Viveu com paixão todas as experiências, que a memória lhe permite, aos 82 anos, continuar a guardar e a partilhar com aqueles que gostam de ouvir boas histórias.
Padre, professor, missionário, escritor… São várias as facetas de Adolfo Filinto Pacheco Teles, nascido a 17 de abril de 1937, na freguesia de Sousela, naquele tempo “totalmente rural”, dominada pelo verde dos campos e pela atividade agrícola.
O professor Teles, como é mais conhecido, é o mais velho de três irmãos. Apesar de oriundos de uma família pobre, tiveram a sorte de o pai, tamanqueiro de profissão, ter investido na formação dos filhos, o que lhes permitiu ascender socialmente: Porfírio era escrivão no tribunal e Fernando, o mais novo, escritor. Ambos faleceram já.
Do pai, salienta a inteligência e a ousadia: “O meu pai era um homem inteligente, que foi secretário da Junta aqui em Sousela. Teve a ousadia de escrever uma carta ao Salazar a pedir reforço de verba”, conta. Escusado será dizer que não recebeu resposta.
O pequeno Adolfo entrou na escola primária após o final da II Guerra Mundial e o grande esforço do pai permitiu-lhe acabar a quarta classe na escola do Bairral. A professora primária foi determinante no percurso que escolheu: “Tive uma grande professora, boa para toda a gente, a Fernanda Soares, da Póvoa de Lanhoso, que veio para cá acompanhada da mãe”. Fernanda foi muito mais do que professora em Sousela: “A fome e as doenças grassavam por toda a parte. Ela não se dedicava só ao ensino: fazia de enfermeira, ajudava, dava esmola… Ela e o padre da altura, António, generoso, de alma aberta”, recorda.
O exemplo dos vizinhos e o papel da professora primária
A vocação religiosa surgiu em forma de texto no dia em que a professora pediu que escrevesse sobre o que gostaria de ser no futuro: “Quero ser padre”. A assertividade da decisão agradou à docente, que era religiosa: “Tinha uma fé que chegava aos outros, completada pela caridade”, afirma Adolfo Teles.

A vocação religiosa surgiu fundamentalmente do exemplo de vizinhos, tornados frades beneditinos. “Havia quatro frades beneditinos no mosteiro de Singeverga, todos meus vizinhos. Eles vinham de férias e eu via que eram felizes e que se sentiam realizados”, explica.
Começou, então, a estudar para ingressar no convento e prosseguir os estudos. “A professora preparou-me e fiz o exame de admissão”. Na altura, para além do exame, era necessário preparar o enxoval, já que o ensino era gratuito: “Havia pessoas mais pobres que aproveitavam, porque não se pagava, tinha apenas de se levar o enxoval”, esclarece. Em relação ao enxoval, a professora deu também uma mãozinha.
O ex-professor não esquece a data de entrada no convento, 19 de outubro de 1949, nem o amigo que entrou com ele: o Salvador Fernandes, antigo maestro da banda de Lousada!
O estudo árduo e o gosto pelo futebol
Entrou no convento de Singeverga, onde fez os 5 anos do ensino preparatório, equivalente ao programa de ensino fora do convento, a que somou o latim.
Seguiu-se um ano de reflexão, durante o qual estudou a Regra de S. Bento, grande fundador dos monges beneditinos. Sobre o santo, relembra: “Pio XII nomeou-o padroeiro da Europa”. Para tal, terá contribuído o papel dos monges beneditinos na formação da Europa: “Dedicavam-se à agricultura e colaboraram na formação da Europa da baixa Idade Média. Eram também dedicados às letras. Tinham os chamados copistas, que faziam as iluminuras”, recorda.
Teologia, grego e filosofia foram as áreas fundamentais dos anos de estudo que se seguiram. Mas havia também tempo para o lazer: “Era estudar e rezar, mas às quintas-feiras havia a tarde livre para passear a pé e jogávamos muito futebol, de que gostava muito”, conta. Teve, na altura, um companheiro muito conhecido, Frei Hermano da Câmara, que também jogava. “Era uma formação humana: mente são em corpo são”, sintetiza.
O tempo passou e, a 6 de agosto de 1961, foi ordenado padre. Senhor de uma memória prodigiosa, Adolfo Teles lembra-se não só das datas com exatidão, mas também de pormenores, como é o caso da frase de Santo Agostinho, que constava na pagela que ofereceu de recordação na altura da sua ordenação: “Já não és tu, tu és Deus”, que esclarece ser um convite à transfiguração. A ordenação deu-se na Sé Catedral do Porto.
A missão em Angola
O padre Teles não tinha uma paróquia a cargo, estando ao serviço do mosteiro. As missões eram um caminho seguido por alguns. Foi o seu caso, que, após desempenhar funções como docente no mosteiro, de 1961 a 1966, decidiu embarcar para Angola, em 1968, incentivado pelo padre Celso, fundador de um jornal e um colégio de S. Bento… Antes, porém, era preciso comunicar essa decisão ao padre Bonifácio, que era o prior e já tinha estado em África a trabalhar com leprosos. Adolfo Teles recorda-o como santo e sempre com um sorriso nos lábios.
A decisão de embarcar para Angola ficou-se também a dever a um outro fator: “Eu também já não estava a gostar ali do ambiente, das críticas”, confessa.
Esteve na ex-colónia oito anos, até 1976, primeiro no Quizombo, perto da Zâmbia, a ensinar e a pregar… Do espaço africano guarda uma memória marcante: “Lá, as distâncias eram infinitas”. Mais tarde, já de férias em Portugal, recebeu uma carta do padre Celso, que, entretanto, partira para Angola como prior das missões, a pedir que o substituísse no liceu em Teixeira de Sousa, na fronteira com o Zaire, atual República Democrática do Congo. “Lecionei na secção liceal até ao 5.º ano, nono atual… Lá os professores eram militares, padres e alguns jovens formados na Universidade de Nova Lisboa… Gostei tanto de lecionar!”, diz, com saudades. Foi aí que conheceu o Franqueira, “grande homem”, professor de Educação física, já falecido, e com o qual trabalhou em Penafiel, a primeira escola onde lecionou na “metrópole”: “Amizades que ficam para a vida”, diz, com emoção.
Dos tempos de Angola, guarda boas recordações: “Era uma maravilha”, diz. Conta também que tinha a proteção dos militares, que o respeitavam, sobretudo o MPLA. “Em 1975, era a confusão, mas um comandante do MPLA vinha-me avisar em situações de perigo”: “Camarada padre, vai haver fogo, não saias da missão”, são estas as palavras que ainda fazem eco nos seus ouvidos. Esta amizade do comandante devia-se ao facto de o padre Teles ser amigo do padre Joaquim Pinto Andrade, irmão do fundador do MPLA: “Eu tinha conhecido o Pinto Andrade em Singeverga, que se havia formado em Roma. Foi meu professor de Sagrada Escritura”.
O regresso a Portugal e as saudades
Entre o serviço religioso e a política havia até uma certa cumplicidade com os responsáveis a atrasarem os comícios para que as pessoas pudessem assistir à missa: “Pedia para atrasar o comício meia hora e as pessoas iam da missa para o comício”. Em suma, o padre Teles “fazia o que queria”. Talvez por isso não tivesse pressa em regressar a Portugal. Mas um dia um irmão “puxou-o” para Portugal. Teve de mentir ao comandante do MPLA: “Ele contava que eu ficasse lá”. Por isso, inventou um enredo para justificar a ausência: “Tenho de ir ao André Muaca, arcebispo de Luanda, falar sobre as missões”. Foi esta a desculpa. O comandante cedeu-lhe um jipe e combustível para os 1500 Km de viagem até Luanda. O condutor foi o irmão que o tinha convencido a regressar a Portugal. Contou ainda com outra segurança: um salvo-conduto, que os protegia de qualquer abordagem menos amigável durante o percurso, principalmente por parte de militares da UNITA.

Para trás ficaram grandes amigos da missão: o cozinheiro, a lavadeira, o catequista-mor – o Silva, da UNITA, cujos filhos desapareceram… e tantas outras histórias!
Estiveram 15 dias em Luanda, onde “a hospitalidade era boa”. Lá descansaram no Paço Episcopal, contíguo ao Palácio do Governo. Desses dias recorda especialmente um episódio menos simpático: “Num dia de passeio matinal a pé, estavam a içar a bandeira do MPLA, que era a bandeira de Angola. Estava tudo em sentido. Passou um carro, que não parou. Dispararam. Isso marcou-me”.
Depois de falarem com o bispo André Muaca, foram levados ao núncio papal em Angola, ao qual deram conta da situação da missão.
O Ano Novo foi passado no arcebispado, mas, no dia 10 de janeiro, Adolfo Teles e o amigo embarcaram para Portugal, onde chegaram no dia 11: “Foi um momento muito triste. Os pretos eram boas pessoas, maravilha”.
Chegados Singeverga, foram surpreendidos pela receção dos irmãos, que os olhavam como se fossem fantasmas. “Só por demorarmos mais, por termos aguentado até à última, passamos a ser olhados como fantasmas. Parecíamos o D. João de Portugal no Frei Luís de Sousa”.
Os tempos da Escola Secundária de Lousada
Sem estar ainda desligado da vida religiosa, regressou a Sousela e iniciou a lecionação em Penafiel. De 1980 a 1982, esteve na Escola Alexandre Herculano, onde fez 2 anos de estágio em Latim e Português. Depois, voltou ao Vale do Sousa, Paços de Ferreira, onde lecionou 2 anos. Seguiu-se Lousada em 1984, na Quinta das Pocinhas, que descreve como um “antro miserável, uns pré-fabricados todos podres, onde chovia e a água a escorria pelas paredes abaixo”.
Com o surgimento da Escola Secundária de Lousada em Pias, o professor candidatou-se ao conselho diretivo. Lembra-se muito bem da inauguração, no dia 24 de setembro de 1986, uma cerimónia que contou com a presença do Dr. Mário Soares, na altura Presidente da República. “Formem estes jovens”: foi esta a frase marcante que ouviu da voz do chefe de Estado.
Em 1990, entendeu que estava na hora de deixar o conselho diretivo e começou a lecionar à noite. Desses tempos, recorda a camaradagem e as atividades culturais, como o teatro, as canções, as Janeiras, na companhia da professora Capitolina Oliveira, “uma grande mulher e amiga, que sempre colaborou muito com a escola” e cujo mérito é louvado no seu último livro.
Conta-nos que na altura era fácil conduzir uma escola, pois os alunos não criavam problemas e as pessoas gostavam do ensino. A vida de professor havia de terminar em 2002. Nesta altura, a imagem social era a de professor. A de padre há muito ficara pelo caminho.
O abandono da vida de sacerdote e o casamento
Foi na década de 70 que decidiu abandonar a vida religiosa. Pediu ao Papa para deixar de ser monge e sacerdote (podia ser monge sem ser sacerdote), depois de “explanar as razões sinceras pelas quais queria abandonar”. O Papa Paulo VI respondeu afirmativamente ao pedido em 1977. Posteriormente, já com o documento do bispo que o autorizava a casar, contraiu matrimónio no mesmo ano, a 16 de agosto, com Aurora Ferreira Ribeiro Teles, vizinha, cujo pai era também tamanqueiro e proprietário de uma taberna-mercearia. A jovem tinha bastantes qualidades, que despertaram o seu interesse. “Reparei nela: era trabalhadeira, amiga dos pais e dos irmãos”, caracteriza.
Da relação, nasceram duas filhas. Da mais velha, bióloga, tem dois netos, um dos quais joga futebol, modalidade que o avô sempre apreciou.
Adolfo Teles confessa que fez tudo pelo ensino, que foi uma grande paixão. “Tinha grande amor pela escola. Até ao sábado ia para lá. Gostei muito de ser professor. Gostei de todos os alunos e eles gostavam de mim e respeitavam-me”, diz, com orgulho.
Apesar de todos aos anos de trabalho e empenho, lamenta que, em Lousada, não reconheçam todo o mérito do seu trabalho: “Dediquei-me 5 anos ao conselho diretivo. Fiz tudo pela escola, gastava do meu dinheiro para ter livros. Fi-lo por amor aos meus alunos”. “Pai do ensino em Lousada” ou “mestre do ensino” são expressões que ainda ouve quando se cruza com ex-alunos.
Quando lhe pedimos para comparar a educação de agora com a de antigamente, é perentório ao dizer que havia mais educação, “a começar pela família, onde havia o respeito”, diz.
Aliás, dos tempos de professor, recorda justamente o respeito pelos professores e a educação do caráter: Não havia os ódios e violências que há nas escolas… A violência familiar transferiu-se para a escola… Dantes gostavam era de brincar”.
A paixão pela escrita
Em 1997, a paixão pela escrita, que havia despontado há muitos anos, ganhou a forma de livro. “Gostei sempre de escrever. Em Angola, estava longe e escrevia os meus artigos”, recorda, acrescentando que literatura e filosofia eram as suas grandes paixões, tendo inclusivamente lecionado esta última disciplina em Singeverga. O primeiro livro reúne as memórias dos primeiros tempos de lecionação em Lousada e da fundação da escola.
Em 2001, dando continuidade às memórias, lançou o livro “O Professor confessa-se”, título inspirado na obra de Aquilino Ribeiro “Um escritor confessa-se”.
O terceiro livro, que será lançado brevemente, já tem título: “Palavras que me beijaram”. Trata-se de um título que estabelece uma intertextualidade evidente com o poema “Há palavras que nos beijam”, de Alexandre O’Neil. É um livro também de caráter autobiográfico: mais “um filho”, que lhe “saiu do coração”.
Atualmente a residir em Sousela, a sua freguesia de sempre, diz que aí se sente bem e que gosta das pessoas: “Dou-me bem com todas as pessoas… Sinto que as pessoas gostam de mim”. Não esquece também o trabalho com os jovens souselenses: “Ajudei muitos jovens aqui de Sousela. Dei muitos anos explicações aqui. Àqueles mais carenciados não levava dinheiro”, recorda.
À vila de Lousada, não vai muitas vezes, apesar de lá ter alguns amigos e ex-alunos. Sobre estes, deixa ainda umas palavras: “Nunca deixei nenhum aluno mal… Nunca os abandonava. Arranjava estratégia para, pelo menos, merecerem misericórdia”. O mesmo é dizer: para chegarem à nota 10 e poderem passar.
Recorda, ainda, Orlando Pinto, mais conhecido como Moquinhas”, a quem coube a apresentação dos seus livros: “Ajudei-o e ele e ele a mim”, afirma.
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