Há pessoas que vivem fora das luzes da ribalta, mas nem por isso perdem o brilho dos elevados princípios humanistas e grandes benfeitorias anónimas ou públicas. É o caso de António Augusto Santos Mota, de 84 anos, co-fundador da antiga Padaria Central e detentor de experiências riquíssimas ao longo da vida, onde se destaca o empreendedorismo comercial e a dedicação ao associativismo desportivo e cultural.
É o filho mais velho dos saudosos Narciso Ribeiro da Mota e Maria José dos Santos, que em 1938 iniciaram atividade no ramo da panificação (padaria) e que hoje se mantém em Lousada como uma referência de grande mérito e superior categoria no ramo comercial lousadense.
Frequentou a escola primária de Cristelos e em 1948 fez o exame de admissão ao liceu de Guimarães, como então era exigido para a frequência do ensino liceal.
Foi aluno do colégio Eça de Queirós, em Lousada, durante 3 anos, ao fim dos quais optou pela escola comercial Raúl Dória, no ensino livre. Depois da frequência desta escola, pioneira na ideia e na prática do ensino da Contabilidade e da Escrituração Comercial fez estágio durante dois anos numa empresa comercial.
Em 1963, “estudei na Alliance Française, em Paris, com o objetivo de me tornar fluente em francês, mas por circunstâncias várias regressei ao país sem concretizar a intenção”, refere António Mota.
Marcante experiência na Índia
Em 1959, iniciou o serviço militar obrigatório na escola prática de cavalaria, em Santarém. Após o curso de sargentos milicianos foi colocado no Regimento de Cavalaria 6, no Porto. Em setembro de 1960 foi mobilizado para a Índia, com o posto de furriel miliciano e ali viveu experiências inolvidáveis, algumas de má memória. “Após alguns meses na sede do agrupamento fui comandar um posto avançado, junto à fronteira com a União Indiana, local por onde entraram as tropas que invadiram o estado português da Índia, a 19 de Dezembro de 1961”, recorda. Quase não houve batalha porque tratava-se de algo equiparável ao confronto mitológico entre David e Golias, ou de um elefante contra uma formiga, pois os 45 mil indianos bem artilhados contra 4500 portugueses munidos de armas obsoletas outro desenlace não podia acontecer senão a rendição ou a morte. Ao contrário do que preconizava Vassalo da Silva, o representante em Goa do governo de Salazar (“Apenas pode haver soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos”), o contingente português rendeu-se.
“Fui feito prisioneiro e estive com mais de 1200 militares e civis no campo de concentração de Ponda, de onde seríamos libertados a 14 de Maio de 1962, após o que regressamos a Portugal”, relata António Mota.

Grande paixão por viagens
Em setembro de 1963, foi gozar umas merecidas férias em França, mas acabou por permanecer lá durante 14 meses, como estudante e trabalhador: “Trabalhei na fábrica de automóveis da Citroen, como adjunto do engenheiro chefe de produção, para facilitar a comunicação com os trabalhadores estrangeiros, sobretudo portugueses, espanhóis e italianos, que começavam a chegar a França em grandes levas de emigrantes”.
Durante o período que esteve em França aproveitou para conhecer o país e fez várias excursões pela Europa. Viajar foi sempre uma das suas paixões, não só pelo espírito de descoberta e aventura mas sobretudo pelo interesse cultural. “Durante os fins de semana e períodos de férias, nesses 14 meses, fiquei a conhecer grande parte dos países europeus”, acrescenta.
Regressado de França, trabalhou na empresa do meu pai e em Agosto de 1966 casou com Maria Alice da Costa Teixeira, que são pais da arquiteta Gabriela Mota e da educadora Olga Mota e avós de Carolina Maia, Helena Maia e Beatriz Mota Ferreira.
Por essa altura deu-se a abertura da sociedade panificadora central de Lousada de que foi um dos sócios fundadores, juntamente com o seu pai (Narciso Ribeiro da Mota), com Eduardo Mendes Xavier (mais conhecido por Soares) e Joaquim Gonçalves Solha (cujos descendentes se mantêm nesta sociedade comercial).
Empreendedor comercial
Paralelamente à indústria da panificação, António Augusto Mota teve outras iniciativas de grande impacto económico e social em Lousada. Em 1974, abriu a Eleterolar, um dos primeiros estabelecimentos de venda de eletrodomésticos da região. Em 1976, em sociedade com os meus irmãos, abriu a pastelaria Colmeia, que foi o primeiro salão de chá e confeitaria, no estilo francês de pâtisserie, uma inovação no concelho de Lousada, que ainda hoje existe, embora na posse da família Oliveira.
Igualmente inovador e arrojado foi o empreendimento que o empresário desenvolveu em 1977 e que relata da seguinte forma: “construí um edifício de quatro apartamentos, que foi o primeiro do género no concelho e Lousada a ser vendido em frações e que me deu algumas preocupações para legalizar a sua venda. As autoridades locais (Câmara, Conservatória e Notário) não estavam ainda preparadas para aquela inovação empresarial e tinham dificuldade em interpretar a respetiva lei”, explica António Mota.
Em 1980 e 1988 teve outros estabelecimentos, na Maia e Freamunde, ligados à panificação e pastelaria.
Em 1988, “construí quatro pavilhões, cuja ideia inicial era instalar uma indústria, mas que acabei por vender e onde hoje está instalada uma empresa”, refere.
Co-fundador do futebol juvenil
Durante a juventude esteve ligado ao desporto. Depois de duas épocas como jogador de futebol, nos juniores do Freamunde, representou a Associação Desportiva de Lousada (ADL) como jogador sénior.
“Fui fundador, em 1963, da secção juvenil da ADL e durante algumas épocas fui responsável técnico e administrador da secção e recordo-me perfeitamente do primeiro jogo dos juniores, que aconteceu na inauguração do Campo dos Escravos, em Lustosa”, recorda o entrevistado.
A equipa era treinada por António «Toninho» Magalhães e desse conjunto faziam parte: Gonçalo Dias, Talau, Azevedo, Zé Manel «Doceiro», Fernando, António Miguel, Melo, Rui e Afonso Magalhães, Gilberto e António «Bagaço».
“Fui dirigente durante alguns anos da ADL e por opção nunca fui presidente, mas houve épocas em que praticamente sozinho suportei a atividade do clube”, sublinha.
Como dirigente da ADL esteve ligado a uma melhoria importantíssima para Lousada, a iluminação do campo de futebol. Foi em 1965 que a empreitada foi avante no tempo da direção constituída por António Vergas Alexandre (presidente), Paulo Afonso da Cunha (vice-presidente), António Augusto Mota (1.º secretário), José Luís Pires (2.º secretário); António Ascenção Magalhães Garcês (tesoureiro); Ramiro Augusto Gomes (vogal) e Manuel Dâmaso de Sousa (vogal).
O entusiasmo em torno da ADL era imenso nessa época e também por isso deu-se um feito assinalável, embora momentâneo: treinada há dois anos por António Mota, equipa de juniores chegou a liderar a classificação da Prova Extra, no final da 1ª volta, facto que acontecia pela primeira vez na sua história. De facto, nunca antes uma equipa da ADL tinha estado no primeiro lugar de uma prova oficial. Dessa equipa faziam parte Alfredo; Joaquim, Machado e Barbosa; João, Teixeira e Afonso; Zeferino, Chico, Sousa e Casimiro. Outros jogadores: Durães, Rocha, Neto e Agostinho.
Gosto musical herdado do pai
Do seu pai herdou também o gosto pelo associativismo humanitário: “fiz parte do Corpo Ativo dos Bombeiros Voluntários de Lousada, desde os 18 anos e cheguei a ser convidado para 2.º Comandante mas a minha vida profissional não permitia que desse o meu melhor contributo e abandonei a posição”.
Como bairrista que se preza ser, António Mota fez parte de várias comissões organizadoras da festa grande: “recordo uma situação, em 1965, em que a dois meses da realização da festa, não havendo comissão promovi uma reunião com várias personalidades, tendo-se constituído uma comissão, sobretudo constituída por jovens, que realizou o evento com grande sucesso”, congratula-se este lousadense.
No âmbito cultural, é de relevar que, tal como o seu pai, foi diretor da Associação de Cultura Musical de Lousada, no período que levou à criação do Conservatório de Música do Vale do Sousa e fez parte do núcleo fundador da USALOU – Universidade Sénior de Lousada.
Agora que está aposentado tem tempo para algo que muito aprecia: viajar. “Durante muitos anos, a minha vida profissional não me deu possibilidade de ter grandes períodos de férias. Só depois, na reforma, fiz turismo de qualidade, tendo visitado alguns países onde realço algumas cidades como Florença, Roma, S. Petersburgo, Viena, Paris, Salzburg e Bilbau”.
Por último, sublinha que “durante anos tive vários casos de internamento hospitalar, com várias cirurgias, estando há alguns anos sem grandes problemas de saúde”. Assim esperamos que se mantenha por muitos e bons anos, fazendo o que mais gosta que é, como o próprio António Augusto Mota afirma, “ vivendo a minha reforma tranquilamente e acompanhando com interesse e orgulho o percurso escolar das minhas netas”.
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