por | 30 Abr, 2019 | O Louzadense

Rui Mota, o homem que poderia ter sido presidente da Câmara

“O Louzadense” é um espaço dedicado àqueles que se distinguem na sociedade pelo trabalho realizado nas mais diversas áreas, projetando o nome do concelho.

Rui Luís Teixeira Mota, de 69 anos, nasceu no Tojeiro, em Silvares, na casa de seu pai, pertença do seu avô. Frequentou a escola primária no edifício onde hoje é a Biblioteca Municipal e estudou no colégio até ao quinto ano. Dessa altura, guarda a frase que o caracterizava, dita pelo Dr. Abílio Alves Moreira a seu pai: “Como aluno, é a coisinha melhor do colégio… para passear os livros”.

Profissionalmente ligado ao setor público, distinguiu-se na comunidade lousadense sobretudo pela sua ação nos Bombeiros. Dois anos após do 25 de Abril, foi vogal da direção da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Lousada. Mais tarde, viria a desempenhar funções de secretário e vice-presidente.

Rui Mota, junto aos Bombeiros Voluntários de Lousada

Na corporação de Lousada, alcançou prestígio como 2º comandante. Entre 2006 e 2011, foi secretário da FBDP (Federação dos Bombeiros do distrito do Porto), onde ocupou ainda a cadeira da vice-presidência.
O mérito pelo trabalho em prol da comunidade foi reconhecido pela Câmara Municipal de Lousada, que o agraciou com a Medalha de Bronze de Bons Serviços e com a Medalha de Ouro de Mérito Municipal. Em 2016, foi distinguido com a Medalha de Mérito Distrital da FBDP.

Orgulhoso do seu passado, do qual tem boas recordações, Rui Mota aceitou viajar no tempo e falar das vivências de outrora.

Os “Teixeira da Mota” fazem parte da história de Lousada

Rui Mota tem bem presentes as suas origens. Embora não tenha conhecido o avô, recorda-o como homem de ação. De famílias humildes, José Teixeira da Mota, um “lousadense de gema”, ganhou relevo pela sua vertente social. “Ele esteve ligado à criação da Santa Casa da Misericórdia, dos Bombeiros Voluntários, sendo um dos fundadores, à comissão da construção dos caminhos de ferro, à criação da Assembleia Recreativa Lousadense e foi o fundador do Jornal de Lousada”, recorda. Sobretudo do avô terá herdado o gosto pela política e pelo associativismo: “O meu avô era muito ativo na política, esteve ligado a um partido, chegou a ser secretário da Câmara. O meu pai, Manuel Pires Teixeira da Mota, era diferente: era social, com ligação direta às pessoas, mas nunca esteve ligado a instituições, a não ser como 1º e 2º comandante dos bombeiros”, conta.

Apesar de não ter uma vida social tão intensa, o pai de Rui Mota é descrito pelo filho como “revolucionário”, tendo sido preso três vezes. Remontando aos anos 50, recorda que, “quando criaram o primeiro corpo de bombeiros, o comandante tinha de ser militar. Aí o meu pai foi 2º comandante e o tenente Malafaia foi o 1º comandante. Entretanto, o tenente Malafaia saiu e ele assumiu o lugar durante alguns anos. Mas desistiu, pois tinha um problema muito grande: não poderia estar ligado às associações, pois era revolucionário”. Revolucionário, mas “um bocado exigente e com muitos princípios”, lembra, destacando a honestidade.

Rui Mota relata algumas histórias que ilustram a personalidade do pai: “Quando o meu pai casou com a minha mãe, esta não foi aceite pelo meu avô. Ela era de uma família humilde e o meu avô abastado. O meu pai teimou, casou com ela e, após três anos, casou-se pela igreja”.

O orgulho era também uma marca da personalidade do pai, que recusou a herança dos progenitores: “O meu avô era dono da vinha do Tojeiro, de umas casas, da Residencial Visconde e do Brazão, de umas casas aqui na rua Santo António, onde morava o meu tio, e da quinta do Monte Pedroso. Mas o meu pai não quis receber nada. Não sei porquê, nunca nos disse, nem a mim, nem aos meus irmãos. Às vezes, era orgulhoso em demasia”.

Episódios com a PIDE marcaram a personalidade de Rui Mota

A veia revolucionária do pai sobressaiu sobretudo na atividade política. “O meu pai esteve muito metido na política”, refere, contando algumas histórias do tempo da PIDE, que o marcaram: “Quando tocavam à porta de noite, ele fugia pela parte de trás. Muitas vezes era a PIDE. Eu era miudito e comecei a aperceber-me. Estas situações fazem parte do nosso crescimento e acabam por ter influência na educação das pessoas”. Talvez por isso, Arnaldo Mesquita tenha alimentado a esperança de ver Rui Mota como representante do Partido Comunista em Lousada. Deve ter, por isso, ficado desiludido quando, em finais de 1974, “fundei o núcleo de Lousada do Partido Socialista, depois de chegar o Mário Soares”.

Durante o serviço militar em Angola, a polícia política esteve atenta às movimentações de Rui Mota, chegando mesmo a ser questionado através do CMDT da companhia: “Eu disse que o meu pai era revolucionário e eu ajudei-o a colocar cartazes”. O assunto não teve desenvolvimentos mais sérios, mas exigiu cautela.

Rui Mota estava no Ultramar quando se deu o 25 de Abril. Tomou conhecimento da situação através da rádio oficial do MPLA. Regressado a Lisboa, em junho, captou a primeira imagem do país ao descer do avião: muitos rapazes e raparigas oferecendo cravos vermelhos!

Com o pai ligado ao MDP (Movimento Democrático Português), viveu por dentro a agitação pós-revolução, “numa fase em que se mudaram os responsáveis das Câmaras e Juntas, nomearam-se comissões administrativas… Como o meu pai estava ligado ao MDP, eu acabei por colaborar com ele na mudança das juntas de freguesia”, diz. Dessa altura, guarda na memória a nomeação da comissão administrativa da Câmara. “Em 74, passei a trabalhar na Câmara com o Rui Feijó, que era o presidente da comissão administrativa. Ele foi-se embora para o Porto, ficou o vice-presidente, o Dr. Guerra, e depois o Amílcar Neto, que foi o presidente da Câmara eleito.

Destas personalidades retém ainda os principais traços, que recorda: “Rui Feijó era um indivíduo intelectual, com um sentido de política, muito certinho. O Dr. Guerra, muito esquecido, uma belíssima pessoa, muito inteligente, apesar de ser de outro partido, do PSD. Redigia muito bem e era muito acessível”.

Sem grandes ambições, Rui Mota assume que foi sempre um “simple” funcionário porque quis: “Apesar do Amílcar Neto e do Jorge Magalhães me terem convidado para ser assessor deles, eu nunca aceitei. Estive no setor das obras particulares durante alguns anos, passei para as obras municipais, depois passei para as taxas e licenças e criei a secção administrativa da educação com o Eduardo Vilar”. Nesta secção esteve até à reforma.

Rui Mota foi um dos fundadores do PS Lousada

Tudo começou com uma reunião na casa de Manuel Afonso, antigo proprietário do TVS, onde se reuniram vários rostos. “Para além de Rui Mota, era José Adão, o Quim Lixa, que já morreu, o meu cunhado António Emídio e mais duas outras pessoas, das quais não me lembro dos nomes. Fizemos uma ata, fomos ao Porto e foi assim criado o núcleo do PS”, explica.
Orgulhoso, lembra que “o PS foi o primeiro partido a ser criado aqui em Lousada”. Rui Mota confirma que Arnaldo Mesquita ficou muito chateado com ele. “Ele estava convencido que iria estar com ele”, justifica.

▲ Rui Mota numa manifestação com a Secção do PS Lousada

Passada a grande agitação, chegou a altura das primeiras eleições, em 1976. Rui Mota era, na altura, presidente da Comissão Política de Lousada do Partido Socialista. Rui Feijó parecia reunir as características para encabeçar a lista do PS: “Era uma pessoa aqui do concelho, proprietário agrícola, que tinha colocado 50% dos campos para o lavrador. Diziam muito bem dele, era uma pessoa muito conceituada”. Mas o partido não aceitou, alegando que “ele fazia falta como delegado do Ministério da Educação”.

O Partido Socialista do Porto queria ver Rui Mota, na altura com 26 anos, candidato, mas acabou por ser escolhida uma pessoa que não era da terra, Belarmino Fortuna. O resultado foi uma derrota por cerca de 300 votos. “Toda a gente dizia que, se tivesse ido eu, poderíamos ter ganho. Não pela minha influência, mas pela minha família e pelo meu pai, que era muito conhecido. Fui muito apertado pelo Porto para ser eu. Foi um erro nosso ter colocado outra pessoa. Eu costumava dizer que foi um erro de principiante”, lamenta.

“Amílcar Neto nunca deixou os vereadores da oposição sem pelouro” – Rui Mota

Amílcar Neto, do PSD, tornou-se, assim, o primeiro presidente eleito após o 25 de Abril. “Uma belíssima pessoa. Aberto a toda gente. Não era muito dinâmico, mas tenho de reconhecer que o orçamento da Câmara era diminuto. Tudo dependia de Lisboa e era preciso ser dinâmico. Era uma pessoa espetacular, sempre me dei bem com ele, como presidente da Câmara e como pessoa. Não tenho nada a apontar. Era muito pacato, fez algumas coisas, no princípio das autarquias muitas coisas estavam por fazer. O Amílcar Neto nunca deixou os vereadores da oposição sem pelouro. Não resolvia o problema das funções por questões partidárias”: é este o retrato que Rui Mota faz do antigo presidente.

Rui Mota continuou a liderar a Comissão Política Socialista e, no percurso, cruzou-se com muitos dos protagonistas da política local e nacional. Conheceu Jorge Magalhães, de quem foi mandatário, no escritório de José Maria Vieira, no qual Jorge Magalhães fizera um estágio, depois de terminar a licenciatura. Dos tempos antigos, recorda ainda a luta dos irmãos Magalhães, Rui e Jorge, um PSD e outro PS, aquando da colocação dos cartazes de propaganda política.

Foram também muitas as figuras políticas locais da oposição com quem se cruzou a nível pessoal e profissional, mas lembra que nunca distinguiu pessoas pela filiação partidária no exercício das suas funções: “Cheguei a pôr um vereador do PS fora do balcão das obras. Sabia dividir as coisas: o que era política ali dentro não entrava. Prova disso é o facto de o Amílcar Neto me ter convidado várias vezes para ser o responsável do gabinete dele e eu nunca aceitei. Sendo eu de outra cor, diziam que o Amílcar Neto confiava mais em mim do que neles. Eu estava em reuniões a ajudá-lo e depois, nos comícios, a criticá-lo”, afirma.

Atualmente fora das lides políticas, Rui Mota não esquece a emoção dos grandes comícios de outrora. Como mandatário de grandes figuras, como Ramalho Eanes, Mário Soares e Jorge Sampaio, esteve à frente dos grandes eventos. Recorda um, com Ramalho Eanes: fizemos o maior comício de sempre com ele, nunca se viu tanta gente. O PSD apoiava o Soares Carneiro, e eu pedi autorização aos Bombeiros para que ele lhes fizesse uma visita. Ele falou da varanda e todas as pessoas estavam lá fora. Uma loucura!”
O início do ciclo socialista em Lousada

Depois de cinco derrotas eleitorais consecutivas, num modelo em que os mandatos duravam apenas três anos, o PS conquistou pela primeira vez a Câmara, mas sem maioria. Jorge Magalhães conduziu, assim, um executivo, que, para além dos três vereadores socialistas, integrava dois sociais-democratas e dois centristas. “Mas curiosamente o Jorge Magalhães teve o condão de dar um pelouro ao professor Luís Pinto, que já faleceu, que era do PSD, conta.

“O Amílcar Neto saiu porque quis”, afirma Rui Mota, para quem foi essa saída que abriu o caminho ao PS. Conta-nos como tudo se passou: “Eu acho que o PS ganhou as eleições, pois, além da divisão entre o PSD e CDS, houve uma atitude de uma pessoa que possibilitou isso. Foi conseguido que Amílcar Neto não entrasse na campanha eleitoral por nenhum dos partidos. Ele era o presidente da Câmara e, por isso, tinha influência.

Rui Mota mostra algum desencanto em relação à política que se faz no presente. “Acho que se perdeu um bocado da franqueza, da lisura, da transparência. Antigamente, andávamos com alma, pela terra e pelas convicções políticas; agora, é pelos interesses. Não é por acaso que eu estou afastado do Partido há já alguns anos. Não só aqui em Lousada e não é pelo Partido Socialista, é por todos os partidos. A política misturou-se muito com certas coisas que não se deviam misturar”, lamenta. Apesar de tudo, continua a achar que a “política é muito importante, muito agradável, mas quando é tratada de uma forma transparente e honesta”. Era essa forma de estar na política que caracterizava as sessões de esclarecimento que faziam na altura: “Antigamente, nós fazíamos sessões de esclarecimento todos os dias. Havia dias em que tínhamos duas a três sessões. Eu era muito calmo, parecia que nada era comigo, quando tinha de responder, respondia”, diz.
Das andanças do passado, recorda episódios caricatos protagonizados por todos os partidos: “O Carlos Pacheco até no consultório fazia campanha, era pior que o Mário Fonseca”. Relembra também a campanha de Jaime Moura, em 1993, para quem as sondagens eram favoráveis e não os votos: “Jaime Moura tinha muita gente com ele que não ia votar nele. E eu dizia-lhe ‘o voto é secreto e muita gente não vai votar em si’. Nessa campanha, gastaram-se rios de dinheiro. Foi uma loucura e acabamos por ganhar 4 – 3”.

“Durante os primeiros tempos do mandato, Jorge Magalhães aconselhava-se sempre antes de proferir despachos.”

Para Rui Mota, na governação de Jorge Magalhães, Lousada evoluiu. Relembrando a Lousada de outrora, fala da “terra batida” no centro da vila em 1974 e da “pouca eletrificação”. “Com o Amílcar Neto fez-se a eletrificação, a pavimentação dos caminhos nas freguesias. Só que não houve crescimento. No tempo de Jorge Magalhães, Lousada desenvolveu-se”, assegura.

A este respeito, destaca a importância dos presidentes da câmara após o 25 de Abril: “Amílcar Neto, pela postura que sempre demonstrou como presidente da Câmara, por ser uma pessoa sã e boa e com integridade. O Jorge Magalhães deu um cunho de desenvolvimento à vila que não existia, o que foi muito importante. Não posso dissociar o presidente da Câmara, por exemplo, do professor Eduardo Vilar, que deu um contributo na área da cultura e que tem um dinamismo extraordinário. Os vereadores passam despercebidos, mas são importantes”.

A paixão pelos Bombeiros

Rui Mota está, desde muito novo, ligado aos Bombeiros de Lousada. Avô, tio e pai foram elementos importantes na fundação da Associação. O pai começou por ser segundo comandante, tornando-se mais tarde comandante. Já Rui Mota começou na direção em 1976. Um início ligado à construção do quartel: “Tomei conta do projeto e acompanhei-o na comissão de coordenação, até 1980, quando foi inaugurado. Saí em 1982, estive fora dois anos e voltei à direção com o Joaquim Valinhas como vice-presidente. Estive lá alguns anos, penso que 12 anos”, relata.

Rui Mota – Jornal de Lousada

A inauguração do quartel foi um evento que o marcou bastante: “Foi uma festa de arromba, com dois Secretários de Estado. As refeições foram servidas no refeitório da Fabinter. Vieram todas as corporações do distrito do Porto. Para uma terra onde normalmente não havia nada, aquilo foi muito grande. Começou uma semana antes, com uma prova de atletismo. Trouxemos a orquestra do Exército, que motivou o corte do trânsito em frente aos bombeiros.

Outro momento de grande emoção foi a despedia do comandante Amílcar Neto: “Foi uma festa de despedida com todos os corpos de bombeiros do distrito, com um jantar na Quinta da Tapada. Marcou-me”, destaca.

Recorde-se que Amílcar Neto foi também comandante dos Bombeiros, cargo que acumulava com o de presidente da Câmara, o que o sobrecarregava. “Ao fim de algum tempo, entendeu que não tinha disponibilidade para ser comandante dos bombeiros e ao mesmo tempo presidente da Câmara e foi aí que me convidou para segundo comandante dos bombeiros. Tanto insistiu que conseguiu. Mas disse-me que, no fundo, eu seria o comandante, dado o pouco tempo que ele teria para essas funções”, revela.

Foram 28 anos ininterruptos nos bombeiros, até 2008. “No dia 28 de fevereiro, passei ao quadro de honra”, diz. Apesar da alegria com que se dedicou aos bombeiros, reconhece que essa dedicação lhe trouxe custos: “Costumo dizer que, por erro meu e prejuízo da minha família, a minha mulher e meus filhos habituaram-se a conviver com a minha ausência. Dediquei-me de mais a esta casa, em prejuízo da minha família”, lamenta. Tudo isto, sem nunca ter recebido um cêntimo: “O comandante não deve ser pago, deve ser voluntário, até para ter forma de falar com voluntários de igual para igual”, diz.

▲ Recorte do Jornal de Lousada – Edição n.º 23 de 29 de Junho de 2007

Segundo comandante por opção, reconhece que não será fácil os bombeiros terem um comandante tão presente. “Eu nunca quis ser comandante, apesar de me ser proposto várias vezes”, afirma. Mas essa recusa em ascender a comandante assenta num equívoco, como nos explica Rui Mota: “Cometi um erro. Entendia que devia acabar como segundo comandante conforme foi o meu pai, mas eu nem sabia que afinal ele tinha chegado a ser comandante durante 4 anos”. Apesar de ser segundo comandante, Rui Mota conta que, “nos casos de incêndios florestais fora do concelho, as outras corporações confiavam em mim as funções de comandamento”. A este propósito relembra um grande incêndio em Amarante, em que o CMDT Distrital o chamou para comandar uma grande frente. Humildemente, disse-lhe que era 2º comandante, sugerindo para a função um dos comandantes presentes. “Já falei com eles e aceitam que sejas tu a comandar”: estas foram as palavras que mostram algumas capacidades do lousadense no comando dos incêndios florestais.

Sempre atento às relações humanas, dedicava muito do seu tempo aos bombeiros, porque “a disciplina tem de ser aceite, não pode ser imposta”, diz, defendendo que “a relação com o pessoal tem de ser pautada pelo respeito mútuo”.

Sempre dedicado no exercício das suas funções, passou dias e noites consecutivos ao serviço, sem perder as forças. O que mais o afetava eram as situações que envolviam crianças. “Toca muito mais”, confessa.

“Quem sai aos seus não degenera”. Assim diz o ditado popular. E os filhos do ex-comandante atestam esta verdade, pois a política e os bombeiros também fazem parte das suas vidas. “A minha filha está ligada à política em Paredes”, conta. Um dos seus filhos escolheu os bombeiros como segunda casa. “ esperou que eu saísse dos bombeiros. Está aqui e dedica-se de mais, está sempre disponível. O que é de mais é erro, é o conselho que lhe dou. É um outro Mota, sim é. Tenho orgulho. Quando eu era comandante ele queria entrar e a minha mulher dizia ‘já me basta um’ ”, remata em tom de brincadeira.

Lousada de antigamente

Com Lousada no coração, Rui Mota reconhece que é suspeito para falar sobre a Terra. “Sou de cá e gosto da minha terra. Conheço muitas terras aqui à volta, mas como Lousada não há nenhuma. Acho que Lousada é uma terra pacata, que cresceu demasiado, tem muito mais população, mas continua a ter aquela seriedade, aquela pacatez… Lousada é uma boa terra para se viver”, defende.

Para este lousadense, que acompanhou a evolução do concelho ao longo de décadas, os “Lousadenses são muito solidários, mas são também muito senhores de si. Lousada, mesmo na ditadura, nunca se vergou muito”. Destaca o facto de as pessoas serem trabalhadoras. Apesar disso, reconhece que a situação “mudou um bocadinho”, porque “50% das pessoas que moram aqui agora não são de cá”, explica.

Apesar de gostar das festas populares, só fez parte uma vez da comissão de festas de uma freguesia. Ficou “cheio” e jurou não mais se meter noutra. E até dizia ‘Nossa Senhora do Loreto, noutra não me meto’. Rui Mota atribuiu esta má experiência à falta de jeito para os peditórios: “Para mim, os bombeiros por exemplo não devem pedir nada, as pessoas é que devem pedir entre si e depois dar aos bombeiros”, defende.

A propósito das festas, lembra que antigamente tudo era muito diferente. Não havia os espetáculos com cantores. “Passávamos aqui na rua e o que víamos eram grupos de pessoas a conversar para trás e para a frente e que aproveitavam as festas para conviver”, conta. Adepto das festas noturnas, considera que, à noite, “as pessoas são mais transparentes, mais honestas”. Sem barracas de vendas, a juventude entretinha-se com alguns jogos, mais tarde com os carrinhos de choque, ou o cinema ao ar livre. Um pormenor interessante era o hábito de pendurar as sardinhas pelos olhos: “Dantes, por aqui a baixo, era tudo em terra e havia a praça da sardinha. As sardinheiras punham ali os cabazes, furavam os olhos às sardinhas e penduravam-nas, dando um nó”.

Com poucos entretenimentos, os jovens aproveitavam as sessões de cinema e o salão de jogos, apesar de estar apenas aberto a maiores de 18 anos. Já a televisão era mais acessível. Os bombeiros, o Café Avenida, o Severa e o Freitas eram os locais públicos onde se podia ver televisão. Havia ainda três ou quatro famílias na terra que tinham o aparelho. “Quando era a transmissão de Fátima, em Cristelos, na casa do padre Mota, que tinha televisão, juntava-se muita gente para ver”, relembra. Nos cafés, a afluência para ver televisão também era muita: “Nos cafés, se fôssemos lá sentarmo-nos para ver televisão, tínhamos de comprar sempre alguma coisa. Como éramos novos, não podíamos tomar café e, então, comprávamos um torrão de amendoim para poder estar lá a ver televisão”. Outros tempos!
Saudoso das brincadeiras de outros tempos, diz que eram mais coletivas, algumas de “mau gosto”: “Um dia pegamos num atrelado de transporte dos postes de telefone e fomos empurrando de um lado para outro”. Conta também episódios de alguma rebeldia: “Com 24 anos, com a desculpa de fazer café para o meu pai, que gostava, ia fumar. Fazia isso às escondidas, pois antigamente havia muita disciplina”.

Adepto do desporto, jogou futebol na ADL dois anos como júnior e, mais tarde, como sénior. “Mas era suplente, jogava a meio campo e defesa”, esclarece. Depois veio o serviço militar. Quando regressou, ainda deu mais uns pontapés na bola: “Joguei dois anos. O campo era em terra batida e os balneários num prédio velho com água fria”, recorda. Mais tarde, “criei as reservas da ADL” com outros elementos e pertenci ao grupo de responsáveis pelas camadas jovens, conclui.

A música faz também parte da sua vida. Rui Mota relata que, quando os socialistas ganharam as eleições, no ano seguinte, criaram o “verão cultural”, atividade realizada pelo Partido, não pela Câmara: “Primeiro foi na praça em frente ao Bispo, com o Rancho de Nogueira, o da Aparecida, o grupo do Couto – os Rosas Negras. Quem apresentava era o professor Vilar, e nós é que tratávamos de tudo. Vinham todos de graça. Enquanto não tivemos maioria, foi o Partido a desenvolver essa iniciativa”, conta, orgulhoso.

Atualmente, Rui Mota ocupava parte do seu tempo na direção da Santa Casa da Misericórdia de Lousada tendo saído no final de 2018. Apesar de o seu avô ter integrado a direção da instituição durante vários anos, diz que essa não é a razão pela qual decidiu fazer parte da vida da Santa Casa.

Sobre a Inov’Lousada

“Não é mais uma, é uma cooperativa que aparece! E tudo depende do dinamismo que os responsáveis lhe queiram incutir. Tudo o que vem de novo é sempre benéfico, mesmo que ao fim de dois três anos não dê nada. Mexeu em alguma coisa, há sempre uma semente que fica e que amanhã pode dar alguma coisa. É importante. Ainda bem que há estas pessoas dinâmicas, que se metem a organizar isto. É uma forma de as pessoas se envolverem na sociedade. O povo português deixou que os partidos e a política tratassem de tudo e é muito bom nascerem estas associações e comissões a trabalharem em prol do povo. Os políticos têm de sentir que o povo está atento, que se organiza, que se prepara e tem ideias.”

Sobre O Louzadense

“É importante que apareça um jornal que transmita o que se vive, o local, Lousada, que traduza o sentimento, o viver Lousada. Um jornal que fale um bocadinho da terra é muito importante. Espero que o jornal seja para ficar e que transmita o sentimento de Lousada, das suas populações, a sua vivência e, se isso acontecer, vai ser apelativo e os lousadenses vão gostar”.

1 Comment

  1. Tito da Silva Vieira

    Gostei. Há possibilidade de consulta online?
    (Tito Vieira, nascido em Cernadelo)

    Reply

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