por | 28 Jun, 2024 | Cultura, E Depois D'Abril?

O dia em que Lousada acordou pintada

E depois d’Abril? [2]

Quando o Governo Provisório decorrente da revolução de 15 de Abril de ’74 autorizou a utilização de tinta para a propaganda dos partidos políticos, abriu-se a Caixa de Pandora dos pintores partidários. Foi como se um novo mundo tivesse sido descoberto e uma nova normalidade fosse instituída. Mas não foi totalmente limpo o processo de sujar paredes com propaganda. Ainda assim, tal campanha contribuiu em Lousada para um feito histórico e louvável: apenas 4,8% de abstenção nas primeiras eleições em democracia.

A manhã do dia 2 de Abril de 1975 deixou surpresos muitos lousadenses que se depararam com os edifícios públicos, paredes e muros pintados com propaganda partidária, logo no primeiro dia da campanha eleitoral para a Assembleia Constituinte, que iria redigir a Constituição Portuguesa (cuja essência vigora nos nossos dias). Além desse facto determinante, essas eram as primeiras eleições em liberdade, após a revolução de 25 de Abril de 1974. O ato eleitoral decorreria precisamente um ano depois da revolução dos cravos.

Escreveu o Jornal de Lousada na primeira página da primeira edição daquele mês: “esta vai ser, sem dúvida, a mais animada campanha eleitoral de todos os tempos da nossa história.  Colagem maciça de cartazes, comícios e sessões de esclarecimento sucedem-se em ritmo muito vivo. A TV e a Rádio foram mobilizadas para esta campanha e as emissões são seguidas atentamente.  São os seguintes os Partidos concorrentes: CDS – Centro Democrático Social; FEC – Frente Eleitoral de Comunistas (Marxistas-Leninistas); FSP – Frente Socialista Popular; LCI – Liga Comunista Internacional; MDP/CDE – Movimento Democrático Português; MES — Movimento da Esquerda Socialista, PCP – Partido Comunista Português; PPD – Partido Popular Democrático; PPM – Partido Popular Monárquico; PS – Partido Socialista; PUP – Partido de Unidade Popular; e UDP – União Democrática Popular”.

Nem os Paços do Concelho escaparam à pincelada e aos cartazes. A escola junto aos bombeiros também foi gatafunhada com tinta. Quase não havia slogans nem frases. Predominavam as siglas dos partidos, que eram pintadas em letras garrafais. Esta inovação transportada pela democracia instaurada um ano antes, gerou um “novo normal”, que em diversas situações foi estranho para as autoridades e para a maioria da população.

Mas nem tudo foi limpo. Muitas paredes foram sujas. Pintadas, vá. Ora, pintar paredes com propaganda político-partidária foi, inicialmente, um quebra-cabeças para as entidades locais. O vazio legal causou indecisão no posto da GNR, comandado pelo cabo António Vieira Monteiro.

Na manhã de 2 de abril de 1975, primeiro dia oficial da campanha eleitoral, aquele militar, apanhou em flagrante dois operários de tamancaria, que, de balde em punho e trincha de pintura em riste, se encontravam a ornamentar com propaganda o edifício da GNR, sito na esquina da rua Afonso Quintela e a avenida da feira (que se haveria de chamar Humberto Delgado).*

Os detidos alegaram que numa sessão de esclarecimento realizada dias antes no salão dos bombeiros de Lousada foi dito que podiam pintar propaganda em qualquer local público.
O comandante da GNR lousadense abalou rua acima em direção ao tribunal. O juiz da Comarca de Lousada e o escrivão de Direito ficaram igualmente indecisos. A lei era omissa. Aliás, não havia lei, mas sim um despacho a autorizar a fixação de propaganda em locais públicos. Mas nada dizia sobre pintar postos da GNR. Ficaram de averiguar da ilegalidade. Enquanto isso, os ditos operários foram mandados embora e pelo caminho em direção aos Eidos Novos terão pintado os muros do campo de futebol da Boavista.

O ativismo partidário na difusão de propaganda ajudou certamente para a massiva participação dos lousadenses nessas eleições, nas quais Lousada teve a abstenção mais baixa do distrito com 4,8%.

O semanário lousadense, dirigido por Manuel Afonso da Silva, noticiou assim o ato eleitoral na edição de 15 de Maio daquele ano: “O concelho de Lousada esteve presente, em massa, nas urnas que no passado dia 25 de Abril estiveram à sua disposição para, nas primeiras eleições autenticamente livres de há cinquenta anos, poderem exprimir livremente a sua opção.  Dos 18.085 eleitores previamente inscritos, apresentaram-se nas mesas de voto 17.214 cidadãos, não tendo podido ou não querido exercer o seu direito somente 871 eleitores, donde resultou a percentagem de abstenções de 4,82, a percentagem mais baixa de todo o distrito. A afluência começou logo de manhã, tendo sempre imperado o máximo do civismo. Ao fim da tarde muitas pessoas agruparam-se junto das secções de voto aguardando a publicação dos resultados, ansiosamente esperados.  Estes foram os totais concelhios:  UDP 122, PUP 70, MES 175, PPD  6.731, MDP 455, CDS 1.674; PCP 429, LCI 133; PS 5.553, FEC 1.917, FSP 157; PPM 107”.

* in Lousada à voil d’oiseau, de Dois Émes (no prelo).

JL 24 abril 1975_campanha eleitoral

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