António Faria: Há quatro décadas a defender a tradição

António Teixeira Faria tem 68 anos e uma vida dedicada à terra, ao folclore e ao empreendedorismo. Nasceu em Lordelo, Felgueiras, local para onde foram viver os pais após o casamento. Aí permaneceu até à terceira classe, altura em que o apelo da terra falou mais alto e a família foi viver para a Senhora Aparecida, terra natal do pai. Aí construíram casa e criaram raízes.
Fez a quarta classe e, apesar da insistência da professora para que continuasse os estudos, os pais não permitiram, poisa situação financeira familiar não era boa. António Faria explica que a família não tinha condições para tal, sendo os pais simples cabaneiros, o que significava viver numa casa tipo cabana.

Assim, sem possibilidades de continuar os estudos, foi moço de servir em casa de uns tios, até aos catorze anos, altura em que conseguiu emprego no Porto, onde esteve de 1964 a 1977.

O facto de o pai trabalhar no Porto terá contribuído para esta decisão, mas foram sobretudo os sonhos e projetos que alimentou que o fizeram dar este passo. Passou por vários empregos, fez formação em reparação de eletrodomésticos e esteve ligado a esta área até regressar a Senhora Aparecida.

Corria o ano de 1973 quando decidiu casar. O casal ainda ponderou mudar-se para o Porto, mas o gosto pela Terra pesou mais e, por isso, passou três anos difíceis, devido às deslocações que tinha de fazer: “Levantava-me às 5:45 para ir para o Porto trabalhar. Chegava sempre tarde. Voltava às 21:15. Comecei a ficar cansado da viagem”, conta.

Foi quando surgiu a ideia de abrir uma empresa. No âmbito comercial, gostou da sugestão do cunhado, que na altura era construtor, optando pela via dos artigos sanitários. Assim nasceu a ATEIFAR (aproveitando as letras iniciais do nome e apelidos do proprietário). O empreendedorismo veio para ficar. Ateifar ganhou projeção e é hoje um nome de referência.
Sublinha, contudo, a necessidade de mais formação, tendo, entretanto, concluído o 6º ano, à noite, e feito um curso de psicologia, por correspondência, através do CEAC (Centro de Estudos da Direcção-Geral do Emprego e das Relações de Trabalho).

Ponderado, António sempre preferiu “levar as coisas pelo seguro”, fazendo crescer sempre o negócio de forma sustentada.

Passagem pela vida política

Para um homem apegado à sua terra e com projetos para ela, a passagem pela vida política apresentou-se como algo natural. Há 23 anos, o PSD convidou-o para encabeçar uma lista à Junta de Freguesia, porque “eu defendia muita coisa cá na terra, tinha projetos de desenvolvimento, para criar infraestruturas”, recorda. E acrescenta: “O que faz crescer uma freguesia é o emprego. Se houver emprego, as pessoas fixam-se, compram casa. Defendia, na altura, uma zona industrial e um plano que cativasse os investidores”. Mas os resultados não foram os esperados: “Por vários motivos, as coisas não correram bem”, resume.

A perda da estação dos correios, da agência bancária e de algumas empresas retirou alguma dinâmica à terra, embora, enquanto presidente da Assembleia, na altura, tenha lutado para que a estação dos correios se mantivesse.

Primeiro grupo lousadense a ser federado

Grupo Folclórico da Associação Cultural e Recreativa Sr.ª Aparecida

No âmbito da educação básica de adultos, em 1982, começou a esboçar-se o projeto do rancho folclórico. Lecionava na altura o professor Fernando Neto. A necessidade de desenvolver um projeto para entregar na Delegação fez nascer a ideia de criar um grupo de folclore.
António Faria assume-se como um homem que entra nas coisas para as fazer de forma séria e, por isso, não lhe passava pela cabeça que aquele projeto fosse passageiro: “Quando entro nas coisas é para fazer um trabalho sério”, afirma. Ouviu as orientações de quem era mais experiente: “O folclore não é só cantar e dançar, é diferente de gostar de umas cantigas… O folclore tem a ver com a vivência, a cultura, com a tradição, com as raízes, a história, com o património material e imaterial. Todo um conjunto de coisas que era preciso estudar”, esclarece.

Reconhecendo, então, a necessidade de estudar, deitou mãos à obra e começou pelo início, recolhendo os testemunhos do passado. Neste caminho, contou com a colaboração do presidente da Federação de Folclore Português, na época, Augusto Gomes dos Santos, que explicou tudo: os trajes, as danças, as modas…, ou seja, “o que nós devíamos valorizar e rejeitar”. Com o apoio do presidente da Federação, foi possível assinar a escritura de criação do Grupo Folclórico da Associação Cultural e Recreativa Sr.ª Aparecida em 1983 e federá-lo em 1984. Todo este processo durou apenas dois anos, fruto do empenho e dinamismo das pessoas a ele ligadas. “Foi uma alegria validar o nosso trabalho, chegar à Federação, que é uma entidade reguladora, e ser reconhecido por essa entidade em tão pouco tempo. Foi uma honra”, afirma. Recorde-se que este grupo folclórico foi o primeiro grupo lousadense a ser federado.

Porque fizeram desde o início um trabalho “sério e digno”, António Faria afirma que o grupo nasceu “quase como somos hoje” e que “foi crescendo e afirmando-se dentro do padrão”. E explica que há “uma matriz pela qual temos de nos orientar”, com o objetivo de “preservar as raízes e a identidade”. Os grupos de folclore têm muita responsabilidade, segundo António Faria, porque a eles cabe levar a mensagem da sua terra: “Se a mensagem não identifica o que foi o seu povo, está a desvirtuar e a enganar”, considera. “Isto tem a ver com a memória coletiva”, remata.

A nova casa

O Grupo começou a sua atividade no salão paroquial antigo, mudando-se posteriormente para um espaço em casa de António Faria, mas “precisávamos de ter um espaço que albergasse todo o material, trajes, instrumentos”, diz. Assim, como a necessidade aguça o engenho, começou-se a pensar na forma de conseguir uma sede para o grupo. Depois de falar com alguns proprietários de terrenos, António Faria contactou com Gonçalo Osório, proprietário da Casa de Juste, em Torno, para lhe arranjar um pedaço de terreno que possibilitasse a construção de uma sede. Aquele que tinha mais junto da população era na altura “junto a uma barroca”, sem casas à volta. Negociaram-se 700 metros de terreno por 80 contos. Começou-se por organizar um cortejo, que rendeu cerca de 400 contos, tendo-se dado ao proprietário do terreno 50 contos. Este revelou-se um benemérito ao perdoar o valor ainda em falta.

O passo seguinte foi iniciar a construção da sede: “Arranjamos pessoas com máquinas de desaterro e começamos a angariar fundos. Fizemos uma cave”, conta. Mas a ambição era bem maior e decidiram fazer uma candidatura a fundos: o resultado foram 27 mil contos. Um contributo modesto se considerarmos a obra que hoje se encontra edificada: “Não chegou a nada para aquilo que se fez, temos um auditório com 400 lugares sentados”, diz.

Para se chegar ao estado atual, contaram com o apoio da comunidade. Os cantares das Janeiras é uma atividade que se mantém, sendo uma fonte de receita, tal como as quotas dos sócios, mais de duzentos, e que rendem mais de mil euros anuais.

Mas nem tudo foi fácil. lembra por exemplo que já tiveram uma escola de música, que não foi possível manter. Num grupo com quase quatro décadas de existência são naturais as “fases com mais dificuldades”.

O folclore vivido por dentro é algo muito diferente. Nisso mesmo acredita António Faria, que nos explicou que, quando as pessoas entram para o Grupo, começam a perceber o valor de lá estar. A ideia que, por vezes, circula entre os jovens de que “o folclore é para os parolos” começa a desvanecer-se: “O importante é dar um primeiro passo”, acredita.

Vice-presidente da Federação de Folclore Português

O trabalho reconhecido de António Faria com o Grupo Folclórico da Associação Cultural Recreativa Sr.ª Aparecida levou o presidente da Federação Augusto Gomes dos Santos a convidá-lo para fazer parte do CTR (Conselho Técnico Regional da Federação). Estávamos no ano de 1987. “Comecei a fazer parte com o sr. António Leite, de Vila Meã, e Adalberto Negrão, de Sobreira, Paredes. “O presidente deu-nos umas aulas para sabermos desempenhar o nosso papel enquanto conselheiros técnicos regionais. Saber fazer a abordagem, sensibilizar as pessoas e aconselhar”, explica António Faria. Sentindo necessidade de investigar ainda mais, adquiriu literatura e estudou bastante. Refere em especial uma obra de referência de José Leite de Vasconcelos, que o ajudou a preparar-se para desempenhar o novo papel.

Foi assim até um dia ser convidado pelo vice-presidente da Federação do Folclore Português Fernando Ferreira, para formar uma lista: “Assumi, então, o cargo de vogal da direção”, conta. Em 2010, surgiu a oportunidade de ser vice-presidente do mesmo organismo, “cargo que mantenho até aos dias de hoje”.

De destacar que, no regresso às raízes que empreendeu, assume especial destaque o estudo do próprio concelho. De freguesia para freguesia, encontrou algumas variantes, na forma de vestir, de cantar e de dançar.
Teve também a oportunidade de apresentar vários trabalhos em jornadas e congressos, nomeadamente “Trajo na função”, “Formas de usar o trajo enquanto património material e imaterial”, “Folclore, que futuro?”, “Um olhar sobre o pano do povo”, entre outros.

Atualmente, são feitas recriações de atividades do passado um pouco por todo o concelho. Das vindimas, à desfolhada, passando pela produção do linho, são muitos os motivos para o trabalho de reconstrução do passado. António Faria considera-as importantes, mas alerta para o trabalho meticuloso que envolvem. A este propósito, relembra a reconstituição da romaria da Senhora Aparecida realizada há cerca de uma década: a Alvorada, o repicar dos sinos, a chegada dos primeiros forasteiros e dos primeiros vendedores, as novenas, os Zés Pereiras, os cantares ao desafio, as danças, a venda de instrumentos e brinquedos, a procissão… Tudo foi recriado. Um trabalho difícil, mas gratificante. António Faria recorda-se de ver pessoas a chorarem, de tal forma se sentiram envolvidas no ambiente recriado. Este trabalho exige disponibilidade das pessoas, que, por vezes, não é fácil de se conseguir.

Rancho da Aparecida com fama além-fronteiras

O Rancho Folclórico da Aparecida, ao longo de quatro décadas, foi conquistando um lugar de destaque no panorama nacional e internacional. António Faria diz até que além-fronteiras “sabem bem diferenciar se estamos a reproduzir o nosso povo ou não”. Entre os eventos e festivais que foram mais marcantes para o grupo, destaca o festival em França, “com as ruas cheias de gente de um lado e outro, ao logo de 5 km”, na Polónia, “também formidável, com 24 países representados, tendo ficado em primeiro lugar”, na Turquia e no Egito, para além dos nacionais, dos quais destaca aquele realizado no Algarve com encerramento na Praia da Rocha em 1993, transmitido pela RTP, também com muitas regiões representadas e 18 grupos.

António Faria já não exerce as funções de presidente do grupo folclórico, cargo que desempenhou durante cerca de 25 anos, mas espera que o mesmo mantenha a responsabilidade de ser um digno representante da cultura, estando contente por ver esse esforço por quem exerce funções diretivas atualmente.

O futebol é no presente uma das ocupações deste aparecidense, sendo presidente da Assembleia do Aparecida Futebol Clube, um clube que beneficiou de obras nas suas instalações recentemente, caracterizando-se pelo dinamismo: “A Câmara e a Junta também contribuíram para isso”, diz.
As festas em honra da Nossa Senhora Aparecida há 40 anos
Em relação às festas da Sra. Aparecida, regressa aos anos de 1976 e 1977, altura em que fez parte da comissão de festas. Recorda que no dia 13 não havia programa: “Então, nesse ano, começamos a criar essa noitada com animação e com conjuntos típicos. Agora, o dia é dedicado ao folclore”.
Recorda, ainda, que a romaria, com quase 200 anos, tinha características importantes que não se encontram noutro lado: “Era o próprio povo que fazia a animação, com os romeiros. Teve sempre muita gente”.

O dia 14 contava apenas com a procissão, os cortejos e as bandas de música, que atuavam até as 4 da manhã, segundo nos conta António Faria.

No dia 15, as corridas de motorizadas e conjuntos típicos, à noite.

Como festeiro ou não, a Senhora Aparecida diz muito a este aparecidense, que nos recita uma quadra da sua autoria, para ilustrar o seu sentimento: “Ó mãe bendita, és um encanto, és a mais bela deste recanto”. São estas as palavras que definem a Sra. Aparecida.

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