por | 30 Abr, 2019 | Cultura

“Tornar a ACML uma escola de artes é o nosso sonho”, Ana Gouveia

O dia 12 de abril é um dia especial para a cultura em Lousada. Neste dia, em 1975, foi criada a Associação de Cultura Musical de Lousada, que celebra, assim, 44 anos de vida.

Ana Maria Gouveia, madeirense, de 68 anos, é a líder deste grande projeto, que abarca mais de quatrocentos alunos e contribui para que o concelho de Lousada seja uma referência na área cultural.

Por amor, a madeirense deixou tudo: “Foi uma história de amor que me liga a Lousada. Conheci o meu marido no tempo da guerra colonial, no princípio de 70. Ele esteve na Guiné e conhecemo-nos na Madeira. Acabamos por vir para cá”, conta. A memória que tem de Lousada da altura é de uma “pequeníssima aldeia, não tinha nada”. “Do Funchal, depois Lisboa, onde estudei, vim para cá e era como se eu estivesse numa aldeia lá das pequeninas do interior. Sentia falta de tudo. Vim contrariada”, confessa. Mas este sentimento mudou e, após tantos anos, considera que “valeu a pena”, vendo Lousada como a sua “segunda terra”, onde a “qualidade de vida é muito boa”.

Enquanto profissional, Ana Gouveia foi educadora de infância. O gosto de participar na sociedade e contribuir para o bem-estar da comunidade fez com que, a partir dos 55 anos, abraçasse a direção da Associação: “Paulo Cunha foi um homem que sonhou bastante. A ele se deve o Conservatório do Vale do Sousa! O homem sonha, mas há que ter estrutura para conseguir financeiramente que o sonho avance. Naquela altura, era uma academia com vinte e tal meninos. Um grupo de pessoas que tinha cá filhos e netos abraçou esta causa e lutou por isto. Numa altura, disseram-me ‘chegou a tua hora’. E foi o melhor que eu fiz. A minha pegada cívica foi esta”, conta, com orgulho.

Há 12 anos como presidente, a dirigente está a terminar o seu quarto e último mandato. Para Ana Gouveia, “esta é a hora de sair” e dar lugar a “gente mais jovem”. “Temos de ter noção e dizer chega. Para avançar com este caminho, tem de existir um impulso de gente mais jovem. Ninguém se entroniza nos lugares. Tenho esperança de que alguém fique deste grupo, salvaguardando a continuidade deste projeto”, afirma, garantindo que o trabalho desenvolvido é motivo de satisfação e alegria para quem conduz os destinos da instituição: “A associação é muito amada por muita gente. Acho que realmente trabalhar aqui e conseguir estes feitos, estas proezas, e conseguir ver os nossos jovens realizados nos dá uma grande alegria. Ficamos com coração leve por participar nesta coisa grande”.


“Esta é uma associação que faz toda a diferença em Lousada”

Em hora de balanço, Ana Gouveia considera que existiu um enorme crescimento da Associação, que acolhe mais de quatrocentos alunos, existindo listas de espera. Todo este crescimento advém de projetos interligados, que mostram que houve visão e estratégia: o projeto “Brincar Musicando”, para os jardins de infância, com jogos musicais, e “Aprender ao ritmo da Música0”, no primeiro ciclo, são exemplos desta estratégia, que começa a ganhar forma em tenra idade. “A visão de motivar os meninos para a música cedo deu origem às AECS. O concelho de Lousada foi pioneiro nessas atividades e a música era uma dessas atividades”, refere.

Para além disso, desenvolveu-se a aposta no ensino articulado. “O ensino da música é muito caro, pois o ensino do instrumento é individual. A forma de o conseguir foi apostar fortemente em contratos patrocínio com o Ministério da Educação, e conseguir ter esta grande coisa que é efetivamente ter 99 % de alunos no ensino articulado, a fazerem a sua aprendizagem sem custos”, explica a presidente da Associação.

Este passo contribuiu definitivamente para a democratização do ensino da música. “Abriu-se a nossa casa. É uma porta aberta para todos. Nós não estamos aqui para formar só músicos, formar público também é importante no ponto vista cultural. Está cientificamente provado de que a aprendizagem da música tem uma forte consequência no desenvolvimento cognitivo dos alunos. Não é por acaso que as turmas do articulado são sempre as melhores das escolas”, salienta Ana Gouveia.

Apesar de ser uma casa grande, torna-se pequena para acolher tantos alunos: “Temos algumas aulas nas escolas, como a formação musical e até algumas de instrumentos. Nós precisamos de mais espaço. Mas não está previsto, pois temos conseguido articular com as escolas”, refere.

A Banda de Música de Lousada, é a génese desta associação e viveu um período de cisão há alguns anos, quando os músicos decidiram sair para formar uma nova banda, com o mesmo nome, como conta Ana Gouveia: “Este processo está em tribunal há sete anos, quando houve o momento da cisão, em que os músicos que pertenciam à Banda de Música da Associação de Cultura Musical de Lousada fizeram algumas reivindicações e não houve consenso entre direção e os músicos”, conta, fazendo uma analogia: “Vamos imaginar um clube de futebol, em que os jogadores, por razão qualquer, têm uma direção e vão embora. Eles vão, mas não levam a história do clube”.

Ana Gouveia lamenta que o processo se arraste em tribunal há vários anos. Sem querer alongar-se, afirma sobre a Banda de Música de Lousada: “Os instrumentos são nossos, as carrinhas que transportam os instrumentos são nossas, a história é nossa. Na página da BML, está lá a nossa história”.

A nova Banda de Música da ACML

A nova Banda espelha um novo projeto, que não o da banda comunitária, típica da festa do arraial: “Estamos no séc. XXI, já há outros projetos. Temos gente nova. Vamos, se calhar, por um caminho diferente. O maestro que nós na altura contratamos é um homem com visão”, revela. O novo projeto integra apenas alunos da ACML, “de há três anos, o que foi difícil, dado que, apesar de tudo, são muito jovens”.

Ana Gouveia refere que a “nova banda foi o filho que caiu ao colo” e assume que não concretizou todos os seus sonhos a esse respeito: “A Banda neste momento está consolidada, tem um projeto definido. O que falta à banda é ter conseguido o suporte financeiro. Quem a está a suportar é a ACML. O passo seguinte é conseguir uma estratégia, como aconteceu com a Orquestra do Norte, conseguir financiamento e patrocínios”.

“Projeto inovador atual”, a banda atua em diferentes auditórios e a música é original. Para além disso, destaca-se também a orquestra de sopros: “O que varia são os reportórios, mas este reportório é música articulada com outras artes performativas. Já tivemos música com dança, música com pintura, com canto lírico… No aniversário, tivemos uma peça, com a banda e acordeão”. Ana Gouveia assume que é um “paradigma diferente”, para “marcar a diferença”. “Quisemos aproveitar esta oportunidade mais virada para o séc. XXI. Para avançarmos em termos artísticos e de qualidade, tivemos de juntar alguns músicos profissionais (convidados), que vêm dar a energia e passá-la aos nossos jovens”, explica.

Orgulhosa do corpo docente, Ana Gouveia destaca a excelência e mostra que as estatísticas o comprovam: “Os alunos têm provas de acesso ao ensino superior e têm todos entrado onde eles querem, porque são bons. É um grupo docente fantástico. Temos alunos a vir de outras escolas de nomeada para aqui”.

Escola de artes: o grande sonho

Como “o sonho comanda a vida”, Ana Gouveia não deixou de sonhar. Ver a ACML tornar-se uma escola de artes é um dos sonhos antigos. “Deixar de ser só uma escola de música e ser uma escola de artes. Temos a música, agora a dança… Tende a crescer para uma escola de artes, como há noutros sítios. É um desafio muito grande! Isto só pode acontecer com contratos de patrocínio com o Ministério da Educação”, afirma.

Ana Gouveia congratula-se com o aumento do Auditório Municipal, para mais 150 lugares: “Não é o ideal, mas já não é mau”. A Praça do Românico é também “uma esperança que se abre”, pelo grande espaço para proporcionar espetáculos. Apesar de considerar que Lousada, apesar das limitações, tem uma solução, defende que o “multiusos seria o ideal para o concelho”. Salienta o importante papel dos salões paroquiais de Caíde de Rei, Sousela e Nevogilde para suprir as dificuldades a este nível.

Prestígio nas grandes salas de espetáculos

O trabalho desenvolvido no Conservatório de Música do Vale do Sousa tem dado provas da sua qualidade, como atestam os espetáculos que enchem a sala Suggia na Casa da Música. “Vamos lá todos os anos, com salas cheias. É um ponto alto”, reconhece, explicando que são 1000 lugares, que enchem duas vezes. “O que tem projetado mais a nossa escola não é chamar-se Vale do Sousa, é o trabalho que se desenvolve. É isto que nos conforta, pois o esforço tem frutos”, remata.
Quanto ao trabalho desenvolvido nas escolas, conta com um subsídio da Autarquia: “Estamos em todos os jardins de infância do concelho, nas creches, no primeiro ciclo. Chegamos a quatro, cinco mil crianças, o que envolve um valor considerável, é evidente. Mas nunca estamos satisfeitos, achamos sempre que é pouco. Temos o subsídio de 25000 euros, e temos uma casa onde não pagamos renda nem luz. Pontualmente, ajudam-nos com alguns patrocínios. Nós queremos sempre mais, mas não nos podemos queixar. Sentimos que o município tem noção da importância do trabalho cultural que aqui se desenvolve, e isso é muito importante”, conclui.

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