanto menos exposta. Ouvi o osso partir e logo de imediato o Reina gritou sem parar. Senti-me mal e pouco depois pedi para ser substituído. Ao sair ouvi adeptos do Custóias dizer «ele não teve culpa, foi azar».

Foram ossos do ofício, na carreira de um jogador, que ficou na história da Associação Desportiva de Lousada pela lealdade, bairrismo e qualidades futebolísticas.

Recordações de Celestino Rocha

Os treinadores acrescentam sempre algo a um jogador, deixam marcas, nem sempre positivas. Pela carreira de Alípio passaram inúmeros treinadores, alguns dos quais foram celebridades do futebol português, como foi o caso de Raul Machado, natural de Matosinhos e que foi campeão nacional pelo Benfica e jogador da seleção nacional na década de 1960. Ainda assim, o treinador que este antigo defesa central lousadense mais destaca, é Celestino Rocha: “Para mim, a época de 1976/77 foi a melhor que vivi no futebol, tinha eu 22 anos e o treinador era o Celestino Rocha, um técnico de categoria superior, que tinha estado no Leixões, no Beira-mar e no Salgueiros, grandes clubes naquele tempo. Não foi a melhor época pelos êxitos propriamente ditos, pois ficamos um a um golo do Nun’Álvares, na luta pela subida de divisão. Gostei acima de tudo do espírito de equipa que se criou e da qualidade de futebol que praticávamos, que agradava a massa associativa”, recorda Alípio Marques. Foi a época do excelente desempenho do guarda-redes Rui Sequeira, que originou a transferência para o Penafiel, onde se tornou profissional.

Esse destino da saída para outro clube não aconteceu na carreira de Alípio: “eu podia ter isso para o Paredes, que na altura com uma excelente equipa, tinha subido à Segunda Divisão e o meu padrinho de casamento levou-me lá para treinar. Eles tinham o Mascarenhas, o Teixeira, o Daniel, etc. Queriam que eu ficasse lá como profissional e eu não aceitei. Eu era ajudante de despachante na Alfândega do Porto e era preciso muito para me fazer mudar de profissão”.

Alípio Marques terminou a carreira em 1993, como treinador-jogador, vinte anos depois de se estrear na equipa principal.

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