No passado dia 8 de janeiro, foi publicado o decreto-lei 10/2024, conhecido como Simplex urbanístico. Nele consagram-se uma séria de medidas que visam a diminuição da carga burocrática relacionada com a atividade urbanística, consequente aceleração de início de obra, portanto, maior rapidez na disponibilização de habitação que , como é sabido, é escassa no nosso país e já agora, pelo menos, por toda a Europa.
Este diploma, tal como uma grande parte dos que vão sendo publicados, denotam alguma precipitação, senão algum desconhecimento das realidades sociais e técnicas. Tal é evidenciado pela existência de algumas simplificações a montante que, a jusante, não são aplicáveis, podendo gerar problemas graves a todos os que vão no engodo das simplificações que se vão propalando. Exemplos disto são a isenção de autorização do condomínio para mudança de função de comércio ou serviços para habitação, mas não isentar, a mais que provável alteração de fachada a que isso possa obrigar; a possibilidade de aumento de pisos sem aumento de cércea do edifício, o que é possível em frações de pé-direito duplo, mas que aumenta a área de construção, tendo impacto nos índices de construção, portanto, não só sujeito a controlo prévio, como até impeditivo. Com esta ilustração percebe-se que a cautela na abordagem ao Simplex deve imperar.
Mas a medida que talvez não tenha sido tão sublinhada como outras, algumas propensas à incoerência, é a da queda da obrigação de existência de licença de utilização para a transmissão de habitações. Lembremo-nos que esta obrigação, foi introduzida há muitos anos para fazer face aos abusos da indústria da construção. Mas não só, permitiu que se tivesse iniciado um trabalho, que está longe de estar terminado, de legalização de construções, onde, mercê de uma consciencialização promovida pelos municípios, de que Lousada é um bom exemplo, tem sido possível corrigir vários problemas urbanísticos.
É certo que esta obrigação, se por um lado defendia o consumidor, não deixava de criar situações pouco claras, com transmissões de urbanos apenas possíveis através do tribunal ou pela mera transmissão do terreno, sem referência às “benfeitorias” nele existente: a quantidade de problemas gerados por esta circunstância é enorme. Enorme é, também, a quantidade de imóveis sem essa licença entregues aos bancos que , em tempos idos, não eram muito sensíveis a essas questões. Não são apenas estas instituições que poderão fazer negócios obscuros com imóveis ilegais: a possibilidade de “desenrasques” de momento aumentará exponencialmente com o agravamento de situações a que já estamos habituados.
Ignoro se estes últimos factos se relacionam com a isenção que está já em vigor, ao contrário de outras que só produzem efeitos a partir de 4 de março, todavia, todo o adquirente deverá optar por habitações que estejam devidamente legalizados, portanto, com a respetiva licença de utilização, a qual continua a ter validade para outros atos, já que fica garantida dessa forma a valorização da habitação, podendo não acontecer no caso contrário. Além disso, para quem necessitar de financiamento bancário, é pouco crível que qualquer instituição, hoje, conceda um empréstimo sobre uma construção que não esteja legal. Também, face à grande volatilidade das leis em Portugal, a probabilidade de repor esta obrigação não é nada de irreal, pelo que uma retransmissão pode ficar comprometida: o melhor é não facilitar.
Por último, mais do que simplificações por decreto, é necessária uma revolução de mentalidade na administração pública, que aqui e ali até se vai notando de forma imberbe: há que implementar uma mentalidade de apoio ao utente, substituindo a mentalidade de pequeno poder na qual assente a maior corrupção aquela que atinge diretamente o povo.
Conclusão: Simplex, sim, facilitação, não, atitude diferente, obrigatória.
Eduardo Silva
Eng.º Civil













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