O Programa AFS – Famílias de Acolhimento é uma experiência de intercâmbio em que uma família acolhe voluntariamente em sua casa um jovem estrangeiro que vem estudar durante um trimestre, semestre ou ano letivo numa Escola Secundária em Portugal.
A experiência é verdadeiramente enriquecedora para toda a família, ao proporcionar o conhecimento de culturas diferentes. O programa assume-se como “uma forma de partilhar e trocar novas referências culturais. Permite apreciar e aprender com novas culturas, valores e tradições, conhecer novas formas culturais, como comida, música ou desporto e revisitar a própria cultura”.
Laços para a vida
As experiências AFS criam relações e laços que duram uma vida inteira. O estudante estrangeiro torna-se um novo membro na família de acolhimento, partilhando as alegrias, problemas e tristezas.
A lousadense Paula Valinhas Reis, inspetora de trabalho, de 49 anos, acolheu Natchanon Detwarasiti, mais conhecido por Non, de Bangkok. Soube, através do Facebook, do recrutamento de famílias de acolhimento e decidiu dar a oportunidade a este jovem de vir para Portugal estudar: “Foi mesmo uma aventura. Entrou na família, numa nova cultura e beneficiamos desta interculturalidade. Eu tenho sobrinhos e, assim, eles também acolheram e compreenderam uma nova cultura”, diz.
Depois de se ter inscrito, foi contactada pela AFS, para a realização de uma entrevista: “No fundo, isto é uma relação triangular, a família de acolhimento, o estudante e o voluntário de contacto, que, ao longo do ano, vai estando de contacto com a família e o estudante. Se houver algum problema de integração, através desse voluntário, pode pedir para mudar de família ou até procurar ajustar alguma situação. Neste caso, a voluntário de contacto é a Fátima Costa. Ela própria recebeu uma aluna belga por três meses”, explica.
Natchanon Detwarasiti está cá desde setembro. “Coincidiu com uma altura de muito trabalho meu. Tive de me ausentar, estava em Coimbra”, conta Paula. Por isso, foram as sobrinhas que o receberam, o que “foi fácil, pois o Non é um miúdo gentil”, afirma. No início, usavam somente o inglês. “A minha preocupação é que eu sabia que ele só iria voltar em junho e tinha apenas 15 anos. Com o seu aniversário no dia de Natal, o meu desafio foi incentivá-lo a ficar, integrá-lo e motivá-lo”. E conseguiu, pois ficou mesmo até junho, sem a presença da família.

Para Non, a “experiência foi muito boa”. O jovem contou-nos que foi a primeira vez que ficou sozinho e salienta a aprendizagem realizada: “Aprende-se a conviver e a compreender as outras pessoas de uma forma mais abrangente”, explica.
Diferenças culturais e académicas
Antes de conhecer Paula, Non estava receoso e preocupado, mas tudo mudou quando conheceu a família de acolhimento: “Eu estava nervoso e com receio de ter de ir embora”, revela. No primeiro contacto, estranhou os cumprimentos com beijinhos: “Nós na Tailândia não nos tocamos tanto. Aqui vocês têm a necessidade de um maior contacto pessoal”.
Em relação à escola, salienta que na Tailândia usam uniforme e existem mais regras: “Os alunos têm de ter um comportamento mais rigoroso”. Também em relação à avaliação há diferenças: “Aqui em Lousada temos os testes de várias disciplinas ao longo das semanas, enquanto na Tailândia estudamos durante um semestre e só depois é que temos todos os testes de uma só vez, na última semana”, explica.
Futuramente, Non que ser economista, mas não vê Portugal como destino para trabalhar: “Portugal só em viagem. Portugal é um excelente país, mas não para trabalhar, pois a minha maior dificuldade é o português. Gostava de trabalhar noutros países. Já tive outras experiências, por exemplo Nova Zelândia”, revela. Sem nada saber de Português, comunicava em inglês, embora tenha aprendido algum português.
Paula acabou por ser como uma encarregada de educação do Non, que integrou o 10º B da Escola Secundária de Lousada: “Uma turma fantástica. Está lá o meu sobrinho e sobretudo estavam lá as meninas que adoraram ver um miúdo diferente, asiático, e que era super gentil com elas. Deram-se super bem. Também ficaram entusiasmadas por ser uma oportunidade de aprenderem inglês”, conta.

Ultrapassadas as dificuldades criadas pelo jetleg, devido às diferenças de horário, Non iniciou uma vida normal, como qualquer jovem da sua idade. Neste período, também jogou basquetebol, com a camisola do LAC. A família de acolhimento, a escola e o basquetebol foram os seus pilares durante a estadia em Lousada.
O balanço é muito positivo: “Eu gostei muito, fui muito feliz, gostei de todos. Integrei-me bem e valeu a pena”, considera, acrescentando que vai ter saudades desta experiência, que lhe deu “maturidade”.
Durante a estadia em Portugal, Non viveu um revés: fraturou a rádio a jogar futebol e teve mesmo de andar de gesso. “Já é a segunda vez que me acontece”, diz.
Já a adaptação à alimentação não foi difícil. Curiosamente, “é um tailandês que não gosta de vegetais”, diz Paula, acrescentando que a maior dificuldade “foi eu não saber muita coisa por ele, pois é normal na idade dele ser reservado”.
Non também mostrou a gastronomia tailandesa: “Eles fizeram um jantar surpresa. Comi a comida tailandesa. É muito picante, mas é muito boa”, conta Paula.
Programa muito conhecido e pretendido na Tailândia
Non conta que o seu irmão já tinha estado cá em Portugal no âmbito deste projeto, muito conhecido na Tailândia: “São muitos os estudantes que querem estudar fora do país, conhecer outros países, outras pessoas”. Aliás, o programa tem de tal forma sucesso que os estudantes têm de fazer provas para conseguirem ir para o país desejado. Eu queria ir para outro país, para os EUA. Não passei no teste, fiquei como substituo e acabei por aproveitar uma desistência. Questionaram-me se eu queria Portugal. A minha mãe disse logo que sim, e eu acabei por vir. Portugal é um excelente país, gostei muito”.
O mais difícil foi deixar a família e os amigos. Esta é uma das razões que leva muitos estudantes a não abraçarem o projeto. “Mas a minha família apoiou-me. Os portugueses são mais fechados e não aderem tanto a estes programas”, considera Non.
O jovem confessa que não sentiu muitas saudades da família, mas agora, na reta final, as saudades começam a apertar: “Sinto muito a falta deles. Nestas últimas semanas, sim, já começo a ter saudades”.
Mas a família de acolhimento vai ficar no seu coração: “Paula é a melhor mãe de acolhimento que pode haver. É muito querida e sempre me tratou muito bem. É um pouco batoteira, mas é uma grande amiga”, diz, sorrindo.
Aniversário no dia de Natal, depois da Missa do galo
Non fez 16 anos no dia de Natal. Aqui as diferenças também se fizeram notar, em primeiro lugar pela religião, pois Non é budista. Por isso, o Natal não lhe diz muito, mas acabou por ir à igreja à Missa do Galo. “Foi muito curioso. Foi também uma iniciativa cultural. Eu não sei rezar como um cristão e fiquei a olhar, mas foi diferente”, afirma. Depois da missa, os parabéns foram cantados na rua.
Non aproveitou também para conhecer o país. No Porto, há cerca de 15 jovens de vários países a aproveitar este programa que se encontram. Paula conta que aproveitaram também para conhecer Portugal. Visitaram Lisboa, Sintra, Coimbra, Alentejo, Algarve e Évora. “Neste pouco tempo, conheci muitas coisas, aqui em Portugal”, diz Non.
Non fez de tudo: faltou namorar uma portuguesa, mas a distância entre os dois países foi dissuasora.
Nem tudo foi novo para Non, que teve a oportunidade de conviver com amigos: “Aqui na casa, tivemos várias vezes vários amigos dele, da Tailândia, de Hong Kong… Dois deles já falam muito bem o português. Um deles estava em Vila Real e outro em Braga”, conta.
Um dos hobbys de Non é ler livros, manga: “Gosto muito. Eu próprio já escrevi algumas coisas. Sei que não é muito bom, mas tento. Eu não gosto muito de andar, sou mais calmo”, explica.
A calma de Non contrastou com a energia da Paula: “Eu tenho muitas atividades e tentava sempre que ele me acompanhasse, mas a certa altura suplicou-me para ficar um fim de semana de pijama”, conta, acrescentando que os amigos dele diziam que ele em dez meses visitou mais Portugal que eles próprios.

Os laços de amizade criados certamente não se irão perder, mas agora é hora de cada um seguir o seu caminho. Non não esquecerá os amigos da escola e do basquetebol: “Agradeço-lhes a amizade que tiveram comigo. Quando se está fora do nosso país, o mais importante é ter amigos, e aqui tive muitos amigos. Por isso é que não tive tantas saudades do meu país. Os nossos amigos são o nosso suporte, e a amizade é o mais importante. Dizemos coisas aos nossos amigos que não contamos aos nossos pais”.
Experiência é para repetir
Paula Reis considera que esta é uma experiência para repetir, mas não no próximo ano: “Depois, sim, quero receber outro tailandês, ou um asiático. Gostei muito, pois o Non consegue viver com pouca coisa. É simples e calmo. Os miúdos aqui vivem com as marcas. O Non é funcional. Ele, por exemplo, conseguiu estar um ano inteiro com dois ténis, pois, segundo ele, são suficientes. Além disso, são gratos, muito agradecidos”.
Coisas boas em Portugal foram muitas. A música é uma delas: “Gosto mais de Portugal, os ritmos são diferentes. Na Tailândia, a música é mais calma, não é tão interessante”. O ambiente também ganha à Tailândia, onde “é muito poluído”. Também o tempo é pior na Tailândia, segundo Non. Apesar de tudo, Non não consegue dizer qual dos países é melhor para se viver: “São diferentes”, considera.
Agora é a oportunidade de Paula visitar a Tailândia: “Já recebi o convite dos pais do Non para ir lá”.
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