por | 27 Set, 2023 | Íris Pinto, Opinião

Competências parentais: perceções de reclusas que vivem com os filhos na prisão

Opinião de Íris Pinto*, Mestre em Psicologia da Justiça e do Comportamento Desviante

O presente estudo teve como objetivo analisar as perceções das mães reclusas sobre as suas competências de parentalidade com os seus filhos que vivem igualmente no EP. 

As mães reclusas entrevistadas aderiram de forma colaborante às entrevistas, respondendo com pormenor e abertura às questões colocadas. Retrataram as suas perceções e experiências como mães reclusas, expuseram a sua opinião sobre os efeitos da permanência no EP, para si e para as crianças, pormenorizaram momentos experienciados com os filhos, relataram dificuldades sentidas na circunstância em que se encontram, exploraram as suas competências parentais e as condições do EP. Por fim, retrataram o suporte social, familiar e do EP.

Através dos dados recolhidos, foi possível observar as competências parentais positivas presentes nas mães reclusas. As mães evidenciam o amor que sentem pelos seus filhos, partilham momentos positivos com os mesmos, demonstram conhecimento sobre as características individuais da criança, partilham as práticas educativas utilizadas que, com exceção de algumas mães, não possuem tolerância à punição corporal. Do mesmo modo, ilustram as necessidades emocionais da criança, explicitam como demonstram afeto pelo filho, sendo este físico e psicológico, partilham o caloroso afeto que o respetivo filho possui pelas mesmas. De modo geral, as mães afirmam deter competências parentais positivas, descrevendo fornecer as necessidades da criança e realizar ações essenciais para o bom desenvolvimento do filho.

As reclusas que possuem suporte social e/ou familiar acrescentam a motivação que esse apoio lhes oferece, auxiliando no seu quotidiano no EP. Algumas reclusas afirmam que as mães se entreajudam quando necessário, tendo as necessidades dos filhos como centro da sua atenção. No entanto, uma mãe descreve a culpa que sente por ter consumido cocaína enquanto estava grávida da sua filha, explicando que já tinha conhecimento da gravidez, porém não terminou o consumo, sente que não colocou as necessidades da criança em prol das suas.

Ademais, são exploradas as características do EP para mães nestas circunstâncias. Aqui é descrito um enorme apoio do próprio EP, realçando o papel dos serviços clínicos, estes possuindo vários profissionais disponíveis para as mães e as crianças. De seguida são descritas atividades realizadas, nomeadamente yoga, ginástica, natação, dança, entre outros e, da mesma forma, oferecem atividades com o objetivo de desenvolver capacidades desenvolvimentais com as crianças. Por outro lado, existem atividades com o objetivo de proporcionar a participação das mães de forma a reforçar os laços emocionais entre mãe e filho, assim como sensibilizar as mães da importância da creche no desenvolvimento e aprendizagem das crianças. Também, as reclusas descrevem o apoio constante das guardas prisionais, que demonstram um enorme carinho e preocupação pelas crianças. Uma mãe destaca o suporte que a diretora oferece numa base global. A creche é descrita como extremamente positiva, visto que, durante a semana, as mães podem acompanhar as crianças até à creche de manhã e posteriormente dirigirem-se para o seu posto de trabalho, se for o caso, estudar ou fazer tarefas domésticas durante o dia, sendo somente necessário apoiar o filho ao almoço e recolhê-lo ao final da tarde da creche. E por fim, narram o constante acompanhamento do EP de um modo geral.

Em oposição, são retratadas dificuldades experienciadas pelas mulheres, por um lado, pela presença de outras mães reclusas, que igualmente vivem com os seus filhos, e por outro lado, das mães reclusas que têm filhos a viver fora deste contexto. É demonstrado um julgar pelas mesmas, existindo desentendimentos regulares, inclusive são descritos alguns conflitos entre as crianças.

Além disso, caracterizam as pobres condições das celas do EP, estas sendo descritas como pequenas para uma mãe e o seu filho e evidenciam o sentimento de injustiça por serem encerradas durante a noite, receando que se acontecer algo negativo com a criança não irão obter apoio imediato necessário, uma vez que são obrigadas a bater na porta da cela para as guardas prisionais se aperceberem do ocorrido. No entanto, é referido o ponto positivo de possuírem telefones na cela, mas que podem apenas utilizar num determinado horário. Tendo em conta o EP em geral, as mães focam-se na sensação de um ambiente pesado e a dificuldade da aquisição de material, brinquedos e comida para as crianças.

Contudo, também foi notório a sensação de culpa que as mães possuem pela situação em que se encontram, afirmando que o seu filho não deveria estar na situação de permanência da prisão, realçando que quem cometeu um erro foram elas e não a criança. De igual modo, descrevem os efeitos negativos que pensam existir para as crianças, entre estes, a existência de confrontos, a limitação do ambiente do EP e as crianças começarem a comunicar com as guardas prisionais como se fossem reclusas, pedindo autorizações para levantar, a título de exemplo. Algumas mães realçam que a partir do momento que a criança se começar a aperceber do contexto em que está, querem retirá-la do EP, explicando que as crianças percebem as circunstâncias e memorizam-nas. Contrariamente, é referenciado aspetos positivos para os filhos, nomeadamente, o apoio do EP, o convívio entre as crianças e a importância da amamentação nas crianças mais novas. No que se refere às mães, estas descrevem inúmeros lados positivos pela presença do filho, principalmente “a força” que a criança lhes oferece, o apoio do EP e estarem com as celas abertas ao fim-de-semana. Como lado negativo, focam a dificuldade da privacidade e de realização de tarefas quotidianas.

As mães demonstraram a sua visão, em geral, sobre o exercício da maternidade, delas mesmas e das outras mães, num EP. Maioritariamente, afirmam ser positivo, contudo bastante complexo, descrevendo sentimentos de felicidade combinados com sentimentos de tristeza. No entanto, maior parte das mães, retratam a enorme felicidade que a criança lhes oferece, expondo que sem o filho, o tempo no EP iria ser mais complicado. Salientam a ajuda das outras mães, apesar da existência de problemas de relacionamento. Algumas mães expõem a opinião de certas reclusas usarem o seu próprio filho para atingirem os seus objetivos pessoais.


*Nota Biográfica

A Dra. Íris Pinto concluiu o seu mestrado em Psicologia da Justiça e do Comportamento Desviante na Universidade Católica Portuguesa do Porto, em 2023. Durante o seu percurso académico, realizou um estágio no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo – Masculino. Posteriormente foi convidada a desenvolver e implementar um plano abrangente de prevenção e contingência destinado aos reclusos da instituição. Além disso, no âmbito do mestrado, conduziu uma pesquisa, explorando as perspetivas das mães reclusas que vivem com os seus filhos na prisão acerca de suas competências parentais.

Atualmente, a Dra. Íris Pinto está envolvida em um projeto intitulado “Liberdade dos Talentos” na Clínica da prisão, focado em indivíduos inimputáveis. Este projeto tem previsão de apresentação no Congresso de Saúde Mental e Arte em dezembro deste ano. A Dra. Íris Pinto também contribuiu para o debate público sobre questões relacionadas a adições e vícios ao participar no programa de debate “Scroll” na RTP2, enriquecendo o diálogo em torno dessas importantes temáticas.

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