FAMÍLIAS DE ACOLHIMENTO DE CRIANÇAS EM RISCO
As crianças e jovens que são sinalizadas pela Segurança Social e pelas Comissões de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) e pelo Ministério Público, têm duas soluções primordiais: ir para uma família de acolhimento ou serem internadas numa instituição. Neste segundo caso convivem com crianças com um passado e um presente semelhantes e com um futuro duvidoso e incerto. Por isso é comum defender a primeira opção, o acolhimento no seio de famílias de acolhimento. Fomos conhecer um caso.
Motivada pelo exemplo de uma família em Caíde de Rei, Graça decidiu, em 2005, candidatar-se a família de acolhimento.
“Na altura o meu filho, que hoje tem 36 anos, estava em Coimbra a estudar na faculdade e eu sentia um certo vazio e uma necessidade de dar carinho e amor a crianças necessitadas”, começa por referir. Decidiu inscrever-se como família de acolhimento na Segurança Social. O processo moroso foi deferido e algum tempo depois acolheu em sua casa um casal de irmãos, de 6 e 7 anos, que as autoridades haviam retirado aos pais, numa freguesia vizinha, por incúria e incapacidade de os fazer crescer devidamente. “Estiveram aqui até atingir a maioridade e atualmente têm as suas vidas orientadas e são independentes”, revela Graça.
Entretanto, dois anos depois da chegada destes, surgiram mais dois colhidos, dessa vez um casal de 14 e 10 anos, de Felgueiras. “A menina esteve aqui 3 anos e o rapaz, muito complicado e problemático, esteve cá apenas 1 ano e foi colocado numa instituição, de onde fugiu de lá”, afirma.
Há 10 anos, a prole de acolhidos aumentou. Primeiro foi a chegada de dois gémeos de uma freguesia de Lousada, cujos pais estavam separados e sem condições de os criar. Ao fim de três anos as crianças retornaram ao pai que comprovou à Segurança Social a melhoria de condições para acolher novamente os filhos.
UM CASO DIFERENTE
“Com exceção do rapaz de Felgueiras, de quem infelizmente nada mais soubemos, vamos tendo notícias e visitas dos restantes jovens que por aqui passaram”, diz Graça, que sublinha a importância de ver cada criança como um caso especial e diferente dos outros. Por falar em especialidade e diferença, o caso que mais sobressai no histórico de crianças acolhidas por esta família remonta a 2014, com a chegada de Ana.
“Certo dia, ligaram da Segurança Social a perguntar se queríamos ir ver uma menina que estava para acolhimento, num infantário em Santo Tirso, mas avisaram que se tratava de uma menina muito especial e explicaram porquê. Fomos lá num dia em que também foram outras famílias como nós, para ver quem poderia ficar com a ela. Outras famílias já haviam recusado. Aguardamos numa sala, para onde ela foi levada pelas educadoras e sem que eu possa explicar porquê a menina agarrou-se logo a mim e ficou no meu colo. Por isso, eu costumo dizer que foi ela que me escolheu”, declara Graça.
O acentuado deficit cognitivo e relacional de Ana devem-se à esclerose (mesial do lóbulo temporal), epilepsia, espectro do autismo e síndrome 3Q28, cujas características mais comuns incluem nomeadamente características faciais ligeiramente dismórficas como microcefalia, face longa e estreita, filtro curto e ponte nasal alta.
Durante vários anos a menina frequentou consultas de neurologia, pedopsiquiatria, genética e desenvolvimento, quase sempre no Hospital de São João, no Porto. “Chegávamos a ir a quatro consultas por mês”, afirma.
“Tal como os outros que aqui tivemos, cuidamos dela como se fosse uma de nós, como se fosse nossa em pleno. A mãe não a quer ter de volta, mas uma vez por mês vem cá vê-la.

APOIOS MELHORARAM
Embora se queixe da falta de acompanhamento dos serviços da Segurança Social, “que já foram muito bons, mas de há uns tempos para cá foram saindo técnicos, que não foram substituídos, e os casos como este estão muito concentrados em poucos técnicos”, expõe a nossa entrevistada.
No respeitante a apoios financeiros, “eram escassos até há cerca de dois anos, mas com a mudança da lei e revisão dos apoios às famílias de acolhimento, houve um aumento para valores mais condizentes com as necessidades reais das crianças e dos acolhedores”.
Ainda assim, “falta apoio, sobretudo nas férias, pois não há serviços que ocupem crianças como esta”, lamenta Graça, que se manifesta “muito preocupada com o futuro desta menina”. Ana está da altura de Graça e tem vindo a ganhar força “chega até a ser algo rude e receio que se possa tornar agressiva, não sei, oxalá não, porque não sei se conseguiria ter mão nela numa situação dessas”, confessa.
O que é certo é que daqui a quatro anos Ana vai ter que ir embora, pois é assim que a lei determina. “Quero muito que ela possa ser acolhida por um serviço especializado como o lar residencial da ACIP, por exemplo”, conclui.
“Não foi fácil este acolhimento, mas o amor tudo supera e ela é a maior paixão que temos, o amor mais louco, como costumo dizer. Um dos momentos mais felizes que temos é quando vamos passear de carro. Ela adora. Sinto que ela é feliz connosco”, acrescenta a acolhedora.
Entrevista com Jorge Garrido, presidente da CPCJ de Lousada

Privilegiar o acolhimento e não a institucionalização
O Louzadense – Que vantagens e desvantagens vê nas famílias de acolhimento em vez da institucionalização de crianças?
Jorge Garrido – Nas medidas de promoção dos direitos e de proteção das crianças e dos jovens em perigo a lei dá primazia às que não envolvam o afastamento da criança dos pais ou da família em detrimento das que se consubstanciam na colocação familiar ou institucional. Por outro lado, o princípio da prevalência da família não pode ser encarado em termos absolutos, deixando de fazer sentido sempre que ocorram situações em que embora existam laços afetivos entre pais e filhos, aqueles colocam em grave perigo a segurança, a saúde, a educação e o desenvolvimento destes.
Nessas situações, não está em causa o afeto e o amor aos filhos, mas a incapacidade para os proteger e para lhes proporcionar as condições essenciais ao seu desenvolvimento saudável. Sendo medidas de colocação, fora do meio natural de vida das crianças e jovens, a própria lei de promoção e proteção refere que se deve privilegiar a aplicação da medida de acolhimento familiar sobre a de acolhimento residencial, em especial relativamente a crianças até aos seis anos de idade.
O Louzadense – Como caracteriza o acolhimento de crianças por famílias em Lousada?
Jorge Garrido – Não temos dados que nos permitam avaliar a aplicação dessa medida de colocação em acolhimento familiar no concelho de Lousada, no que respeita à Comissão de Proteção de Crianças e Jovens. Desde 2019, altura em que exerço funções na CPCJ de Lousada, tem-se privilegiado a aplicação de outras medidas, quer em meio natural de vida, quer em regime de colocação em acolhimento residencial das nossas crianças e jovens, precisamente por questões relacionadas com o caráter mais prático destas medidas, em detrimento da morosidade e indisponibilidade de famílias devidamente habilitadas para o efeito.
O Louzadense – Há mais predominância do retorno dos acolhidos às famílias de origem ou a autonomia total dos acolhidos quando atingem a maioridade?
Jorge Garrido – A predominância situa-se no retorno efetivo à família de origem, à família alargada, sendo que a medida de autonomia de vida se afigura com pouca aplicação. Ao atingirem a maioridade, a quase totalidade dos processos de promoção e proteção ficam arquivados, precisamente por esse motivo, cabendo às entidades de primeira linha de intervenção o acompanhamento das mais diversas situações.
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