A aproximação do momento das Festas em honra do Senhor dos Aflitos desperta-nos para o desejo de conhecer melhor os nossos costumes e as nossas tradições religiosas. As Festas fazem parte das vivências, das memórias e da identidade lousadense. É, por isso, importante resgatarmos do passado algum do conhecimento sobre este tema, que representa um dos momentos de maior significado da História contemporânea do nosso concelho.
Para compreendermos as Festas é necessário remontar ao longínquo ano de 1840, altura em que se ergueu a primitiva capela do Senhor dos Aflitos. Neste ano, Manuel José Pereira, um negociante da Vila, mandou erguer, no denominado Monte das Pedrinhas, numa parcela de terreno do seu cunhado, João Teixeira de Carvalho, uma pequena ermida, feita de madeira, na qual se principiou a venerar a imagem do Crucificado. Desconhece-se o motivo pelo qual a mandou fazer, mas tal ato não terá sido indiferente a alguma promessa que o autor fez, quiçá pelo facto de sua mulher ter falecido extemporaneamente deixando órfãs de mãe duas crianças pequenas.

O culto na pequena ermida cresceu rapidamente. De facto, por esta altura, a Vila, que se encontrava em franco crescimento urbano, apenas tinha uma capela para satisfação dos serviços religiosos (a capela de Santo António), o que poderá ter favorecido o crescimento rápido da devoção ao Senhor dos Aflitos. Além disso, este crescimento poderá ser também resultado de um breve de indulgências concedido pela Nunciatura Apostólica, a 4 de junho de 1844. Por este documento, foram concedidos 100 dias de indulgências aos fiéis que rezassem três Pai-Nossos, três Ave-Marias e três Glórias diante da imagem do Senhor dos Aflitos. Este facto animou, certamente, o culto à imagem de Cristo Crucificado, ao qual se associava a devoção dos fiéis que muitas vezes aqui recorriam em momentos de grande agonia, nomeadamente quando a doença quase lhes subtraía a vida.
O desenvolvimento do culto aliado ao progresso urbano da vila – que carecia de um edifício religioso condizente com o crescimento que estava a viver – levou a elite local a programar a substituição do pequeno templo no Monte das Pedrinhas com a edificação de um templo majestoso. Foram necessários largos anos até que se conseguisse a sumptuosidade que hoje se pode admirar. As obras iniciaram-se em 1860 e apenas terminaram efetivamente em 1894: a primeira fase, que contou com um interregno de vários anos devido a dificuldades financeiras, terminou em 1876 quando se concluiu a edificação da capela-mor e da sacristia; na segunda fase, de 1878 a 1888, conclui-se a nave da capela; por último, de 1891 a 1894, conclui-se a edificação da fachada, da torre e das casas laterais.

É aceitável referir que a festa religiosa ao Senhor dos Aflitos, ainda que de forma singela, se realiza desde a fundação da capela primitiva. No entanto, terá sido no contexto da edificação da majestosa capela que se terão engrandecido as festas em sua honra. A necessidade de promover atividades de angariação de receitas para as obras do templo motivaram a realização regular de bazares de prendas. Os documentos históricos sobre a construção da capela provam a existência destas iniciativas desde os anos 70 do século XIX associando-se ao dia da sua realização a concretização da festa. Na década seguinte, as festas ao Senhor dos Aflitos eram uma realidade que atraía os forasteiros dos concelhos vizinhos e, por isso, era frequentemente noticiada nos jornais locais, nomeadamente em Penafiel. Em 1888, por exemplo, altura em que se concluiu a nave da capela, a festa realizou-se a 24 de junho, um domingo, tendo a sua realização sido noticiada n’ O Penafidelense, que a apelidou de Grande festividade. A festa, com uma dimensão religiosa e profana, foi crescendo ano após ano, pelo que, no final de Oitocentos, era uma referência no concelho, sendo-lhe dado o nome de primeira.

Na última década do século XIX, já após a conclusão da capela, o templo do Senhor dos Aflitos foi entregue à administração da Santa Casa da Misericórdia de Lousada, fundada em 1897, cujas obrigações estatutárias impunham o Senhor dos Aflitos como padroeiro da Irmandade e a realização de uma festividade em sua honra com o luzimento que os meios permitissem. Em 1898 foi o primeiro ano em que as festas se realizaram sob a alçada da Misericórdia. Com o impulso do primeiro provedor, Manuel Peixoto de Sousa Freire, e a colaboração de vários colaboradores, projetou-se a festa na região e no país, tendo sido divulgando nos periódicos nacionais. Nesse ano e no seguinte, a festa teve uma magnificência invejável. Porém, nos anos seguintes, a dimensão profana das festas quase desapareceu, constrangida pelo contexto económico-financeiro delicado que se vivia em Portugal. Só em 1905 se retomou a sua dimensão grandiosa, com iniciativas e contornos organizativos que se repercutiram até à atualidade. Neste ano, uma comissão de cavalheiros de influência social, com o apoio da Misericórdia e da Câmara Municipal, programou a realização magnificente das festas para o último domingo de julho, tendo-a engrandecido com a criação de uma feira anual de gado realizada na véspera.
As imagens que acompanham este artigo – publicadas pela Illustração Portugueza em junho de 1907 – referem-se precisamente ao ano de 1905, tendo sido tiradas pelo fotógrafo amador de Nevogilde, Alfredo de Freitas.
▐ Pedro Magalhães
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