A adição provocada pelo uso excessivo do telemóvel está a transformar as pessoas, as relações interpessoais e a sociedade avançada. Docentes e especialistas em ciências sociais dizem a O Louzadense que é urgente tomar medidas. Um sintoma do vício ou utilização excessiva é a Nomofobia ou medo de ficar sem o telemóvel, sem rede telefónica ou internet. É um termo muito recente e tem origem na expressão inglesa No-Mobile, que significa “sem telemóvel”.
A socialização está em acelerada mudança por causa do telemóvel, que tem tanto de bom como de nefasto. Em Lousada ou noutra localidade, quando entramos num bar escuro o que normalmente sobressai são os rostos iluminados pela luz que sai dos ecrãs dos telemóveis. O dono de um desses locais cansou-se da falta de convívio dos clientes e colocou um letreiro dizendo “Não temos Wi-Fi. Conversem entre vocês.”
O uso intenso e excessivo do telemóvel está a modificar a comunicação e o modo de vida das pessoas. Através das aplicações de comunicação, de trabalho (e-mail), bancárias, recreativas (jogos) e muitas outras apps, o telemóvel comporta múltiplas vertentes da vida quotidiana, de tal forma que são cada vez mais aqueles que não vivem sem ele. É quase como se o mundo e a vida pessoal se confinassem a esse aparelho.
Muitos de nós já vivenciamos desconforto ou pânico, por falta ou risco de ficar sem bateria no telemóvel e não ter um carregador ou corrente elétrica para o ligar. Nem sempre isso é justificado por uma necessidade urgente de estar ligado com pessoas ou entidades. Muitas vezes estar sem telemóvel provoca uma sensação de ausência, de estar incontactável, de estar de fora, impedido, não estar em sintonia. A isso chama-se Nomofobia e é a mais recente doença do comportamento humano.
ENCONTRAR O EQUILÍBRIO
A professora do ensino básico Sónia Oliveira entende que os telemóveis têm “cada vez mais funcionalidades, proporcionando-nos inúmeros benefícios ao tornar a comunicação mais rápida e otimizada”, mas também “com redes sociais que nos prendem horas aos pequenos ecrãs até se tornarem realmente viciantes”.
“Nas crianças e jovens, essa dependência e uso excessivo dos dispositivos móveis, pode criar problemas de saúde e complicações de âmbito social, podemos até chegar ao uso abusivo que provocará (em extremo) transtornos psíquicos como ansiedade ou depressão, provenientes do Cyberbullying, por exemplo”, acrescenta.
Esta docente e coordenadora escolar alerta que “são os jovens e os adolescentes que têm maior suscetibilidade de desenvolver problemas relacionados com a dependência dos telemóveis, devido à sua falta de maturidade cerebral”.
Sónia Oliveira salienta que as relações familiares e o diálogo em família são fortemente afetados. E chama a atenção para o isolamento social, a agressividade e baixo rendimento escolar, que são indicativos de problemas e merecem uma atenção especial. “Temos cada vez mais mais crianças e adolescentes com problemas de atenção, memória e capacidade de concentração. Já para não falar na falta de atividade física inerente ao uso do telemóvel, como um grande facilitador da obesidade. É urgente encontrar um equilíbrio para que possamos usufruir dos benefícios da tecnologia, minimizando os prejuízos”, conclui Sónia Oliveira.

PROBLEMAS FÍSICOS E PSÍQUICOS
A especialista em assuntos psíquicos e sociais, Magda Santos, da Ellus Saúde, considera que “hoje em dia aparecem patologias de índole sócio-emocional, como isolamento, distanciamento da vida real, das relações familiares e problemas em gerir as emoções. As pessoas prendem-se a uma vida digital e esquecem-se da vida real, deixando de investir o seu tempo de lazer em atividades com amigos e família”.
Madga Santos crê que “os problemas psicológicos mais encontrados em jovens e adultos que abusam de telemóveis são a depressão, irritabilidade, isolamento, ansiedade e impulsividade. Frequentemente apresentam também problemas físicos relacionados com posturas viciosas dos utilizadores, como dores cervicais, devido à postura do pescoço para baixo, problemas oculares devido ao excesso de exposição à luz, tal como inflamações e infeções. A falta de atividade física inerente ao uso do telemóvel é prejudicial à saúde física e um grande facilitador da obesidade”.
Questionada sobre o que fazer para lidar com este problema, a especialista afirma que “na infância, recomenda-se que o uso destes dispositivos seja restrito a 2 horas por dia e que esse período não seja antes de dormir. A recomendação das entidades médicas é que as crianças não tenham contacto com os ecrãs até completarem dois anos. Entre 3 e 7 anos não devem jogar ou brincar no telemóvel por mais de 30 minutos por dia e sempre com a supervisão de um adulto. As mudanças de comportamento dos adolescentes (isolamento social, agressividade e baixo rendimento escolar) são indicativos de problemas e merecem uma atenção especial”.
Em jeito de síntese, Magda Santos afirma que “como fuga aos problemas da vida quotidiana deixa-se de viver a realidade para facilmente nos prendermos a um ecrã. Ainda precisamos de encontrar o equilíbrio para que possamos usufruir dos benefícios da tecnologia, minimizando os prejuízos”.

Um telefone preso à parede
Marina Caldeira (psicóloga)
Do nada, o telemóvel enche-se de informação, que nos mantém lá, mais e mais tempo, até deixarmos de ser, de estar, de sentir e ninguém se apercebeu, pois já não conseguimos desviar a cabeça para olhar verdadeiramente o mundo. Informação importante ou não, verdadeira ou não, que nos alimenta a alma ou não, mas deixamos de filtrar, alimentando-nos de tudo o que nos servem.
Começou a interessar mostrar e não viver. O querer ser igual ao outro que mostra mais. E o refletir, o sentir? Ninguém sabe, ficaram algures perdidos nos filtros que acrescentam para embelezar ainda mais o mundo faz de conta.
Assim se vive muito com as novas tecnologias, com amigos de jogos, fotos filtradas, informações estranhas, famosos em cinco segundos, auto estima pesada por gostos. E nós, onde ficamos? Ficamos perdidos no vazio da solidão, rodeada de vazio de informação que não nos faz seres humanos.
Quanto tempo passas com o telemóvel na mão? Há quanto tempo não te ouves? Há quanto tempo não vês o mundo e os teus, sem mais nada na mão, para além da natureza na sinfonia do que somos? Mas, mais importante de tudo, quando deixamos de pensar por nós, para passarmos a pensar o que nos dizem? Será preciso muito mais, para refletirmos sobre os riscos que corremos na perda de uma vida que é nossa e nos foi arrancada por uma promessa estudada para nos manter em cativeiro? E, assim, vai o ser humano, preso, numa gaiola aberta, dependente, sem se aperceber do que realmente o que faz crescer: o seu pensamento. É preciso prender novamente o telefone à parede?

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