por | 31 Mar, 2023 | Sociedade

Lixos de Itália continuam a preocupar: Câmara Municipal é acionista mas não sabe o que a RIMA esconde

Em Lousada há dois aterros sanitários, ambos em Lustosa: o aterro da RIMA, que é privado (mas um dos acionistas é o Município de Lousada) foi construído para receber resíduos industriais não perigosos; e o aterro da AMBISOUSA, que deposita e trata (recicla) resíduos sólidos urbanos de Lousada, Felgueiras e Paços de Ferreira. Ambos os aterros estão perto de esgotar a sua capacidade. Cada vez cabe menos lixo ali. No aterro da RIMA já não aceitam certas cargas de empresas da região. Mas queriam aceitar dezenas de toneladas de lixo vindo de Itália, cujo negócio foi por água abaixo, mas que ainda faz correr rios de tinta, sem, contudo, responder a perguntas importantes.

Daqueles dois aterros o que se mostra mais transparente e acessível é o da Ambisousa, talvez por se tratar de um aterro intermunicipal, gerido pelos Municípios do Vale do Sousa (atente-se mais adiante à entrevista de Rui Pedro Pires). Ali há visitas pedagógicas, amostragem, facilitação de documentos, entrevistas, numa postura comunicacional que se louva. O mesmo não podemos dizer da RIMA, uma unidade de gestão privada, onde o Município de Lousada tem uma conta, mas que não lhe parece valer de muito. O aterro da RIMA foi criado em 2008 para recolher resíduos industriais de Lousada e concelhos vizinhos, mas as portas daquele local abrem-se também para lixos que valem milhões. Foi o caso dos famigerados resíduos que vieram de Itália, em 2020.

O negócio contratualizado entre a RIMA e uma empresa italiana para a deposição em Lousada de mais de 25 mil toneladas de lixo gerou bastante celeuma devido a suspeitas de perigo para a saúde pública.

Dezenas de toneladas desse lixo foram depositadas, entre Março e Maio, sem que a Câmara Municipal soubesse desse depósito e do teor dos resíduos, o que se estranha pois trata-se de um acionista da RIMA.

O aparecimento e expansão célere da pandemia da Covid-19 em Março de 2020 na Europa, com o principal foco em Itália, foi o pano de fundo deste caso. Por essa altura, chegavam diariamente a Lustosa (Lousada), camiões transportando várias toneladas de lixo italiano a partir do Porto de Leixões. O alarme soou nas redes sociais, nos jornais, na Assembleia e Câmara Municipal. Que resíduos eram esses? Estaria o lixo contaminado? Que perigos representava para a saúde? Rios de tinta e resmas de papel foram gastas neste assunto e ainda assim muitas respostas estão por dar.

Em Maio daquele ano foi entreposta uma providência cautelar, pela Câmara de Lousada, que assim abortou o negócio italiano da RIMA. E esta deu entrada no Tribunal Administrativo de Penafiel uma ação contra um dos seus parceiros, o município lousadense, a quem exige uma indemnização no valor de 12 milhões de euros.

RIMA é acusada de entraves

Entretanto, ainda em 2020, uma Comissão Técnica Independente (CIT) foi constituída para averiguar e responder às preocupações que se levantaram. O grupo integrou vários membros, nomeadamente o ambientalista da Associação Zero, Rui Berkemeier, que nos confessou que nunca chegou a ir ao terreno (aterro) e que o trabalho da CIT foi feito “à distância”. A pandemia a isso obrigou. Mas não foi o único entrave. O parecer final deste grupo de trabalho “não foi absolutamente conclusivo”, conforme seria desejável. Aquele especialista ambiental refere que “além de documentação, faltou cumprir outros requisitos importantes, como o acesso aos locais de recolha de amostras”, o que nunca foi permitido pela RIMA.

No relatório da CIT, presidida pelo professor universitário Manuel Arlindo Matos, é referido na página 7 que “nenhuma documentação foi facultada pela RIMA a esta comissão, apesar das várias tentativas veiculadas através da Câmara de Lousada”. Registe-se também o facto de a Câmara de Lousada não ter disponibilizado quaisquer documentos relativos à RIMA, da qual é acionista, o que sempre causou perplexidade a esta comissão”.

Por seu lado, o ambientalista Rui Berkemeier enfatiza: “custou-me um pouco compreender como é que o Município de Lousada, sendo parte integrante da RIMA, não tinha certas informações, facto que resultava claramente da falta de ligação, de comunicação, com os outros acionistas”. Essa distância notada pelo ambientalista e que terá ficado plasmada no relatório da referida comissão de inquérito, viria a extremar-se com o litígio que decorre presentemente no Tribunal Administrativo de Penafiel.

Tal como a RIMA, nem o presidente da Câmara, nem o gabinete de imprensa  responderam ao e-mail que enviamos (em fevereiro) a solicitar esclarecimento e comentário acerca destas questões. Outras diligências de contacto revelaram-se infrutíferas.  Sabe-se, contudo, que na Assembleia Municipal (AM), de 24 de fevereiro, o presidente do Município afirmou que “já chega de receber resíduos no nosso território” e revelou que “estamos a contestar uma ação (judicial), em que a RIMA tem um pedido de indemnização de 12 milhões de euros e pede a condenação da Câmara e do Presidente da Câmara a título pessoal”. Na intervenção, Pedro Machado disse que “essa petição é uma forma de pressão inadmissível”.

Oposição quer nova investigação

O líder da oposição, Leonel Vieira (PSD), reitera que “enquanto não obtivermos respostas concretas e definitivas sobre a perigosidade dos lixos e qual o papel da Câmara neste processo desde o início, eu e o PSD Lousada não vamos descansar” e na última Assembleia Municipal defendeu a criação de uma nova comissão de inquérito “que leve a investigação até ao fim, de forma cabal e inequívoca”.

Citando o jornal Observador, Leonel Vieira afirma que “os 144 contentores de resíduos italianos apreendidos em 2020, 142 tinham resíduos perigosos que entraram como banais. Segundo a Agência Portuguesa do Ambiente (APA), as análises realizadas detetaram resíduos perigosos em 142 dos 144 contentores, que foram apreendidos nos portos de Leixões e de Sines em agosto de 2020. A APA diz que os resíduos italianos estavam a ser importados ilegalmente para o nosso país. O próprio Secretário de Estado, João Galamba, afirmou que os resíduos que vieram de Itália são perigosos.”

“A Agência Portuguesa do Ambiente mandou analisar o conteúdo de todos os contentores e descobriu que na carga registada como resíduos industriais banais estavam 142 dos contentores que continham afinal resíduos industriais perigosos”, acrescenta o social-democrata, que vai mais longe ao sublinhar que “convém referir que a RIMA recebe resíduos perigosos porque as entidades públicas emitiram as respetivas licenças e a Câmara Municipal de Lousada ou desconhecia a situação, o que é grave, ou fez de conta, o que ainda é mais grave”.

Na Assembleia Municipal de 22 de dezembro último, Leonel Vieira afirmou que “a RIMA não é uma empresa fiável e passo a citar o relatório da CTI: «esta comissão recomenda ainda às várias entidades que detêm autoridade administrativa em relação à RIMA, o exercício efetivo de procedimentos de auditoria, de forma a que haja a necessária transparência em matéria de informação ao cidadão, em ordem a permitir o seu próprio escrutínio»”.

Foto CMTV

Um consórcio às avessas

Parece que os sócios da RIMA estão de costas voltadas. Nenhuma das partes, nem mesmo o presidente Pedro Machado acedeu responder-nos (às questões colocadas por e-mail), sobre o litígio que está instalado e se o entendimento entre as partes é viável fora dos tribunais. Perder um contrato chorudo como aquele que tinha sido celebrado com os italianos, parece ter sido penoso para os participantes capitalistas do consórcio RIMA e estes não parecem perdoar ao Município de Lousada a providência cautelar que despoletou a anulação do negócio.

Tudo indica que a autarquia lousadense é o elo mais fraco deste processo, já que a RIMA é gerida por dois acionistas maioritários, a Mota-Engil Ambiente e Serviços e a Suma Serviços Urbanos e Meio Ambiente, ambas pertencentes ao colosso da engenharia e construção, Grupo Mota-Engil. Há ainda um acionista minoritário, a IDAMBI – Estudos e Projetos de Ambiente, com sede no Porto.

Deste desequilíbrio de interesses parece resultar um litígio cujo desfecho poderá implicar uma fortuna.

CML Vs. RIMA

Entrevista a Rui Pedro Pires (Ambisousa)Aterro da Ambisousa parcialmente encerrado

Além do aterro da RIMA, que se destina a resíduos industriais, existe em Lustosa o aterro sanitário da Ambisousa, gerido pela Associação de Municípios do Vale do Sousa, e que recolhe os resíduos urbanos dos concelhos que a integram. Todos os aterros têm um prazo de vida e o da Ambisousa está a chegar ao fim da sua existência enquanto recetor e depósito, prevendo-se que em 2025 deixe de ser colocado lixo naquele local.

Para saber disso fomos ouvir o engenheiro ambiental Rui Pedro Pires, responsável do Departamento de Exploração e Valorização da Ambisousa, que nos mostrou a empreitada de selagem parcial, em zonas do aterro que já não estão a receber lixo. “Isto surge da vontade e consciência ambiental do Conselho de Administração da Ambisousa em mitigar o potencial impactante dos aterros, com a devida proteção do ecossistema envolvente bem como a salvaguarda da saúde e bem-estar das pessoas. A selagem final será elaborada e complementará esta empreitada assim que seja atingida a capacidade total do aterro”, o que deverá ocorrer daqui a cerca de dois anos, segundo o entrevistado.

Rui Pedro Pires

A selagem pretende criar um espaço esteticamente agradável e inserido na envolvente do ecossistema da zona. Por cima das telas de impermeabilização será colocada terra onde se farão sementeiras e plantações.

Alternativa ao aterro

Uma questão que se coloca com premência é: que alternativas para os aterros? Sobre isso diz Rui Pires: “essa questão está a ser amplamente analisada e ponderada pelo Conselho de Administração e técnicos da Ambisousa, sendo que ainda não existe a completa definição da solução futura. Estamos em contacto com a LIPOR no sentido de avaliar a possibilidade de efetuar o tratamento devido de parte substantiva dos resíduos indiferenciados e, em complemento, estamos a construir uma Unidade de Valorização Orgânica que permitirá tratar os bio resíduos produzidos e recolhidos no Vale do Sousa”.

Após a selagem, e fim do depósito de lixo no solo ou subsolo daquele local, vai continuar a operar ali a Estação de Triagem, “que resulta de um forte investimento da Ambisousa para promover uma maior capacidade de tratamento de resíduos recicláveis”, disse o engenheiro ambiental.

Entretanto, há quem questione sobre a qualidade do ar e das águas das nascentes das zonas limítrofes do aterro. Instado a pronunciar-se sobre isso, este técnico responsável da Ambisousa invocou que “foi-nos atribuída uma Licença Ambiental, que foi renovada em janeiro de 2022, sem reparos, e prevê uma rigorosa monitorização periódica aos lixiviados, águas subterrâneas, águas superficiais, emissões gasosas entre outros e cujos dados são reportados periodicamente às entidades competentes”. Rui Pires esclarece que “adicionalmente somos, de forma regular, alvo de vistorias da Inspeção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, sem que tenham surgido quaisquer situações de relevo ambiental”.

Procurando ser categórico, sublinha que “não denotamos qualquer perigo ou problema para a população. É de frisar que todos os líquidos produzidos no decurso da operação do aterro sanitário e da estação de triagem são encaminhados para tratamento adequado para a ETAR do Ave”.

Pedagogia e civismo

Esta unidade de reciclagem no aterro da Ambisousa “é muito solicitada para visitas, quer particulares quer institucionais, abrangendo diversas faixas etárias e que pretendemos manter uma vez que consideramos estas iniciativas como muito relevantes para a sensibilização ambiental”.

Por último Rui Pedro Pires afirmou, em jeito de mensagem pública, que “é importante referir o papel fundamental que cada cidadão tem no desempenho da Ambisousa se efetuarem nas suas casas e outros locais a correta separação e encaminhamento aos ecopontos, aumentando a quantidade de resíduos recicláveis e diminuindo a quantidade de resíduos indiferenciados. Dos seus resíduos tratamos nós, mas contamos com o apoio de todos sem o qual não será possível atingir os objetivos e metas exigidos”.

Imagem aérea dos Aterros RIMA e AMBISOUSA

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