BIBLIOTECAS ESCOLARES REINVENTAM-SE PARA MOTIVAR A LEITURA
“Ligar Comunidades” foi o mote escolhido para celebrar o mês das bibliotecas escolares, que se assinalou em Outubro. Trata-se de uma proposta da Associação Internacional das Bibliotecas Escolares, que, em Portugal, é desenvolvida pela Rede de Bibliotecas Escolares. Constitui uma oportunidade para celebrar a importância das bibliotecas na vida educativa e comunitária, pois, muito mais do que um serviço, elas afirmam-se como pólo dinamizador do conhecimento, das aprendizagens e do desenvolvimento curricular. Contudo, os docentes alertam para as implicações da falta de leitura, num mundo “cada vez mais desarmonioso” e acelerado, sem tempo para parar e ler, em vez de apenas “passar os olhos” pelos títulos.

No Agrupamento de Escolas de Lousada estão inscritos quase 200 alunos de origem estrangeira. Só na Escola Secundária de Lousada convivem diariamente 73 alunos de 13 países diferentes: Angola, Bélgica, Brasil, Colômbia, Espanha, Estados Unidos da América, França, Luxemburgo, Moçambique, Paquistão, Reino Unido, Suíça e Ucrânia. “Sabemos que todos encontram múltiplos desafios a vencer, como uma nova cultura, uma língua diferente, formas de estar (e de ser) muito distintas das suas origens”, refere a professora Graça Maria Pinto Coelho, responsável pela biblioteca do Agrupamento de Escolas de Lousada.

Por isso, Ligar Comunidades foi o tema em destaque no mês passado nas bibliotecas escolares. A iniciativa está inserida na comemoração internacional da IASL (International Association of School Librarianship). Outubro sempre foi o Mês das Bibliotecas Escolares, uma celebração anual das bibliotecas escolares em todo o mundo, uma oportunidade para se dar a conhecer o trabalho que elas desenvolvem. Mas não só.
Num mundo cada vez mais globalizado, a convivência harmoniosa entre pessoas de diferentes origens e culturas tornou-se fundamental para a construção de uma sociedade que valoriza e abraça, sobretudo, as diferenças. “Sem dúvida que as práticas de leituras fortalecem o pensamento crítico, ampliam o conhecimento do mundo e possibilitam que novas geografias e linguagens sejam descobertas”, atesta a referida professora.

“Enquanto processo dinâmico de construção de sentidos, a leitura agrega perspetivas, afetos e emoções. Ela pode ligar pessoas, incluir alunos”, enfatiza. O concelho de Lousada, nos últimos anos, “tem vindo a receber inúmeros residentes de outras nacionalidades. Por um lado, é fundamental garantir uma boa integração social e cultural das populações migrantes, uma vez que não é fácil uma comunidade que não domina o modo de funcionamento do país e da comunidade que o recebe, que não domina a língua, integrar-se facilmente”. E, por outro lado, “as escolas portuguesas ainda não estão muito bem preparadas para incluírem no currículo destes alunos, uma disciplina de português língua não materna”. Assim, a professora Graça Coelho vê “a educação como a chave para possibilitar maior consciência e garantir que os direitos humanos sejam endereçados a todas as pessoas, independente de sua origem geográfica, género ou etnia”.
LEITURA NUM “MUNDO DESARMONIOSO”
Aquela bibliotecária sublinha que é uma ocasião para “as bibliotecas escolares mostrarem que não são apenas um serviço, mas um centro nevrálgico vital nas escolas”. Neste caso do mote Bibliotecas escolares: a ligar comunidades, os professores bibliotecários “puderam contribuir para a cooperação, assim como para a promoção da leitura, da diversidade cultural, do apoio socioemocional, em suma, para a construção de comunidades mais coesas e mais interligadas, num mundo cada vez mais desarmonioso”.

Tendo em conta que cada turma é composta por uma maioria de alunos portugueses que falam português, as dificuldades dos ditos chegados são imensas. Diante disso, diz a professora que “deve-se implicar todas as estruturas numa intervenção positiva de valorização pessoal e coletiva da diversidade. E a Biblioteca é uma delas. Sabemos que todos os ditos chegados encontram imensos desafios a vencer: uma nova cultura, fazer amigos… e isto é uma realidade que temos de enfrentar e dar a resposta adequada”.
A docente crê que a escola “é o lugar onde pode funcionar uma melhor integração, um melhor conhecimento entre os alunos que chegam e os que já pertencem à escola. Para além dos alunos oriundos do Brasil, que são a maioria, e falam a língua portuguesa, os outros alunos que chegam de outros países encontram inúmeros obstáculos. À partida, não têm qualquer ferramenta, ou soft skill que lhes permita requisitar qualquer documento ou livro em língua portuguesa”.
Consoante os países de origem dos alunos, as atividades da biblioteca escolar também são adaptadas e diversificadas. Para além do seu serviço de referência, presencial e a distância, a professora bibliotecária e as duas assistentes operacionais também estão preparadas para favorecer a mediação entre as suas necessidades e a informação de que precisam. “Há livros em língua espanhola, francesa, inglesa, alemã, mas, por vezes, não há livros nas suas línguas de origem. É necessário esgotar todos os recursos que a escola possui: alguém que fale diferentes línguas e que possa fazer a mediação linguística entre a escola e os alunos e suas famílias. E há que salientar, também, o trabalho de integração que é feito ao nível dos afetos e, depois, a pouco e pouco, também ao nível curricular”, elucida aquela professora.

No balcão da Biblioteca da Escola Secundária, “muitas vezes, reparamos que os alunos que chegam à escola sem saberem falar português, são rápidos a aprender a nova língua e, frequentemente, são o grande suporte e guia das famílias. Talvez o sistema educativo português enfrente um dos seus maiores desafios de sempre”, diz com otimismo e esperança.
“PASSAR OS OLHOS” EM VEZ DE LER
O excesso de tempo que se passa em écrans, sejam telemóveis, computadores, desde a infância até a vida adulta, e os hábitos digitais associados a isso “estão a mudar radicalmente a forma como muitos de nós processamos a informação que lemos”. E o facto de lermos cada vez mais em écrans, em vez de papel, e a prática cada vez mais comum de apenas “passar os olhos” superficialmente em múltiplos textos “podem estar a extinguir, lentamente, a nossa capacidade de entender argumentos complexos, de fazer uma análise crítica daquilo que lemos e até mesmo de criar empatia por diferentes pontos de vista”, alerta Graça Coelho.

“É isso o que me preocupa nos mais jovens: eles estão a desenvolver uma impaciência cognitiva que não favorece a leitura crítica e acredito que a dita leitura rápida pode reduzir a sua capacidade de sentir empatia pelos outros”, exclama. Além disso, a professora considera que “os alunos ficam muito mais suscetíveis a fake news e demagogos que lhes criam falsas expectativas”. A concluir esta abordagem, Graça Coelho mostra-se incisiva e direta: “É preciso sermos realistas e não adianta querermos evitar o inevitável: os alunos leem cada vez menos livros em papel”.
Falta tempo lento para a leitura
Anualmente, a Rede de Bibliotecas propõe uma temática, associada às práticas habituais de uma biblioteca, enquanto espaço de imaginação e de criação, promoção das literacias e de encontro de culturas, interação com a vida comunitária e sensibilização para temas da atualidade nacional e internacional. Para Luís Ângelo Fernandes, professor bibliotecário do agrupamento de escolas Lousada Oeste (Nevogilde), a aposta nas bibliotecas escolares “é muitíssimo significativa” e atribui à Câmara Municipal o papel de “maior financiador, nomeadamente através dos prémios concedidos no âmbito do Concurso Ler Lousada, que tem permitido atualizar permanentemente os fundos documentais”.

O Plano Municipal de Leitura constitui uma grande inovação no país, ao envolver escritores e ilustradores consagrados da nossa literatura infantojuvenil para escreverem e ilustrarem obras originais, cujas narrativas decorrem no território do concelho, daí resultando livros muito sugestivos que, anualmente, são oferecidos aos alunos de todos os níveis de ensino. Além disso, as bibliotecas escolares, com o apoio também da respetiva Rede e do Plano Nacional de Leitura, promovem imensas atividades, em que a colaboração das direções dos agrupamentos, juntas de freguesia e associações de pais são igualmente fundamentais, na promoção conjunta de uma política de leitura e de literacias indispensável para a formação de cidadãos livres, críticos e esclarecidos. Este é “um trabalho persistente, inacabado, de longo prazo, mas insubstituível para a construção de uma sociedade democrática e plural”, acrescenta o docente.
É sabido que a falta de ócio nos dias que correm céleres e frenéticos retiram cada vez mais espaço para a leitura. O professor e bibliotecário concorda e sublinha que “uma leitura competente exige concentração, tempo lento, motivação e perseverança. A agitação da vida moderna e os horários sobrecarregados realmente podem condicionar, mas, simultaneamente, verificamos que quase todas as pessoas têm tempo para utilizarem sistematicamente (por vezes até compulsivamente) os dispositivos digitais”.
Embora os meios tecnológicos possam ser vistos como meios de leitura, Luís Ângelo atenta que “é facilmente verificável que os telemóveis, tabletes, computadores e videojogos são uma constante fonte de distração, de desconcentração e de limitação cognitiva”. E assevera que “a exposição excessiva aos ecrãs está a conduzir-nos para situações muito preocupantes no desenvolvimento físico e psicossocial das nossas crianças e jovens”.
Outro fator muito importante na motivação para a leitura é o ambiente familiar. Sobre isso, aquele especialista da educação aponta que “uma atmosfera de leitura na família é muito determinante, quer a nível de criação de hábitos, quer na exploração e enriquecimento da linguagem, quer no estímulo à imaginação e à criatividade”.
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