SETOR TÊXTIL ENFRENTA GRANDES DESAFIOS
A concorrência “desleal” de marketplaces como Temu e Shein, entre outros, é o principal de vários problemas que se colocam ao setor da produção de vestuário, segundo César Araújo, presidente da ANIVEC – Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e de Confeção e proprietário da CALVELEX, indústria de Lustosa. Pressionar a União Europeia a impedir a livre importação de produtos estrangeiros, que “não respeitam o ambiente nem a saúde do consumidor”, é uma das vias que o setor defende para ultrapassar as dificuldades que está a sentir e que têm conduzido ao encerramento de fábricas. Outra frente “de ataque” é a aposta na inovação tecnológica, que segundo Pedro Mariano, da CONTROLTÊXTIL é uma urgência num setor ainda muito tradicionalista, “onde a mudança de mentalidades é vital para ter sucesso”.
Além das mais de 4000 empresas, 80 000 postos de trabalho e aproximadamente 3.7 mil milhões de euros em exportações que representa, o Presidente da ANIVEC (Associação Nacional das Indústrias de Vestuário e Confeção), César Araújo, é parte da quarta geração da uma família de alfaiates e fundou há cerca de 40 anos a Calvelex, juntamente com o irmão Marco Araújo, em Lustosa.
“Já sobrevivemos a muitos ciclos nestas quatro décadas. A experiência diz-me que não estamos a viver mais uma crise no setor do vestuário, e sim uma verdadeira conjuntura transversal a todos os sectores de impacto negativo com amplitude global”, declara a’ O Louzadense o dirigente e empresário, que acredita que entre outros “o setor automóvel, por exemplo, está em pânico e que o exemplo do que aconteceu com o têxtil e com o vestuário deve ser tido como exemplo para melhor ripostar o desequilíbrio de mercados”.

Reconhece que o setor do têxtil e do vestuário tem vindo já a sofrer nas últimas décadas com a globalização e a consequente abertura de mercado, e, em especial, “sofreu muito nestes quatro anos, com a crise pandémica, seguida dos conflitos geopolíticos em espaço europeu e da crise inflacionista, resultando no significativo aumento dos custos energéticos e das matérias-primas”. Em jeito de desabafo, César Araújo exclama: “o que mais nos irá acontecer?”.
A conjuntura vivida na Europa tem impactado os setores industriais do vestuário. Daqui a um mês realiza-se a reconhecida feira Prémière Vision Paris, um autêntico barómetro da dinâmica das indústrias da moda, existindo grande expectativa em medir-se a vitalidade do setor de forma a alinharem-se estratégias e determinarem-se que respostas serão dadas à conjuntura atual.
Reportando-se aos fatores que afetam a indústria do têxtil e do vestuário, César Araújo sublinha “a concorrência desequilibrada, a retração do consumo e os mecanismos de diplomacia comercial desenhados pela Europa que promovem a entrada e circulação de mercadorias de baixo valor acrescentado, comprometendo a competitividade das empresas europeias que, depois da crise pandémica, da guerra e consequente inflação dos custos de matéria-prima e dos custos energéticos, estão muito fragilizadas e, em muitos casos, a sobrevivência das próprias empresas está em causa”.
Medidas como “o lay-off simplificado poderão ser uma ajuda à manutenção da sua atividade, mas é em sede europeia que as reformas mais impactantes têm de ser estruturadas”, afirma o empresário. “É fundamental aumentar o controlo aduaneiro e aplicar as respetivas taxas e impostos de consumo sobre mercadoria importada”, dado que, no seu entender, “o atual mecanismo está a alimentar fenómenos de ultra-fast-fashion como a SHEIN ou a TEMU, que contribuem ativamente para a propagação do vestuário descartável”.
“PREÇOS BAIXOS À CUSTA DA ESCRAVATURA”
Além disso, advoga que “a promoção de hábitos de consumo mais responsáveis e um maior controlo aduaneiro permitirão uma maior eficiência quanto aos compromissos de sustentabilidade europeus estabelecidos no Acordo de Paris”. Aferindo à importância de rastrearem-se as mercadorias e respetiva origem/conteúdo, César Araújo acredita que as empresas europeias “têm investido fortemente em inovação, sustentabilidade e em melhores práticas ambientais, sociais e de governança” e que diante das políticas permissivas, gera-se um paradoxo que “torna estes esforços irrelevantes”. Ao permitir que “gigantes como Shein, Temu, AliExpress ou Amazon vendam no espaço europeu sem partilharem responsabilidade fiscal, social ou ambiental, gera-se controvérsia”, salientando que “sem a devida transparência e rastreabilidade de produtos, como é que podemos integrar uma economia verdadeiramente circular reutilizando e reciclando se não são sequer conhecidos os componentes dos produtos importados?”.
O empresário vai mais longe, esbarrando-se com as questões éticas, ao referir que “enquanto em Portugal um blazer é produzido por determinado valor, em alguns países é possível comprarem-se peças dez vezes mais baratas” e que este tipo de dumping é sustentado pelo “recurso a mão-de-obra explorada, escolha de matérias-primas menos nobres que despromovem a durabilidade e, muitas vezes, podem até ser perigosas para a saúde”, e aqui, sublinha a problemática da contrafação, recorrente em produtos de baixo valor acrescentado, que se apropriam da criatividade e propriedade intelectual das marcas.
O presidente da ANIVEC defende que a Associação tem o dever de trabalhar em conjunto com decisores políticos em prol de um maior equilíbrio industrial e que é fundamental iniciar-se um trabalho de sensibilização com Bruxelas, colocando “em cima da mesa” estas questões. “Além de regulamentações mais rígidas, pretende-se promover a consciência nos consumidores sobre os perigos de apoiar modelos de negócios baseados na exploração de recursos, na poluição e em trabalho precário”. Essa propalada “mudança nos hábitos de consumo começa com informação clara e transparente, aliada a políticas públicas que promovam as empresas que verdadeiramente estão a contribuir para um futuro mais sustentável e ético”, conclui o dirigente associativo e CEO da Calvelex.
“JÁ DEVÍAMOS ESTAR A FALAR DE INDÚSTRIA 5.0”
O empreendedor Pedro Mariano fundou uma start-up denominada CONTROLTÊXTIL, que desenvolve programas informáticos para diversos fins, nomeadamente industriais. Nesse sentido, há seis anos criou um software que ajuda empresas do setor têxtil a modernizarem-se. Por força disso, este lousadense é um conhecedor do setor. Não se diz surpreendido com o encerramento de fábricas que tem acontecido.

A solução é “acrescentar inovação e tornarem-se competitivas ou então fecham”, refere. Chama a atenção para uma condição que considera de vital importância e sobre a qual a CONTROLTÊXTIL se foca em especial: “a indústria do vestuário vende tempo e o nosso software monitoriza o tempo da produtividade e da não-produtividade, para perceber onde se perde e onde se ganha tempo, para rentabilizar o processo produtivo, tornando-o cada vez mais eficiente”. Em termos práticos, o programa informático fiscaliza ao mais ínfimo pormenor a duração de uma produção, o funcionamento de uma máquina, o desempenho da mão de obra, entre outros fatores.
Poder-se-ia pensar que estamos perante uma certa desumanização, mas Pedro Mariano diz que é o contrário: “o que fazemos é tornar tudo mais eficiente, analisando as capacidades e percebendo as suas falhas e as suas potencialidades, estamos a criar as bases para melhorarmos as capacidades do trabalhador e de todo o processo produtivo, tornando o funcionário mais eficiente e com isso mais produtivo e ele assim sentir-se-á mais realizado”.
Isto remete para a questão da mentalidade ou cultura de fábrica. “É importante que não seja só a gerência ou administração a preocupar-se com os problemas e as soluções” e professa que “deve haver um espírito global, um sentimento de pertença e de identidade coletiva”.
“Estamos perante uma indústria que cresceu muito, mas que começou desordenada. Cada empresa tem os seus processos. Não houve uma academia que padronizasse a metodologia”, explica Pedro Mariano, que atribui ao seu software a capacidade de modernizar e criar procedimentos replicáveis em qualquer fábrica.
“Precisamente por adotar esta inovação de controle do tempo e dos processos de produção, a empresa têxtil BeSimple, de Paredes, conquistou um prémio da ANIVEC”, revela o empreendedor.
Contudo, a modernização não é um caminho fácil num setor “que vive ainda muito agarrado ao passado e ao tradicional”, diz Pedro Mariano, que fala também de “muitas exclamações de empresários do género «sempre funcionamos assim e não queremos mudar», sinónimo de que há ainda resistência à inovação”.
Falar de inovação produtiva e métodos de gestão é o que implica a abordagem que a CONTROLTÊXTIL promove no setor industrial, com os seus serviços e aplicações informáticas ou software, “para diminuir custos e aumentar a produtividade”. “Estamos a falar de parâmetros de Indústria 4.0 ou Quarta Revolução Industrial, que implica tecnologias inovadoras que revolucionam sistemas de produção e modelos de negócio”, explica o empresário. Este adverte que “já devíamos estar mais à frente, a implantar a Indústria 5.0”.
Neste âmbito, há algo que “vem aí e que vai obrigar todos a inovar”, diz o empresário, referindo-se ao “passaporte digital, que vai obrigar ao registo de todos os pormenores de uma peça, desde o tipo e origem do algodão até à peça final, indicando consumos energéticos, tempos de produção, a pegada ecológica, enfim, todo um conjunto de dados a que o consumidor poderá aceder através do QRCode da peça”.



Está a chegar a Indústria 5.0
A Indústria 5.0 é o novo conceito que começa a surgir no mundo industrial. A rápida evolução da humanidade e a capacidade de adaptação a novos desafios, bem como a oportunidade de desenvolver novas técnicas e sistemas, proporcionam transformações a uma velocidade impressionante.
E é precisamente por esses motivos que está a ser iniciado um novo rumo da revolução industrial. Todas as revoluções industriais têm como pilar o aparecimento de uma tecnologia inovadora ou um novo paradigma. No entanto, os especialistas sublinham que a chegada de uma nova revolução muitas vezes não substituiu a anterior, pelo contrário, pode servir para consolidá-la. E parece ser o caso da Indústria 5.0, que essencialmente vem ajudar a melhorar vários aspetos dos princípios da Indústria 4.0, a reorientar corretamente a tecnologia, colocando-a ao serviço das pessoas. Esse é o propósito basilar e talvez idílico desta nova etapa.
A Indústria 4.0 centra o seu foco nos empresários, levando-os a orientar os seus esforços na otimização do desempenho das empresas, para a obtenção de benefícios como consequência de maior eficiência. Por outro lado, a Indústria 5.0 concentra a sua atenção em todas as partes interessadas da organização: desde os trabalhadores, passando pelos acionistas e o meio ambiente. Por isso se diz que a Indústria 5.0 chegou para fortalecer a Indústria 4.0, trata-se do uso adequado e mais humano de toda a tecnologia inovadora disponível. Neste sentido, espera-se maior humanização das empresas e da indústria, ou seja, as pessoas no centro das organizações.
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